Bancada ruralista na Câmara trai o governo em 45% das votações
Análise da editoria de dados do Metrópoles em 210 votações este ano mostra que aposta em bancada temática não garante vitórias ao Planalto
atualizado
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A ideia de “nova política” formulada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) teve como um dos nortes o “fim do chamado toma lá dá cá” com os partidos e a aposta na negociação com bancadas temáticas, como a religiosa, a da segurança pública e a da agropecuária. Passados nove meses de gestão, porém, o governo segue sem conseguir consolidar uma base confortável no Congresso, tem perdido votações seguidas e visto Medidas Provisórias caducarem afogadas na burocracia parlamentar.
As dificuldades – que só não ficaram claras na reforma da Previdência – têm relação direta com a infidelidade dessas bancadas temáticas, mostra uma análise do (M)Dados, núcleo de análise de grandes quantidades de informações do Metrópoles, nas 210 votações que ocorreram na Câmara desde o início da legislatura. Os deputados de uma das bancadas mais afinadas com o Planalto, a ruralista, que engloba quase metade da Casa, votaram seguindo a orientação do governo em apenas 54,57% dos casos. Juntando votos contra a orientação (18,85%) e as ausências (26,58%), houve 45,43% de traições.
Uma das mais influentes do Congresso, a bancada ruralista (ou Frente Parlamentar da Agropecuária, na definição oficial) conta hoje com 236 dos 513 deputados, incluindo o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além disso, o grupo foi responsável pela indicação da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (DEM-MS). Se votasse unida, portanto, garantiria quase sozinha vitórias do governo em temas que precisam de maioria simples, como a análise de MPs.
De acordo com o deputado Evandro Roman (PSD-PR), o articulador político da bancada na Câmara, porém, é impossível conseguir adesão automática de um grupo que não é homogêneo.
“A gente orienta o voto, não necessariamente com o governo, mas orienta. Só que também há orientação da bancada estadual e da partidária. E o que costuma prevalecer é a decisão do partido”, explica o parlamentar e árbitro de futebol aposentado. Isso ocorre porque os partidos têm dispositivos para punir filiados que não acompanhem as orientações, da retirada de comissões até a expulsão.
Raio X
A bancada ruralista é formada por 22 legendas. As mais numerosas, como PP (30 deputados) e PSL (25), são governistas e mais fiéis, mas há no grupo parlamentares de partidos da oposição, como PT (7 deputados) e PDT (com 11). “A Frente da Agropecuária está satisfeita com o desempenho do governo no setor, eu diria que o governo atende 80% do que a gente pede, mas a pluralidade de partidos torna impossível uma adesão completa”, reforça Roman.
Contra o governo, porém, a bancada ruralista já se uniu este ano. Em fevereiro, a União, seguindo a orientação liberal da equipe econômica, acabou com uma taxa que encarecia a importação de leite em pó da Europa. Diante da ameaça do presidente da bancada ruralista, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), de que “toda cadeia de produção nacional entraria em colapso”, o governo cedeu e aumentou o imposto de importação do produto de 28% para 42%.
Moreira, aliás, é um bom exemplo da relação complexa entre os ruralistas e o governo. O parlamentar já defendeu publicamente o presidente Bolsonaro e faz parte de uma comitiva oficial do Ministério da Agricultura que faz, nesta semana, um giro por quatro países do Oriente Médio. Na hora de votar, porém, o presidente da FPA traiu a orientação governista em 13,81% das sessões e esteve ausente (o que também prejudica) em 19% das votações.