Análise: sem negociar, Bolsonaro aposta em confronto nas ruas
Presidente aumenta a tensão no país ao preparar o Exército para enfrentar possíveis manifestações estimuladas por protesto no Chile
atualizado
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Há cheiro de confusão no ar. Multidões ocupam as ruas de grandes cidades e capitais da América do Sul para protestar contra os governos. No Chile, em particular, a repressão matou 18 pessoas nos últimos dias sem conseguir controlar a fúria da população.
Nesta quarta-feira (23/10/2019), no Japão – onde se encontrava em viagem -, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) demonstrou preocupação com possíveis manifestações no Brasil. Como reação a “movimentos” , o chefe do Executivo anunciou ter orientado o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva (com o presidente na foto em destaque), a preparar o Exército para assegurar “a lei e a ordem”, nos termos da Constituição.
A atitude de Bolsonaro lembra as ameaças feitas pelo último presidente da ditadura, João Figueiredo, de chamar as tropas para debelar tentativas da oposição de apressar a abertura política. “Olha que eu chamo o Pires”, dizia o general que gostava mais do cheiro de cavalo do que de povo.
Figueiredo referia-se ao então ministro do Exército, Walter Pires, a quem as tropas terrestre se subordinavam. Com esse tipo de bravata, o presidente arrastou o governo por seis anos, até sair pela porta dos fundos, em março de 1985, para não entregar a faixa ao desafeto José Sarney, seu sucessor no Palácio do Planalto.
Há uma diferença significativa entre as ameaças de Figueiredo e a medida tomada por Bolsonaro. Ao advertir sobre a possibilidade de chamar as tropas, o general procurava desestimular situações que atrapalhassem o prosseguimento da abertura política no Brasil.
Bolsonaro, ao contrário, agrava a instabilidade do país quando tenta intimidar a população com a presença do Exército nas ruas. Ninguém imagina que o gesto intimidatório surta algum efeito contra quem se encontra insatisfeito com as autoridades.
No contexto atual, a atitude de Bolsonaro expõe a divisão do Brasil e, ao mesmo tempo, reforça a postura intransigente no trato com adversários. Mesmo sem agitações nas ruas, o capitão demonstra vontade de reprimir a população.
No mundo ideal, antes de aplicar a violência do Estado, o presidente atuaria para apaziguar os ânimos da sociedade. Acima de qualquer outra missão, cabe ao Exército defender o povo. A menos que o país esteja em completa desordem na segurança pública, o que não se dá no momento.
Deve-se reconhecer que a trajetória de Bolsonaro está associada a diferentes formas de violência. Defensor da ditadura – e de um torturador, Carlos Alberto Brilhante Ustra -, o capitão fez a campanha eleitoral com forte componente repressivo.
Pelo comportamento nessa área, o presidente passa a impressão de que apreciaria ordenar o uso das tropas contra multidões, especialmente se carregarem bandeiras vermelhas. Uma ação desse tipo teria repercussão positiva e imediata entre os seguidores mais extremados de Bolsonaro.
Por enquanto, o capitão tem pouco a mostrar. Mesmo com a aprovação da reforma da previdência, as previsões de crescimento da economia ainda são tímidas. Os resultados favoráveis na economia, como os recordes na bolsa de valores e a lenta redução no desemprego, revelam-se insuficientes para entusiasmar a plateia radical. Essa turma quer brigar com a esquerda.
O chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno, também explicita o confronto ideológico.
“Na América do Sul estamos vivendo um momento difícil em que a esquerda radical, desesperada com a perda de poder, vai jogar todas as suas fichas na mesa para conturbar a vida dos países sul-americanos e tentar retornar ao poder de qualquer maneira e nos jogar no abismo que nós paramos na porta”, disse o general nesta quarta-feira (23/10/2019).
Se, por um lado, esse tipo de declaração ajuda o povo a entender o pensamento do governo, por outro, tem como efeito a aglutinação dos movimentos contrários a Bolsonaro. A comparação com os protestos nos países sul-americanos funciona como um estímulo para mobilizações, mesmo que o Exército esteja na rua. Parlamentares da oposição, como o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), usaram as redes sociais para comparar a situação do Chile com a do Brasil.
As preocupações com o humor dos brasileiros tem a ver, em boa medida, com as deficiências do governo e com o estilo intransigente de Bolsonaro. A demora em explicar e apresentar soluções para as manchas de óleo no litoral nordestino, por exemplo, revelou a falta de rumo dos órgãos sob o comando de Bolsonaro.
Outro aspecto importante a ser observado é a possibilidade de que as primeiras manifestações com potencial de provocar desordem nas ruas sejam feitas por seguidores do capitão. Essa hipótese tem grandes chances de se confirmar caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida, no julgamento iniciado nesta quarta-feira (23/10/2019), proibir prisões depois de condenações em segunda instância.
Uma das categorias que pressiona o magistrado são caminhoneiros, que prometem se levantar contra eventual mudança no entendimento da Corte, o que facilitaria a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas também se deve levar em conta a insatisfação de parte da população com a reforma da previdência, um dos temas que provocou o levante dos chilenos.
Por último, vale observar que, ao apostar no confronto, Bolsonaro reafirma seu viés autoritário e se arrisca em um campo minado. No Brasil, ou em qualquer país, multidões na rua tendem a provocar instabilidades de consequências imprevisíveis.
Nestas situações radicalizadas, as vítimas muitas vezes são as próprias autoridades constituídas. Para o bem do país e do próprio governo, o presidente faria melhor se pusesse em prática o que nunca aprendeu a fazer: negociar com adversários.