Análise: quando voltar, Bolsonaro encontrará outra América do Sul
Manifestações no Chile, eleições na Argentina e desgaste do governo por causa das manchas de óleo mudaram o ambiente político na região
atualizado
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O presidente Bolsonaro ainda tem uns dias de viagem pelo Oriente Médio. Desde logo sabe que, quando voltar ao Brasil, encontrará a América do Sul com outro desenho político. Fatos recentes servem de alerta para o capitão.
As surpreendentes manifestações no Chile mostraram que, mesmo o país com a economia mais estável a América do Sul, está sujeito a perder o apoio da população. Quaisquer que sejam os desdobramentos dos protestos das duas últimas semanas, o presidente Sebastián Piñera precisará renegociar a continuação de seu governo.
Para Bolsonaro, as turbulências no Chile repercutem negativamente tanto na economia quanto na política. A revolta da população foi motivada, principalmente, por insatisfações relacionadas ao desempenho do governo em áreas como previdência, saúde, educação e transporte.
Em maior ou menor grau, esses setores passam por turbulências no Brasil. Deve-se lembrar, por exemplo, que as ações do governo na área de educação – em especial contra as universidades públicas – motivaram as maiores manifestações contra Bolsonaro, em maio.
Os chilenos se levantaram, também, contra os efeitos da capitalização na previdência, modelo defendido no Brasil pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Com isso, a proposta certamente encontrará mais resistência no Congresso.
Guedes tem razões particulares para lamentar os rumos tomados pela economia chilena. Na juventude, durante o governo do ditador Augusto Pinochet, o hoje ministro estava entre os formuladores do modelo que agora entra em colapso, a se julgar pela força das manifestações.
Bolsonaro também tem a oportunidade de aprender que pouco adianta usar a força para reprimir o povo na rua. Piñera chamou o Exército para tentar impedir a mobilização dos chilenos, mas o resultado foi contrário.
À medida que a violência policial fazia vítimas, as manifestações cresceram e saíram ainda mais de controle. Em consequência da ação repressiva, 19 manifestantes foram mortos. Essa conta macabra ficou na conta de Piñera.
Bolsonaro é adepto da força policial contra o povo. Quando o movimento contra o governo do Chile ganhou proporção, na semana passada, o capitão ordenou que o Exército se preparasse para enfrentar protestos no Brasil. Se observar o que se passou com Piñera, verá que repressão policial, em vez de calar a população, provoca ainda mais revolta.
Quando voltar ao Brasil, na próxima quinta-feira (31/10/2019), Bolsonaro saberá também o resultado do primeiro turno da eleição na Argentina, realizado neste domingo (27/10/2019). As pesquisas indicam vitória folgada da chapa oposicionista Alberto Fernández-Cristina Kirchner contra o presidente Mauricio Macri.
Caso as previsões se confirmem, junto com o desgaste de Piñera, Bolsonaro sofrerá mais um revés nas suas apostas para a América do Sul. O capitão apoiou Macri ostensivamente e, agora, precisa reajustar o discurso.
Outros países sul-americanos vivem situações de instabilidade. No Equador, as populações indígenas se revoltaram contra o governo do presidente Lenín Moreno. A reeleição de Evo Morales para mais um mandato na Bolívia está sendo contestada pelos derrotados e ainda gera algum grau de incerteza na política do continente.
Na volta ao Brasil, Bolsonaro perceberá que seu país também mudou na sua ausência. Na última semana, ficou evidente a falha do governo na coordenação das ações contra a contaminação do litoral nordestino por manchas de óleo derramadas no mar.
O presidente verá, ainda, que os problemas do PSL não foram resolvidos. O filho Eduardo Bolsonaro (SP), deputado federal, tomou a liderança do partido do deputado Delegado Waldir (GO), mas a situação está longe de ser pacificada.
No último lance, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, foi lançada candidata a presidente em 2022. Ainda falta muita água rolar antes da próxima disputa pelo Palácio do Planalto, mas esse movimento mostra a dificuldade que o capitão terá para manter os aliados de 2018.