Análise: massacre de Altamira indica falta de solução em presídios
Atuação do governo em chacina no Pará aponta repetição dos mesmos procedimentos adotados em situações semelhantes nos últimos anos
atualizado
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Ainda é cedo para se exigir do governo atual resultados significativos em relação ao descontrole sobre os presídios brasileiros. Sete meses depois da posse, o presidente, Jair Bolsonaro (PSL), de fato não teve tempo suficiente para sanar as deficiências do sistema penitenciário.
Alguns episódios de grande repercussão, no entanto, sugerem a necessidade de se buscar soluções urgentes para esse problema. No fato mais recente, em Altamira (PA), 57 detentos morreram massacrados, aparentemente, durante uma disputa entre facções criminosas pelo poder interno do presídio.
Em mais uma demonstração de barbárie, a exibição de 16 cabeças separadas dos corpos repetiu uma prática macabra, conhecida de outras rebeliões do gênero. Essa imagem ficou comum no Brasil.
Sem tirar das facções o poder sobre a população carcerária, pelo que se sabe, não se retoma a hegemonia adquirida por essas organizações com tentáculos em todas as regiões do país.
Pelas ligações que Bolsonaro tem com a área de segurança, há grande expectativa em relação a melhorias nos presídios na atual administração. No entanto, não se percebe nos movimentos do governo, medidas ou projetos com potencial para mudar o perfil desumano e ineficiente do sistema prisional do país. A flexibilização do uso de armas, anunciada com estardalhaço, não terá efeito na superpopulação das cadeias, um das mazelas do setor.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, trabalha em iniciativas específicas para combate ao crime organizado e à corrupção. Em tese, são ações destinadas a estrangular as quadrilhas com o aperfeiçoamento das operações de inteligência, intervenção e integração dos agentes de segurança, modernização do sistema penal e execução penal. Mesmo que sejam aprovadas pelo Congresso, tarefa difícil, essas mudanças levam tempo para apresentar resultados práticos.
Possíveis efeitos dessa política, se confirmados, terão pouca interferência na situação dos presídios nos próximos anos. Mesmo com a conclusão e a construção de novos complexos para detentos, como o número de presos também é crescente, parece pouco provável que haja redução significativa da população de internos.
Enquanto as soluções não vêm – se é que virão -, continuam valendo as mesmas operações de efeitos paliativos, como transferências dos líderes das facções para outras cadeias e envio da Força Nacional para a cidade onde se deu a rebelião. Não será com esse modelo de atuação que a dura realidade dos presídios será transformada.
A desorganização das cadeias fica evidente, por exemplo, quando são divulgadas as listas dos mortos nas revoltas internas. Nessas ocasiões, nota-se que as celas juntam, por exemplo, detentos com condenações graves com outros que nem sequer foram julgados — ou seja, podem ser inocentes.
Às 57 vítimas de Altamira, juntam-se os 55 mortos em uma chacina na cadeia de Manaus, em maio. Foram 112 brasileiros que perderam a vida sob a suposta custódia do Estado durante o governo Bolsonaro.
Na rotina dos presídios, do ponto de vista dessas instituições, mais de uma centena de baixas representam uma redução considerável na superpopulação carcerária. Em um país onde a pena de morte é proibida, o enfrentamento das facções cumpre em dependências públicas a mesma função mórbida que o castigo capital. Isso acontece em qualquer critério, além da crueldade desenfreada de assassinos.
O presidente não demonstra maiores preocupações com o ambiente medieval das cadeias. Indagado por jornalistas sobre o assunto, disse que primeiro era preciso perguntar às vítimas o que achavam. Se é verdade que não se deve esperar de Bolsonaro solução rápida para o monumental problema dos presídios, pelo menos, pode-se exigir compostura. Mas, na atual conjuntura, seria pedir demais.