Análise: insanidade de Adélio esvazia narrativa política de Bolsonaro
Justiça considera autor de facada inimputável e enfraquece discurso do presidente com insinuações sem provas sobre suposta ajuda do PSol
atualizado
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Desde o atentado de Juiz de Fora (MG), durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) trata o episódio em tom político. Em mais de uma oportunidade, ele questionou os motivos da facada e fez insinuações sobre as ligações de Adélio Bispo de Oliveira, autor do ataque, com o PSol.
Em nenhum momento as investigações da Polícia Federal apontaram indícios de envolvimento do partido no episódio. Mesmo assim, em fevereiro, por exemplo, Bolsonaro gravou no leito do hospital Albert Einstein, em São Paulo, um vídeo no qual lembra uma antiga filiação de Adélio à legenda.
Na mensagem, o presidente afirma que o “ato terrorista praticado por um ex-integrante do PSol não pode ficar impune”. Em seguida, dirige-se aos investigadores: “Gostaríamos que a PF indicasse, obviamente que com dados concretos, quem foi ou quem foram os responsáveis por determinar que o Adélio praticasse aquele crime”.
No dia 13 de março, durante café da manhã com jornalistas, Bolsonaro voltou a expor opinião sobre o caso: “Minha convicção é de que não foi da cabeça dele [Adélio]”.
Os recados do presidente partem do princípio de que houve um ou mais mandantes do ato do pedreiro preso em Juiz de Fora. Ao fazer referência ao PSol no mesmo contexto, lançam suspeita de que o partido esteja por trás do gesto tresloucado.
Do ponto de vista político, durante a campanha, o ataque de Adélio foi explorado com eficiência no discurso antiesquerdista do candidato do PSL. Sob a luz do trabalho da Polícia Federal, configura-se uma atitude oportunista e irresponsável.
Como presidente da República, Bolsonaro investe-se de poderes especiais em relação aos cidadãos comuns. Se um brasileiro sem prerrogativas dessa natureza reclamar de um trabalho da polícia, não terá meios para interferir no resultado da investigação.
Pressão
No caso do ocupante do Palácio do Planalto, manifestações de descontentamento em relação ao andamento do inquérito soam como pressão sobre a Polícia Federal, órgão ligado ao Ministério da Justiça e, indiretamente, subordinado a Bolsonaro.
O uso da autoridade para induzir o resultado da investigação configura uma extrapolação indevida das atribuições do presidente. Diante dessa situação, qualquer mudança de interpretação da polícia em relação às circunstâncias do ataque levantará suspeitas sobre interferência superior.
Na perspectiva da PF, a ilação de Bolsonaro tem o mesmo peso de versões paralelas que põem em dúvida o atentado de Juiz de Fora. Nessa variante, o ataque de Adélio foi uma armação da equipe do candidato do PSL para provocar uma comoção nacional suficiente para elegê-lo para o Palácio do Planalto.
Nessa segunda-feira (27/05/2019), o juiz da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora Bruno Saviano decidiu que Adélio é inimputável. Diagnosticado com insanidade mental, o homem da facada não pode ser responsabilizado pelos seus atos.
Atitude insana
Sem qualquer pista sobre envolvimento de terceiros no gesto contra Bolsonaro, os problemas psíquicos de Adélio ganham relevância para a compreensão do fato. A atitude insana tomada durante a campanha eleitoral adquire mais sentido quando relacionada ao diagnóstico pericial.
Nada impede, claro, que uma pessoa portadora de distúrbios mentais seja contratada para cometer um crime. Mas, sem elementos concretos que reforcem a teoria, qualquer dedução nesse sentido carece de embasamento.
As circunstâncias da decisão judicial esvaziam a narrativa política de Bolsonaro sobre Adélio. Se não surgir fato novo na investigação, pode-se dizer que ele força a barra para tentar manter o discurso eleitoral mesmo depois da posse no Planalto. Com essa postura, o presidente também desvaloriza a própria credibilidade.