Análise: depoimento de porteiro abala Bolsonaro e afeta governo
Investigações sobre assassinato de Marielle Franco atingem novo patamar, chegam à casa do presidente e elevam a tensão política no país
atualizado
Compartilhar notícia
Desde a noite desta terça-feira (29/10/2019), o governo Jair Bolsonaro entrou em nova fase. A reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, levou as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) para dentro da casa do chefe do Executivo.
As consequências da revelação do JN afetam as relações do governo com o Judiciário e o Legislativo. Boa parte dos esforços do presidente e dos subordinados será gasta, a partir de agora, com ações para estancar os efeitos provocados pelas suspeitas lançadas pelo porteiro.
Prova disso é a pressão de Bolsonaro sobre o ministro da Justiça, Sergio Moro, para que o depoente seja ouvido pela Polícia Federal. Com isso, o presidente faz um movimento para tentar interferir no andamento da investigação sobre a execução da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes.
No Congresso, a oposição vai ganhar fôlego para atrapalhar a tramitação de projetos de interesse do Planalto. Com a novidade divulgada pelo JN, abre-se mais um foco de desgaste para o governo, já acuado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das fake news.
O nervosismo do presidente na live improvisada em Riade, na Arábia Saudita, refletiu a gravidade do caso. Abalado pela reportagem, o capitão vociferou contra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) e ameaçou a TV Globo de não ter a concessão renovada.
Pelo conjunto dos fatos, este é um escândalo que veio para ficar. As investigações sobre o assassinato de Marielle atingem novo patamar e, pela citação do nome do presidente, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir como o processo será tocado a partir de agora. A tensão política também subiu alguns graus.
Qualquer que seja o encaminhamento jurídico do caso, o depoimento do porteiro apresenta elementos que reforçam a curiosidade sobre a relação da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. O que se sabe até agora permite a conclusão de que o presidente e alguns de seus parentes mais próximos compartilhavam o mesmo ambiente que os acusados de matar a vereadora.
A proximidade com personagens desse mundo pode ser confirmada nas homenagens que o presidente e seus filhos fizeram a alguns desses homens em diferentes momentos nas últimas décadas. As ligações também apareceram nos empregos dados a parentes de um miliciano pelo gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. Deve-se lembrar, ainda, que o ex-policial militar Ronnie Lessa mora no mesmo condomínio onde vivem o capitão e o filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro.
Esses fatos não constituem prova contra o presidente nem contra seus familiares. Mas, junto com o depoimento do motorista, têm força para exigir das autoridades o máximo zelo com as investigações e cuidado com a segurança das testemunhas.
Para reduzir a instabilidade política decorrente desse episódio, espera-se que as autoridades responsáveis esclareçam as dúvidas o mais rapidamente possível. Se o presidente nada tem a ver a morte de Marielle, que isso fique logo claro para não aumentar o desgaste para a família e para o país. Antes de mais nada, porém, deve ser elucidado o mistério sobre quem autorizou, na casa 58, a entrada do ex-policial militar Élcio Queiroz no condomínio onde mora Bolsonaro.