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Análise: contra fake news, o Brasil precisa do jornalismo profissional

Ao divulgar mentira sobre repórter, Bolsonaro tenta desqualificar denúncias contra Flávio e reforça importância da imprensa no país

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Presidente do STM recebe Jair Bolsonaro em visita institucional. Brasília(DF), 13/11/2018
1 de 1 Presidente do STM recebe Jair Bolsonaro em visita institucional. Brasília(DF), 13/11/2018 - Foto: null

Os brasileiros passam por um ataque sistemático de mentiras. Difundidas nas redes sociais, as fake news tentam subverter o processo de produção de notícias com a difusão de falsidades e tentativas de desqualificação de jornalistas profissionais.

Mais ostensivos em épocas eleitorais, os embustes eletrônicos ganharam força no atual governo. Nesse domingo (10/3), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ajudou a difundir uma farsa montada contra a repórter Constança Rezende, do jornal O Estado de S. Paulo.

Em postagem no Twitter, o capitão divulgou uma publicação do site francês Mediapart com supostas declarações da jornalista. A mensagem reproduziu a distorção de uma fala de Constança para induzir o público a acreditar que ela pretendia “arruinar” a vida do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

As gravações não comprovaram a acusação. Nessa segunda-feira (11), o Mediapart desmentiu a informação e se solidarizou com a jornalista.

Repórter na sucursal do jornal no Rio de Janeiro, Constança participa da cobertura sobre as investigações relacionadas a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do estado. Sem explicação plausível para o escândalo que se arrasta há mais de três meses, o presidente avançou contra a repórter.

O tuíte de Bolsonaro resume o sentimento de boa parte de seus eleitores em relação a jornalistas. Sites de seguidores e dos filhos do presidente tentam concorrer com a imprensa na produção de informações.

Nesse ponto, predomina nas redes sociais um certo equívoco na percepção do papel do jornalismo profissional. A facilidade de comunicação proporcionada pela tecnologia – em particular pela internet – deu a muita gente a impressão de que, para combater verdades indesejáveis, basta disputar em vantagem as versões levadas ao público.

No caso do tuíte, o presidente agiu com a ilusão de que a suposta parcialidade da repórter amenizaria as responsabilidades de Flávio nos rolos de Queiroz. Atitude como essa pode atender aos seguidores mais fanáticos, mas não tem alcance suficiente para desvincular a família Bolsonaro dos movimentos do ex-assessor.

O jornalismo profissional existe, entre outras funções, para impedir esse tipo de manipulação. Sem a imprensa, a divulgação das informações ficaria restrita à vontade dos poderosos. Seria um mundo de boas notícias – de preferência só de propaganda –, onde a população seria informada apenas por boletins oficiais.

Aqui vale um pouco de memória. Para calar a imprensa, a ditadura militar instituiu a censura dos meios de comunicação. Em um tempo que não tinha internet, bastava colocar um censor em cada redação de jornal. Nem assim deu certo.

De diferentes formas, jornalistas conseguiram furar o bloqueio e publicar denúncias que ajudaram a abalar o governo militar. No trabalho cotidiano, esses profissionais exerceram seu ofício e, ainda, desmoralizaram a censura.

Todos os presidentes
Com erros e acertos, desde a redemocratização, a imprensa incomoda os presidentes. O primeiro escândalo em torno da Ferrovia Norte Sul foi no governo Sarney. Fernando Collor sofreu um impeachment com base em denúncias da imprensa.

Itamar Franco afastou um ministro, Henrique Hargreaves, da Casa Civil, enquanto a Polícia Federal investigava acusações publicadas na mídia contra ele. Os escândalos do Sivam, da Pasta Rosa e da compra de votos da reeleição atormentaram o governo Fernando Henrique Cardoso.

A exploração do caso do mensalão quebrou a boa relação do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a imprensa. Dilma Rousseff sofreu impeachment no segundo mandato depois de intensa campanha apoiada por grande parte da mídia. Michel Temer quase perdeu o mandato depois da divulgação de suas conversas com o empresário Joesley Batista.

Como se vê, a relação dos presidentes com a mídia é conflituosa há pelo menos algumas décadas. No governo Dilma, deve-se ressaltar, também houve perseguição e falsas acusações contra jornalistas da grande imprensa. Não faz sentido, portanto, a tentativa de associação dos veículos de comunicação, genericamente, com qualquer governo.

Importante registrar que a imprensa, claro, também erra. Mas a perseguição a jornalistas profissionais, na maioria das vezes, não se dá pelos erros, e sim pelos acertos. É o que se passa com o tuíte do presidente. Certamente, se ele tivesse uma explicação para os rolos de Queiroz, iria torná-la pública, em vez de atacar a repórter.

Agitadores
Uso a expressão “jornalismo profissional” para distinguir as pessoas formalmente habilitadas, conhecedoras das técnicas desse ofício, para produzir notícias voltadas aos interesses da sociedade. De preferência, que tenham cursado uma faculdade de jornalismo. Imprescindível que tenham fonte de remuneração conhecida.

Não se enquadram nessa categoria os militantes digitais voltados para a defesa ou o ataque sistemático a qualquer governo ou instituição. Agitadores com esses perfis costumam sumir junto com os governos que bajulam. Para o bem da sociedade, contra as fake news, os profissionais sobrevivem a eles.

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