Análise: briga no PSL tem potencial para desestabilizar Bolsonaro
Ao cobrar auditoria nas contas do partido, presidente tenta se antecipar a problemas na Justiça Eleitoral, mas deixa aliados insatisfeitos
atualizado
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Cresce no PSL um foco de crise com final imprevisível. Principal nome do partido, o presidente Jair Bolsonaro aumenta a tensão interna com um pedido de auditoria nas contas da legenda nos últimos cinco anos.
Esse é um jogo arriscado para o capitão. Nos aspectos mais explosivos, a briga tem potencial para expor as entranhas da eleição do ano passado. Investigações da Polícia Federal levantam suspeitas de uso de dinheiro desviado de candidaturas laranja para a campanha de Bolsonaro.
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, está no centro do alvoroço. No pior dos cenários, ele arrasta o chefe para o escândalo do laranjal e o caso chegará ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com questionamentos sobre o resultado da disputa presidencial de 2018.
Ao solicitar a auditoria, o presidente tenta se antecipar a possíveis problemas nas finanças do PSL. Em uma atitude preventiva, procura se blindar contra eventual processo no TSE. Conta para essa empreitada com a ajuda de um ex-ministro do tribunal, o advogado Admar Gonzaga.
A entrada em campo do ex-magistrado fornece uma medida da gravidade da situação. Pelo currículo, Gonzaga conhece os caminhos que levam à absolvição de políticos no tribunal eleitoral.
Quando integrava o TSE, o advogado de Bolsonaro foi um dos votos decisivos para a absolvição da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, julgada em junho de 2017 por acusação de abuso de poder econômico na eleição de 2014. Na ocasião do julgamento, o presidente era Temer, empossado depois do impeachment de Dilma.
Bolsonaro ainda tem pontes para queimar se o caso da campanha em Minas chegar ao TSE. Em última instância, tentará jogar para Álvaro Antônio a culpa de eventuais desvios de dinheiro administrado pelo PSL.
Para quem já se livrou de aliados importantes – como o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, ou o ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz –, essa perspectiva desponta como uma alternativa sem dramas de consciência para Bolsonaro.
O eventual afastamento em relação aos rolos de campanha do ministro do Turismo ajudaria o presidente a preservar condições para manter o discurso de combate à corrupção, adotado com êxito para ganhar a eleição. Depois de iniciado o governo, essa narrativa ainda funciona como motor da mobilização dos seguidores do capitão.
A mesma estratégia vale para o presidente nacional do PSL, o experiente Luciano Bivar, responsável por abrir as portas da sigla para Bolsonaro em 2018. Quando pede auditoria das contas, o presidente demonstra intenção de encurralar o dirigente do partido.
Arriscada no campo jurídico, a estratégia de peitar o PSL também se mostra temerária do ponto de vista político. Nas duas vertentes, o chefe do Executivo abre a guarda para a exploração de pontos frágeis pelos adversários e por aliados insatisfeitos com os rumos do partido. As projeções mais desfavoráveis levam em cota que os gestos ousados de Bolsonaro criam condições para a desestabilização do governo.
Uma das consequências da fome de poder partidário do presidente e de seus filhos é o afastamento de políticos do PSL. Nos últimos dias, parlamentares influentes da legenda tornaram públicas severas críticas à atuação dos filhos do chefe do Executivo.
Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) disputa com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o “Zero 3”, o comando da legenda no estado. “Não reconheço no país a monarquia, a dinastia. O que desgasta o presidente são os filhos com mania de príncipe”, afirmou o parlamentar.
Olímpio reclama também dos movimentos do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) contra a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Esse episódio escancarou a aproximação do “Zero 1” com a banda do Congresso interessada em barrar o combate à corrupção.
Suspeito de usar até o ano passado o gabinete de deputado estadual para fazer caixa ilegal, lavar dinheiro e proteger pessoas ligadas a milícias, o senador fluminense se tornou um obstáculo para o discurso em defesa da ética feito por Olímpio. Essa é uma das contradições entre a realidade e as atitudes da família Bolsonaro.
Nesse domingo (13/10/2019), o líder no Senado manteve o tom de confronto com outro filho do presidente, Carlos, vereador no Rio de Janeiro. Mais uma vez, reclamou do comportamento de “príncipes” dos três descendentes do capitão com mandato político.
O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), também observa a atuação da família presidencial. Em entrevista ao site Congresso em Foco, o deputado goiano exigiu transparência nos gastos de Jair Bolsonaro com cartão corporativo. “Ninguém deve ser imune”, justificou.
As divergências internas do PSL giram em torno do futuro da legenda, de verbas públicas, das alianças política e das candidaturas nas eleições de 2020 e 2022. Para se ter uma ideia dos montantes financeiros envolvidos nesse embate, para o ano que vem, o PSL terá R$ 359 milhões provenientes dos fundos eleitoral e partidário.
Quando trombam com aliados pelo comando da legenda, Bolsonaro e os filhos disputam também esses recursos públicos, valiosos para o futuro eleitoral da família de todos os integrantes do partido. Essas circunstâncias ajudam a entender um pouco o jogo arriscado do presidente no confronto com dirigentes do PSL.
Se o capitão não consegue liderar a unidade de seu partido, pode-se entender melhor as dificuldades que tem para compor maiorias suficientes para aprovar propostas no Congresso. Nesse contexto, o fogo amigo do PSL, a disputa por verbas públicas e as pendências legais das eleições de 2018 formam um conjunto de circunstâncias perigosas para a estabilidade do governo. Talvez por não ter outra saída, Bolsonaro parte para o confronto.