Amigo de Temer combina entrega de propina em áudio, afirma PF
Segundo inquérito da Odebrecht, presidente da República e outros emedebistas acertaram repasse de R$ 10 milhões da empreiteira ao partido
atualizado
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Após a conclusão do inquérito da Odebrecht – que envolve o presidente da República, Michel Temer (MDB), por suposto recebimento de propina – a Polícia Federal (PF) anexou no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) áudios que mostram servidores da empreiteira combinando uma entrega de dinheiro ao amigo do emedebista, Coronel João Baptista Lima Filho. Ele foi citado por delatores como captador financeiro. A informação é do jornal O Globo, que teve acesso à íntegra dos arquivos de áudio.
De acordo com o inquérito, durante um jantar no Palácio do Jaburu, em 2014, Temer e executivos da Odebrecht acertaram o repasse de R$ 10 milhões da empreiteira ao partido (MDB) naquele ano. Desse total, R$ 1,4 milhão teria sido entregue ao presidente por meio do coronel Lima. Os demais foram distribuídos para outros integrantes da legenda.
Segundo a reportagem, para a Polícia Federal, os diálogos entre os entregadores e o coronel Lima utilizam códigos como referência às entregas de propina. No primeiro deles, o funcionário da corretora fala sobre entregar uma “encomenda”. Em outra conversa, o coronel Lima reclama que o valor das “atas” estava abaixo do previsto, o que segundo a PF seria uma referência ao valor recebido ilegalmente.
Confira transcrição de trechos dos áudios obtidos pelo O Globo:
19 de março de 2014, às 10h25 – João Baptista Lima e Edimar Moreira Dantas, funcionário da Hoya Corretora de Valores
Na primeira conversa, o funcionário da corretora de valores procura saber se o coronel Lima está no local combinado para a entrega do dinheiro, segundo a PF.
JOÃO – Alô?
EDIMAR – Seu João?
JOÃO – Ele mesmo.
EDIMAR – Meu pessoal tá ai … o senhor já tá no local da … aquela encomenda?
JOÃO – Não! Eu tô fora. Não… nós não falamos antes. Eu tô ai com uns compromissos agora. Eu só vou estar lá na minha base por volta das 14:30. Como é que o senhor vê ai? Dá pra passar às 14:30?
EDIMAR – Eu vou ver aqui e retorno. O senhor tá longe de lá, né?
JOÃO – Estou longe. Eu tô aqui pro lado de Santo Amaro, viu? E … ai com um compromisso que eu não posso deixar de atender, viu? Então 14:30, 15 horas é que eu tô chegando lá na minha base.
EDIMAR – Então vou ver se consigo marcar para as 15 horas. Qualquer coisa…
JOÃO – O senhor faz o favor, me dá uma ligada, fá bom?
EDIMAR – Tá bom, tchau!
JOÃO – Obrigado!
19 de março de 2014, às 11h37 – João Baptista Lima e Márcio José Freira do Amaral, funcionário da Hoya Corretora de Valores:
Após o primeiro desencontro, um outro funcionário da Hoya telefona para o coronel Lima para combinar um novo horário, segundo a PF.
JOÃO – Alô?
MÁRCIO – Senhor João?
JOÃO – Ele mesmo!
MÁRCIO – Ah, sim! Bom dia!
JOÃO – Tudo bem!
MÁRCIO – Bem. Hoje então aquela reunião foi adiada, né? Vai ser entre 3 e
5 horas. Das 15 às 17 .
JOÃO – Ok. Tô por lá nesse horário.
MÁRCIO – Tá. Só que nós temos 3 etapas dessa reunião, que vai ser 5ª e 6ª feira. Agora, 5ª e 6ª eu gos … bem, eu queria ver com o senhor se pode ser entre 10 e 12 horas. Na 5ª e na 6ª?
JOÃO – Veja se vocês podem me fazer isso daí às 12 horas. Eu faço de tudo para tá às 12 horas. É possível?
MÁRCIO – De 12 … vamo marcar então de … é que tem sempre que dar um espaço de tempo, de 12 até que horas, mais ou menos?
JOÃO – 12 às 13, tudo bem?
MÁRCIO –12 às 13. Nos dois dias?
JOÃO –12 às 13. Nos dois dias
MÁRCIO – Então tá combinado
JOÃO – Combinado, um abraço!
MÁRCIO – Grande abraço, até logo!
JOÃO – Outro! Tchau!
24 de março de 2014, às 15h37 – João Baptista Lima e Márcio José Freira do Amaral, funcionário da Hoya Corretora de Valores:
Dias após as entregas, o coronel Lima busca saber se haveria novos repasses, na avaliação da PF.
JOÃO – Alô?
MÁRCIO – João?
JOÃO – Ele
MÁRCIO – Opa! Aqui é o Márcio. Tudo bom?
JOÃO – Tudo bem, Márcio
MÁRCIO – Eu recebi um recado aqui, sinceramente não tô entendendo, acho que a pessoa tá se expressando mal aqui, eu não tô entendendo. É … nós tivemos 3 reuniões: quarta, quinta e sexta. Fiz uma na quarta, fiz na quinta, e na sexta você ia demorar me pediu que entregasse ao Silva.
JOÃO – Isto, isto!
MÁRCIO – Então, as três reuniões foram concretizadas.
JOÃO – Tudo bem! Tem alguma previsão pra mais alguma coisa, ou não?
MÁRCIO – Ah, não! É .. não! Ainda não tem informação nenhuma. Mas essas 3 foi tudo certinho, né?
JOÃO – Foi.
MÁRCIO – É que o pessoal tá se expressando mal, tá fazendo uma confusão do cacete.
JOÃO – Tudo bem, tudo bem. A última, a da sexta feira, em que foi entregue ai ao Silva as atas, elas não foram iguais às atas anteriores, né? Ficou um pouco abaixo.
MÁRCIO – É! Um pouquinho abaixo, o número era quebrado.
JOÃO – Tá certo, tá certo!
MÁRCIO – Tá bom?
JOÃO – Tá entendido, então!
MARCIO – Ok!
JOÃO – Eu agradeço a tua atenção!
MARCIO – Um abração, Tchau, tchau!
JOÃO – Outro. Obrigado. Um abraço! Tchau!
Na semana passada, após a conclusão do inquérito, em nota, o Palácio do Planalto se manifestou e considerou as investigações sobre o caso um “atentado à lógica e à cronologia dos fatos”. Segundo o texto, o referido jantar ocorreu justamente para tratar de pedido de apoio formal para as campanhas eleitorais do MDB de 2014, “o que ocorreu dentro de todos os ditames legais” e com todos os registros formalizados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).