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Política antidroga: comunidades terapêuticas receberam quase R$ 400 mi

O valor foi pago desde 2016 e pode ser ainda maior, porque desconsidera instituições que não têm mais convênio com o Ministério da Cidadania

atualizado

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Ipe amarelo servidor público
1 de 1 Ipe amarelo servidor público - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

O governo federal já repassou quase R$ 400 milhões para as comunidades terapêuticas desde 2016. Desse valor, 63% (ou R$ 242 milhões) foram pagos depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou ao poder, em 2019. A atual gestão do país aposta nessas associações – frequentemente de cunho religioso – para ter um importante papel na política antidrogas.

O (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, obteve a lista de entidades conveniadas com o governo federal, a partir de um pedido fundamentado na Lei de Acesso à Informação (LAI). Em seguida, a reportagem utilizou o Portal da Transparência para saber quanto foi repassado para cada uma delas desde 2016. Como a plataforma contabiliza apenas instituições atualmente conveniadas com o Ministério da Cidadania, o valor pago às comunidades pode ser ainda maior.

A pasta federal contrata leitos nesses locais que, sob uma perspectiva de isolamento e abstinência, cuidam gratuitamente dependentes químicos. Muitas vezes, o tratamento também envolve um forte viés religioso. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, não há evidência científica robusta de que essa abordagem seja eficaz.

Para justificar o constante subsídio às comunidades terapêuticas, o Ministério da Cidadania lançou um edital de R$ 570 mil, no início de 2021, para que seja promovido estudo sobre a eficácia do modelo. A pesquisa para provar a efetividade desses tratamentos foi encomendada após o governo federal investir R$ 400 milhões nessas comunidades.

O gerente da política de drogas da Conectas Direitos Humanos, Henrique Apolinário, critica a opção do governo. “O direito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a legislação brasileira dizem que tratamentos devem ser baseados em evidências científicas”, apontou.

Apolinário acredita que o governo vem invertendo isso. “O ministério tem feito investimentos milionários em entidades que tratam o problema com religiosidade, como se vício fosse um problema moral”, continuou.

Um indicativo da influência religiosa nessas entidades pode ser notado na lista das dez instituições que mais receberam recursos federais em 2020. Dentre elas, nove têm referências religiosas já no nome do estabelecimento ou nas atividades desempenhadas, e oito fazem alusões explícitas a doutrinas cristãs.

A aposta nas comunidades terapêuticas como política pública no tratamento do abuso de drogas começou na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), e cresceu, ainda mais, a partir da chegada de Jair Bolsonaro (sem partido) ao Palácio do Planalto. O gráfico a seguir mostra o valor gasto com as entidades anualmente.

De acordo com Apolinário, outro problema relevante é a falta de fiscalização dessas comunidades terapêuticas. Mesmo com os altos valores envolvidos, ele aponta que o governo federal não acompanha corretamente o trabalho das entidades. “Não há retorno efetivo sobre o uso desses recursos e, quando tem, geralmente acontece após denúncia grave”, disse.

Para o especialista, toda vez que há uma denúncia apontando maus-tratos, tortura, trabalho forçado, proselitismo religioso, questões de gênero e sexualidade, o governo alega que “é preciso separar joio do trigo”, ou que o caso é isolado.

Os valores federais podem ser apenas parte do montante pago às comunidades terapêuticas. Parte do orçamento delas vem de estados e municípios, mas a pulverização desse dinheiro dificulta a fiscalização. “A estimativa é que o governo federal ainda não seja o maior financiador”, analisou Apolinário.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Cidadania não se manifestou. O espaço continua aberto.

 

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