Polícia diz não ter efetivo para investigar maior chacina de Goiânia
Nove pessoas foram mortas por motociclistas armados na mesma noite e em diferentes endereços. Inquérito da polícia tem quase seis anos
atualizado
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A Polícia Civil de Goiás justificou que não concluiu a investigação sobre a maior chacina da capital, Goiânia, por “excesso de demanda” e “número reduzido de policiais”. O inquérito está sem conclusão há quase seis anos.
Nove pessoas foram assassinadas por motociclistas armados entre os dias 7 e 8 de abril de 2017 em diferentes bairros da cidade. A polícia chegou a começar uma investigação sobre a relação entre esses homicídios, mas o caso ficou parado.
“Devido ao excesso na demanda, ocasião em que este cartório conta mais de 300 inquéritos policiais com investigação em andamento concomitantemente, aliado ao número reduzido de policiais, ainda não foi possível concluir o procedimento investigativo”, justificou a delegada Caroline Matos Barreto em ofício de 29 de dezembro de 2022.
Ainda em 2017, exames de confronto microbalístico confirmaram a mesma autoria de seis das mortes. Na época, a polícia fez novos pedidos de perícia, além de busca e apreensão.
Essa chacina não foi divulgada oficialmente pela polícia de Goiás e foi revelada pela primeira vez no jornal O Popular em 2018. Caso confirmada a mesma autoria das nove mortes, essa é a maior chacina de Goiânia, maior que a da família Matteucci, em 1957, e em um bar no bairro Itaipu em 2007, ambas com seis mortos.
Relação com a PM
Integrantes da Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH) de Goiânia investigavam a relação das mortes com o assassinato de uma atendente de 23 anos, companheira de um policial militar, horas antes da série de homicídios.
A mulher foi baleada em um suposto latrocínio. Ela e o PM foram abordados na manhã de 7 de abril, quando saíam de uma casa. O policial foi baleado no rosto, mas sobreviveu e conseguiu revidar, matando um dos assaltantes. A mulher foi hospitalizada e morreu no final da tarde.
A série de nove execuções começou logo após o assassinato da atendente. Das nove mortes, seis foram na mesma região em que a companheira do PM foi morta, próximo ao bairro Recanto das Minas Gerais, região leste da cidade. Dois dos mortos eram pessoas em situação de rua. Todos eram jovens do sexo masculino.
Veja quem foram os mortos:
- Kaio César da Silva Morais, 18 anos: morto quando caminhava em direção a um espetinho para encontrar amigos;
- Paulo Ricardo Araújo Oliveira, 17 anos: vizinho de Thiago e Cleberson, executado com tiro na cabeça em frente de casa;
- Uelton de Souza Santos, 27 anos: executado dentro do carro, enquanto esperava mulher que tinha combinado de sair, na porta da casa dela;
- Thiago Pereira do Prado, 19 anos, e Cleberson Alves da Silva, 23 anos: assassinados na porta de casa, enquanto fumavam um cigarro de maconha;
- Walderico Pereira da Silva Junior, 25 anos: assassinado em uma distribuidora de bebidas. Motociclista mandou deitar no chão e atirou;
- Moacir Alves de Souza, 39 anos: morto na porta de casa;
- Eurimas Rodrigues de Souza, 38 anos, e Jonathan Pereira Queiroz, 24 anos: dois moradores de rua assassinados na mesma avenida.
A perícia realizada nos projéteis de arma de fogo encontrados em algumas vítimas comprovou a mesma autoria nas mortes de Uelton, Thiago, Cleberson, Walderico, Moacir e Jonathan. A polícia chegou a pedir novos exames e perícias ainda em 2018.
Investigação parada
Em 2019, a Polícia Civil informou que pediu medidas cautelares, mas o judiciário não havia julgado elas. Essas medidas podem ser coisas como interceptação telefônica, quebra de sigilo e até prisão temporária.
Um pedido de busca e apreensão foi protocolado no Judiciário pela Polícia Civil ainda em 2017, mas o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) informou que o caso é sigiloso. O Ministério Público de Goiás (MPGO) informou que esse pedido de busca e apreensão foi aceito judicialmente e cumprido pela Polícia Civil.
Atualmente, pelo menos parte do inquérito sobre a chacina é público e está digitalizado no site do TJGO.
Ainda assim, ao ser questionada sobre os fatos, a Polícia Civil falou que são investigados apenas quatro homicídios em três inquéritos, sendo que um já foi concluído. Informação essa que vai contra o que é descrito no próprio inquérito.
Inclusive, em 2019, a própria Polícia Civil confirmou que as nove mortes eram investigadas em um inquérito unificado.
O Metrópoles questionou novamente a Polícia Civil, mas não houve retorno até o momento, o espaço segue aberto. A investigação dessa chacina já passou por pelo menos quatro delegados.
Prazo para concluir
Após justificar o não andamento do inquérito pela falta de efetivo suficiente, a delegada Caroline Matos Barreto pediu um prazo adicional de 180 dias para concluir o caso. Em 9 de janeiro de 2023, o promotor Sergio Luís Delfim ratificou o ofício da Polícia Civil e o juiz Lourival Machado da Costa aceitou o pedido de mais prazo.
Em nota, o promotor Sérgio Luís Delfim listou as ocasiões em que foi pedido mais prazo para a conclusão das investigações e o Ministério Público de Goiás (MPGO) acatou. Além disso, o promotor escreveu que o inquérito citado na reportagem é exclusivo para a apuração do homicídio da vítima Walderico.
“Cabe à Polícia Civil, ao fim das investigações, apontar se realmente há relação entre as nove mortes e indicar as provas de autoria, para que o Ministério Público avalie a abordagem processual que o caso terá”, escreveu o promotor.
De fato, o inquérito foi cadastrado no site do TJGO apenas com o nome da vítima Walderico. No entanto, uma leitura da íntegra do processo revela que, na verdade, se trata da investigação de uma chacina.
Sobre os exames microbalísticos não concluídos, o MPGO disse que os exames que a autoridade julgou como pertinentes estão nos autos. Na verdade, há pedidos de exames que não estão nos autos. A reportagem voltou a questionar o MPGO e a reportagem segue com espaço aberto para explicações.
A reportagem também pediu uma posição da Polícia Militar de Goiás (PMGO), mas não houve retorno.