ONG de direitos humanos mostra alta em mortes cometidas por policias
Relatório da Human Rights Watch destaca crescimento de 26% no número de mortes em ações e fala em “abusos” e “execuções extrajudiciais”
atualizado
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O relatório mundial da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), que será divulgado nesta quinta-feira (18/1), destacará, em sua seção sobre o Brasil, o aumento no número de mortes cometidas por policiais no país. Em 2016, 4.224 pessoas morreram em ações policiais, número que poderá ser ainda maior em 2017, já que em estados como São Paulo e Rio de Janeiro os índices de violência dessa natureza continuaram subindo.
A 28.ª edição do relatório da HRW analisa práticas de direitos humanos em 90 países ao longo de 643 páginas. Sobre o Brasil, a organização fala que “abusos cometidos pela polícia, incluindo execuções extrajudiciais, contribuem para um ciclo de violência, que prejudica a segurança pública e coloca em risco a vida de policiais”. O aumento dessas ocorrências de 2015 para 2016 foi de 26,8%.
“A polícia no Brasil precisa desesperadamente da cooperação da comunidade para combater os elevados índices de criminalidade que afligem o país”, diz, em nota intitulada Violência policial continua sem freios, Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Mas enquanto alguns policiais agredirem e executarem pessoas impunemente, as comunidades não confiarão na polícia”.
A HRW acrescenta que as chamadas “execuções extrajudiciais” cometidas por “alguns policiais no Brasil colocam em risco a vida de outros policiais que ficam sujeitos à retaliação pelos violentos abusos dos colegas, e acabam por aumentar a violência durante confrontos com suspeitos”. Em 2016, 437 policiais foram mortos no Brasil, a grande maioria deles fora de serviço, de acordo com dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A organização reconhece que algumas das mortes por policiais resultam do uso legítimo da força, mas outras são execuções extrajudiciais. “A Human Rights Watch documentou dezenas de casos na última década nos quais havia evidência crível de uma execução extrajudicial ou um acobertamento que não foram devidamente investigados ou denunciados”, mostra o relatório.
Investigação
O ambulante Lucas Nogueira, de 23 anos, ainda aguarda informações da investigação policial sobre a morte do irmão Lucas Gabriel Nogueira de Souza, de 14 anos. No dia 5 de novembro do ano passado, um domingo, o garoto saiu de casa, no Parque João Ramalho, em Santo André, para comprar um pacote de bolachas. A Polícia Militar estava na região em busca de uma moto roubada e, em uma viela do bairro, disparou contra o que acreditava ser suspeitos.
Segundo a família, Luan passava pelo local para cumprimentar amigos quando foi atingido na nuca e morreu. No boletim de ocorrência, os policiais chegaram a dizer que houve troca de tiros, o que é negado por testemunhas. No local, uma arma foi apreendida. Os policiais foram afastados do serviço operacional e um inquérito foi instaurado pelo 2.º DP de Santo André para investigar o caso. “Estamos esperando informações, ficamos na expectativa e toda a comunidade está envolvida”, disse.
A mãe da vítima, a cozinheira Maria Medina, está afastada do trabalho temporariamente e recebe o apoio da família. “Nós não temos medo da polícia. Quando algum PM nos aborda e pergunta se tem passagem, digo que estou acompanhando o caso do meu irmão, morto pela falta de competência da polícia. A mim eles não intimidam”, diz Lucas.
Membro da Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe) o advogado Ariel de Castro Alves, que acompanha o caso, diz que a investigação ainda aguarda o resultado do exame de balística para confirmar a origem do disparo. “Desde o dia dos fatos isso ainda não foi providenciado. A polícia não dá nenhuma prioridade para casos em que policiais são os acusados. Pelo contrário, tentam procrastinar e acobertar”.
Ele lembrou que no caso do menino Arthur, morto por uma bala perdida durante uma festa de réveillon, o exame foi realizado em menos de 24 horas.
Alves diz que reconstituição realizada pelos investigadores demonstrou que o policial militar Alécio José de Souza foi o único a realizar disparos no local. Testemunhas relataram à polícia, segundo o advogado, que o PM Alécio entrou na viela já efetuando três tiros, um deles atingiu Luan. Ao Condepe, moradores relataram que há um mês PMs com frequência intimidam e ameaçam moradores, principalmente os jovens.
O relatório da HRW destaca ainda a lei sancionada em julho pelo presidente Michel Temer (MDB), após aprovação no Congresso, com a previsão de que integrantes das Forças Armadas envolvidos em mortes durante operações de Garantia da Lei e da Ordem serão julgados por tribunais militares, e não mais por tribunais civis. “De acordo com as normas internacionais, execuções extrajudiciais e outras violações graves de direitos humanos devem ser processadas e julgadas na Justiça comum”, lembra a ONG.
Prisões
Para a organização, os problemas no sistema de Justiça criminal brasileiro são “crônicos” e persistentes e, além da letalidade, cita as mortes decorrentes da briga entre facções criminosas no sistema penitenciário, que deixou mais de 120 vítimas no início de 2017. A HRW cita dados do relatório do Ministério da Justiça divulgado em dezembro do ano passado quantificando a população carcerária brasileira: 726 mil detentos.
“As prisões estavam extremamente superlotadas, com 197 por cento da capacidade – isto significa dois presos por vaga disponível. A superlotação e a falta de pessoal tornam impossível que as autoridades prisionais mantenham o controle de muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência”, diz a organização. “Os altos níveis de violência, frequentemente praticada por facções criminosas, atinge diversas cidades brasileiras”, acrescenta.
O relatório aponta ainda que os serviços de assistência jurídica e de saúde são deficientes em muitas prisões, e apenas um pequeno porcentual de presos tem acesso a oportunidades educacionais e de trabalho. “Os presos provisórios são frequentemente mantidos juntos com presos condenados, em violação aos padrões internacionais e à lei brasileira”.
O documento levanta ainda dados sobre a condição de apreensões de adolescentes, cobrando investigação e punição devidas a casos de maus-tratos. A HRW diz que a infraestrutura dos centros socioeducativos, em vez de promover a ressocialização e a educação, promove o isolamento e a punição.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse, em nota, que não “comenta estudos cuja metodologia desconhece”, mas afirmou desenvolver ações para reduzir a letalidade. “Toda a ocorrência é acompanhada, monitorada e analisada para constatar se a ação policial foi realmente legítima. Em 2017, o índice de criminosos que morreram após reação da polícia foi de 18%”.
A pasta disse que “todos os casos de mortes decorrentes de oposição à intervenção policial (MDOIP) são investigados por meio de inquérito e só são arquivados após minuciosa investigação, seguida da ratificação do Ministério Público e do Judiciário.”
Sobre a morte de Luan, a SSP disse que todas as circunstâncias estão sendo investigadas. “Os policiais envolvidos estão afastados do serviço operacional. Como é de praxe nesses casos, eles realizam trabalhos administrativos até a conclusão dos inquéritos policiais que estão em tramite pelo 2º DP de Santo André e pelo 10º BPM/M, com acompanhamento da Corregedoria”.
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança do Rio para comentar sobre o aumento nas estatísticas, mas a pasta não respondeu nesta quarta. O Ministério da Justiça também não se posicionou sobre o assunto.