PMs acusados de matar jovem no RS zombam pelo zap: “Culpa do gordinho”
Causa da morte foi hemorragia interna, segundo conclusão da perícia feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Caso ocorreu no RS
atualizado
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Mensagens trocadas entre os três policiais acusados de matar o jovem Gabriel Marques Carvalheiro, 18, no Rio Grande do Sul, durante abordagem, mostram os agentes ironizando o caso. Os diálogos foram obtidos e divulgados pela RBS TV na quarta-feira (31/8).
O crime ocorreu em São Gabriel, na fronteira oeste do estado. A causa da morte foi hemorragia interna, segundo conclusão da perícia feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
O rapaz foi encontrado morto em 19 de agosto em um açude no interior do município. Ele estava desaparecido havia uma semana. De acordo com as investigações, no dia 12, policias abordaram Gabriel e, depois disso, o rapaz desapareceu.
O primeiro registro de troca de mensagens é de 13 de agosto, dia seguinte ao desaparecimento. O soldado Cléber Renato Ramos de Lima envia uma publicação de rede social sobre o desaparecimento ao sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen.
O sargento responde: “Culpa do gordinho…. com a barriga cheia de bauru”, escreveu, se referindo ao soldado Raul Veras Pedroso que, de acordo com testemunhas, foi o responsável por dar um tapa, algemar e golpear Gabriel com um cassetete.
Em outro registro, os soldados Pedroso e de Lima conversam em tom de preocupação com o caso. “Chegou a comentar? Não comentei com ninguém. Tomara que não dê ladaia isso aí”, disse. “Eu não [comentei com ninguém]”, responde De Lima. Os agentes chegam a afirmar que Gabriel “não estava em 30”, jargão para óbito.
- Soldado Pedroso, às 22:12:13: Ele tava bem de boas
- Soldado Pedroso, às 22:12:16: Não tava em 30
- Soldado Pedroso, às 22:12:26: E se tivisse (tivesse)
- Soldado Pedroso, às 22:12:29: Já tinham visto
- Soldado Pedroso, às 22:12:36: Ali cruza carro direto
- Soldado de Lima, às 22:12:38: Sim no meio da rua
- Soldado Pedroso, às 22:12:44: Sim
- Soldado de Lima, às 22:13:01: Só se saiu e morreu de frio
- Soldado Pedroso, às 22:13:10: Só se for
- Soldado Pedroso, às 22:13:17: Mas acho que não
- Soldado Pedroso, às 22:13:29: Ia seguir a estrada
- Soldado Pedroso, às 22:13:39: Não ia largar pelos campo
- Soldado de Lima, às 22:14:03: Ou se atiro no açude ali perto haha
- Soldado Pedroso, às 22:14:12: Puta merda
- Soldado Pedroso, às 22:14:15: Nem brinca
- Soldado Pedroso, às 22:14:18: Tá loco
- Soldado Pedroso, às 22:14:29: emojis sorrindo
- Soldado de Lima, às 22:15:51: envia foto de uma garrafa de cerveja e de um espeto de churrasco
- Soldado Pedroso, às 22:16:01: emojis sorrindo
- Soldado Pedroso, às 22:17:53: Vamo aguarda(r) os próximos capítulos dessa novela
- Soldado de Lima, às 22:23:40: Relaxa come um X.
14 e 15 de agosto
No dia seguinte, Pedroso e Jacobsen trocam mensagens para marcar um encontro na casa do sargento. Pedroso também troca mensagens com De Lima, avisando que recebeu uma ligação do quartel.
O agente foi informado de que alguém viu Gabriel entrando na viatura, e que a Polícia Civil já sabe do caso. “Alguém viu o ‘loco’ entrando na VTR. A Civil já sabe. Ligaram pra QTL (quartel) para saber se era verdade”, disse Pedroso.
O soldado também afirma que ouviu rumores de que Gabriel estaria em um bairro das proximidades. Ele e De Lima combinam versões sobre o crime.
“E só falar aqui ali que foi o que aconteceu da carona. E já era. Dá um gás hoje. Vê se acha esse ‘loco'”, escreveu. “Tem que aparecer, de preferência vivo”, respondeu De Lima. No dia seguinte, 15 de agosto, os agentes Pedroso e Jacobsen marcam um segundo encontro presencial.
16 e 17 de agosto
Na terça-feira, 16 de agosto, o sargento Jacobsen avisa ao soldado Pedroso que um morador tem imagens de Gabriel entrando na viatura. Ele passa nome, telefone e endereço do homem e diz que “ele cede as imagens”.
No dia seguinte, 17 de agosto, o soldado Pedroso acompanha as buscas do Corpo de Bombeiros pelo corpo de Gabriel. Ele e o sargento Jacobsen combinam de manter a versão sobre a carona, e afirmam precisar falar com uma advogada, identificada como Vanea.
- Soldado Pedroso, às 12:28:03: Na rádio diz que já acharam a jaqueta
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:30:32: Perto da barragem??
- Soldado Pedroso, às 12:30:49: Não sei, só ouvi que acharam a jaqueta
- Soldado Pedroso, às 12:31:06: E que os cachorros deram sinal em direção a barragem
- Soldado Pedroso, às 12:31:23: Bombeiros estão na água
- Soldado Pedroso, às 12:31:27: Fazendo buscas
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:31:49: Ok
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:44:11: Advogada chegou aqui já dizendo que tinham encontrado um corpo…
- Soldado Pedroso, às 12:44:40: A advogada deles
- Soldado Pedroso, às 12:44:41: ?
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:44:44: Acredita numa coisa dessas…
- Soldado Pedroso, às 12:44:56: Que loucura
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:44:58: A nossa…
- Soldado Pedroso, às 12:45:09: Foi ai
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:45:13: A hora que veio trazer a procuração…
- Soldado Pedroso, às 12:45:32: E agora
- Soldado Pedroso, às 12:45:38: ??
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:46:10: Era em torno de meio dia …
- Soldado Pedroso, às 12:46:41: Pois é já tão falando que acharam nos grupos
- Soldado Pedroso, às 12:46:53: Temos que ligar pra Vanea
- Soldado Pedroso, às 12:47:02: Temos que se mecher (mexer)
- Soldado Pedroso, às 12:47:10: Mas precisamos pensar junto
- agora
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:48:43: Sim…
- Segundo-sargento Jacobsen, às 12:49:13: Como foi nosso depoimento… não fizemos nada…
Prisão
No dia 19 de agosto, os três policiais foram presos. Testemunhas contaram que Gabriel foi agredido pelos três policiais. Ele teria levado pelo menos dois ou três golpes de cassetete e não estaria se mexendo quando foi colocado na viatura.
Em coletiva de imprensa, o delegado Fábio Motta Lopes, chefe da Polícia Civil, diz que o laudo confirma o que as testemunhas contaram. Além disso, reforça os indícios colhidos pela polícia e que levaram à prisão preventiva os policiais por suspeita de homicídio duplamente qualificado.
A Brigada Militar entregou à Justiça Militar o relatório da investigação interna. O Ministério Público avalia os inquéritos e deve oferecer a denúncia a Justiça.