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Plano federal contempla lares só para 0,34% da população de rua

Entidades que representam esse público alegam que projeto falha em ações para tirar pessoas das calçadas

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Duas pessoas segurando agasalhos em pé
1 de 1 Duas pessoas segurando agasalhos em pé - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Lançada em dezembro do ano passado, a principal proposta do governo federal para atacar o crescente problema dos moradores de rua no Brasil, o projeto Ruas Visíveis, prevê gastos iniciais e confirmados de R$ 3,7 milhões para a área de habitação em 2024.

O programa é comandado pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e foi um dos últimos atos do governo em 2023. As demais pastas entram como parceiras na iniciativa, oferecendo seu cardápio de projetos próprios e aportando recursos.

O anúncio levou representantes de entidades de moradores de rua ao Palácio do Planalto e foi acompanhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela primeira-dama, Rosângela Lula da Silva. Também estava presente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O magistrado, em julho do ano passado, determinou que o governo apresentasse um plano para a questão em 120 dias.

Segundo a apostila que detalha a ação, apenas uma estratégia habitacional tem previsão orçamentária confirmada: um projeto piloto do Moradia Cidadã. Devem ser oferecidas 150 moradias em três cidades, sendo 50 em cada município escolhido — no caderno, não há a definição desses locais. Esse programa prevê moradias transitórias em imóveis alugados, com a oferta de serviços de assistência social e de aaúde.

Individualmente, índice seria de 0,07%

Considerando a estimativa presente no documento de apresentação, a de que há no país 221 mil pessoas morando nas ruas, o Ruas Invisíveis deve beneficiar 0,34% do público, segundo as cifras disponíveis e autorizadas. Isso na análise mais otimista, levando em conta que cinco pessoas habitariam o mesmo espaço, em um contexto familiar. Se a conta for feita para moradores de rua individualmente, o índice cai para 0,07%.

A estimativa de 221 mil pessoas morando em calçadas e praças é feita com base nas inscrições do chamado Cadastro Único dos programas sociais. Nas ruas, no entanto, nem todo mundo tem esse registro. Especialistas ouvidos calculam que 0 universo de gente que precisa ser atendido pelas autoridades deve ser maior.

O plano cita outras iniciativas dentro do ramo habitacional, como uma negociação em curso para que essa população seja beneficiada pelo Minha Casa Minha Vida, tocado pelo Ministério das Cidades. No documento, no entanto, ainda não estão previstos investimentos nessa iniciativa, pois as normas e definições dessa ação estão sendo elaboradas — e não se sabe se moradores de rua serão contemplados neste ano.

O Ministério dos Direitos Humanos explica que uma portaria deve ser publicada para regulamentar a priorização do acesso a esse público no Minha Casa Minha Vida, quando “será possível quantificar e estimar o número de beneficiários”. A pasta das Cidades alega que “está trabalhando na edição de ato normativo específico que irá regulamentar a priorização desse grupo no âmbito da seleção dos beneficiários dos referidos empreendimentos”, mas sem destacar uma data para isso acontecer.

Enquanto há recursos escassos para moradia, o que garantiria a saída dessas pessoas das calçadas, há altos investimentos programados para itens como assistência social e saúde. Dos cerca de R$ 1 bilhão confirmados para o Ruas Visíveis, cerca de R$ 879 milhões (87%) são para essas duas áreas, vistas por especialistas ouvidos como essenciais, mas que não formam um caminho para o público deixar as ruas.

Entidades criticam

No começo do mês, uma carta aberta das entidades da sociedade civil que formam o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (Ciamp Rua) — que mescla membros do governo e das entidades do setor — elencou os problemas que vê na atuação do Ministério dos Direitos Humanos.

Entre eles cita o investimento de apenas R$ 3 milhões para implementação do programa para moradia, “fundamental nesse processo de saída das ruas.” Segundo Joana da Cruz, coordenadora nacional do movimento de população de rua, o plano lançado falha ao não priorizar investimentos para habitação.

“O Plano traz esse peso, um peso de não ter estratégias claras para tirar as pessoas das ruas. É muito pautado na assistência social”, argumenta. “Há uma mentalidade atrasada de que as pessoas precisam de sopa e consultório médico. A centralidade da política deveria ser a garantia da moradia transitória ou permanente.”

Diálogo limitado

Na carta dos entes da sociedade civil, há o relato ainda de que foram identificadas “dificuldades e problemas estruturais que impactaram na participação e nos encaminhamentos propostos pelo colegiado”. O documento acrescenta que o Rua Visíveis “não corresponde às propostas apresentadas pelo Ciamp Rua.”

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Barracos são construídos em áreas nobres também
Pessoas em situação de rua
Perfil de pessoas em situação de rua é misto
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Barraco é erguido em túnel da W3

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Cruz reclama que as entidades teriam sido chamadas tarde para participar do processo de criação do plano. E que o projeto não contemplou várias reivindicações dos movimentos sociais do setor. “Não dá para dizer que a gente atuou na construção do plano. Foram duas ou três reuniões.”

Versão do governo

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) informou que “a concepção de que o plano prioriza ações que fazem com que os moradores de rua permaneçam nessa situação demonstra, no mínimo, desconhecimento sobre o Plano e o alcance das ações envolvidas”.

O órgão reforçou que a iniciativa “prevê 99 ações organizadas em sete eixos, a saber: Assistência social e Segurança Alimentar; Saúde; Violência institucional; Cidadania, Educação e Cultura; Habitação; Trabalho e renda; e Produção e gestão de dados”. Na avaliação da pasta, “todos os eixos propõem ações com o objetivo de contribuir para a superação da situação de rua.”

O ministério detalha que os recursos previstos ainda poderão ser acrescidos de emendas parlamentares, apesar de não ter informado esse valor. O órgão argumenta ainda que, em julho de 2023, o programa Minha Casa Minha Vida foi atualizado e aprimorado, passando a prever prioridade de atendimento para pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social, com menção específica à população em situação de rua. Segundo o órgão, há previsão orçamentária para o ano de 2024.

A pasta destacou que o Plano Ruas Visíveis prevê a destinação de imóveis no âmbito do Programa de Democratização de Imóveis da União para políticas de provisão habitacional que atendam à população em situação de rua. Mas não há, no caderno do projeto, orçamento previsto para essa ação para 2024. O ministério esclarece que, a partir da regulamentação da estratégia, será possível quantificar e estimar o número de beneficiários.

Projeto piloto

O órgão afirmou que o Moradia Cidadã é um projeto-piloto, para identificar as potencialidades e os desafios da implementação em larga escala dessa metodologia, considerada a heterogeneidade da população em situação de rua e as especificidades da realidade brasileira.

O Ministério das Cidades ressaltou que as famílias em situação de rua são público prioritário no novo programa Minha Casa Minha Vida em empreendimentos operacionalizados com recursos subsidiados, sejam do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), sejam do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) ou sejam do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).

E que, atualmente, o Ministério das Cidades está trabalhando na edição de ato normativo específico que vai regulamentar a priorização desse grupo no âmbito da seleção dos beneficiários dos referidos empreendimentos.

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