Plano de vacinação de São Paulo exclui 16 mil assistentes sociais da linha de frente
O serviço de assistência social foi incluído como essencial no início da pandemia, mas está de fora dos planos prioritários de vacinação
atualizado
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São Paulo – Mais de 16 mil funcionários de assistência social ficaram de fora da lista de prioridades da vacinação contra Covid-19 na cidade de São Paulo. O plano de vacinação do governo federal, divulgado em dezembro de 2020, incluiu profissionais da linha de frente, como médicos, enfermeiros e cuidadores de idosos, mas excluiu, por exemplo, trabalhadores que atuam nas ruas e centros de acolhida no apoio a pessoas pertencentes a grupos de risco e vulneráveis.
O prefeito Bruno Covas (PSDB) decretou em 16 de março de 2020 que a assistência social era um serviço essencial no combate à pandemia. No entanto, a não inclusão dessa categoria de servidores trouxe um misto de revolta e frustração. É o que diz a coordenadora do Fórum de Assistência Social (FAS), Regina Paixão.
Para ela, as esferas municipal, estadual e federal erraram em deixar esses funcionários de fora. Regina relata que desde o início da quarentena tem visto um ambiente insalubre de trabalho. Faltam equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras de proteção, luvas e álcool em gel, que são supridos com o dinheiro de vaquinhas ou doações.
“A sensação que tenho é de desvalorização, desrespeito e desprestígio. Com todo respeito aos colegas de todas as áreas, mas nós estamos na linha de frente porque evitamos que muitos casos fossem para a Saúde. Temos feito um trabalho de conscientização nas ruas sobre a importância do uso da máscara e do álcool em gel para pessoas socialmente vulneráveis”, ela diz.
Na última quarta-feira (27/1), a Prefeitura de São Paulo ampliou a campanha de imunização com novos profissionais da saúde após o recebimento de 165 mil doses da vacina da Oxford/AstraZeneca. Todavia, os servidores da assistência social não foram contemplados nessa decisão.
De acordo com Regina, o diálogo com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) não vai para frente. A coordenadora critica a falta de dados oficiais de profissionais contaminados pelo coronavírus.
O risco de contaminação nas ruas
Os assistentes sociais lidam, por exemplo, com a população em situação de rua – grupo que foi incluído na lista de prioridade. O orientador social do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) Paulo José* tem trabalhado diretamente com esse público desde o início da pandemia. Ele tem feito o transporte de pessoas com suspeita ou casos confirmados da doença a hospitais pela cidade, entre outras funções.
José conta ter tido suspeita de Covid-19 três vezes, mas não chegou a fazer nenhum teste pela secretaria. Em uma das ocasiões, chegou a comprar o material com dinheiro do próprio bolso. Um orientador social, ele afirma, faz um trabalho humanizado que requer o contato físico e maior aproximação com a pessoa em situação de rua. Não é sempre que esses sem-teto têm equipamento de proteção adequado ou higienizado.
“Os governos não entendem que somos linha de frente, mas é contraditório, porque lá atrás fomos considerados serviço essencial. Nós não pedimos para furar a fila da prioridade, só queremos ter direito de sermos vacinados. Diariamente, corremos risco de levar o vírus para dentro de casa ou para o trabalho”, lamenta.
Sem vacina + contato com crianças
O calendário de volta às aulas previsto para fevereiro preocupa também quem trabalha com crianças e adolescentes vulneráveis. Além das escolas, as unidades dos Centro para Crianças e Adolescentes (CCA), Centro para Juventude (CJ) e Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo (Cedesp) passarão a funcionar com 35% da capacidade. No entanto, essa inquietação pode ser prorrogada com a suspensão das aulas pela Justiça no estado.
Elizete* trabalha em um CCA localizado em um bairro da periferia da capital paulista. A preocupação do retorno se dá justamente pelo maior contato com usuários e a impossibilidade de imunização neste momento. O centro oferece refeições e atividades socioeducativas para crianças de 6 a 17 anos. De outubro a dezembro, o local recebeu 20% do total, mas poucas pessoas apareceram.
Ela conta que os colegas de trabalho estão com o “emocional abalado” desde então. Entretanto, o problema seria menor se os assistentes sociais tivessem direito à vacina neste momento.
“Nos traria um pouco mais de segurança e com certeza trabalharíamos melhor. Nós estamos em situação de risco, profissionais já se afastaram porque tiveram sintomas, o quadro foi reduzido. Vamos ter que brigar para receber a vacina”, ressalta.
Dessa forma, Regina Paixão tem articulado contato com os gabinetes do PT e PSol na Câmara Municipal, pois, de acordo com ela, estão “mais sensíveis” a essa questão. O objetivo é realizar uma reunião presencial ou on-line para o FAS detalhar a importância da urgência da vacinação. A tentativa de uma reunião com o prefeito Bruno Covas também está nos planos do grupo.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura e o governo de São Paulo, que não comentaram a situação. A reportagem também pediu um posicionamento do Ministério da Saúde, contudo, não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta matéria.
*A pedido dos entrevistados, a reportagem usou nomes fictícios para preservar suas respectivas identidades.