Plano de segurança não abarca cidades onde ocorrem 70% dos homicídios
Projeto do governo Temer prioriza as ocorrências localizadas nas 27 capitais do país, responsáveis por 30% dos casos de morte violenta
atualizado
Compartilhar notícia
Sete em cada dez homicídios registrados no país anualmente aconteceram em cidades que não receberão qualquer reforço do Plano Nacional de Segurança, iniciativa do Ministério da Justiça para tentar diminuir o número de assassinatos. A ajuda federal deverá priorizar as ocorrências nas 27 capitais, que somam cerca de 30% dos casos totais. Algumas delas, no entanto, nem sequer estão entre as cem com maior número de casos, como Boa Vista, Florianópolis e Palmas.
Neste mês, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, divulgou as primeiras informações sobre a elaboração do plano, que deve ser lançado oficialmente no início de dezembro. Ele antecipou que Natal, Porto Alegre e Aracaju devem receber as primeiras equipes da Força Nacional de Segurança; essa é a tropa que deverá encabeçar as atividades de prevenção e de investigação de homicídios com núcleos nas cidades.
Decisão
Na outra ponta, o plano não menciona reforço para cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São Gonçalo, no Rio, Ananindeua, no Pará, Feira de Santana, na Bahia, e Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Todas essas cidades têm um número absoluto maior de assassinatos do que ao menos oito capitais. Se levada em consideração a taxa de mortes por arma de fogo por 100 mil habitantes em 2014, as únicas capitais a figurarem entre as 30 mais violentas são Fortaleza (75,3) e Maceió (77,2).
A decisão de priorizar apenas as 27 capitais foi tomada durante a gestão de Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça. No Pacto Nacional Pela Redução de Homicídios, plano similar que estava sendo desenvolvido pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, a ideia era abranger 81 municípios, que concentram 50% dos casos no País.
Migração
Responsável pela elaboração do Mapa da Violência, o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz fez ponderações à decisão de começar pelas capitais. Segundo ele, nos últimos dez anos, a criminalidade tem migrado das regiões metropolitanas para novos polos de desenvolvimento econômico, onde tem encontrado menor resistência das forças de segurança.
“Há um processo de vascularização, e a violência chegou a polos até então ‘virgens’, como Ananindeua, no Pará, e Arapiraca, em Alagoas. Isso, em tese, demandaria uma política simultânea para evitar que o reforço das capitais só sirva para intensificar ainda mais o problema.”
Com a mudança na última década, sustentou Waiselfisz, pequenas cidades se viram na obrigação de modernizar seus aparelhos de segurança. “Nesses locais, a segurança correspondia a outra época, à época onde malandro tinha nome, sobrenome e endereço certo. Agora, tem de lidar com grandes organizações criminosas, e as polícias desses novos locais não estão preparadas”, afirmou
Ação
O pesquisador, apesar disso, elogia a iniciativa diante do cenário de violência e a necessidade de articulação nacional para combatê-lo, mas tem dúvidas sobre a capacidade de financiamento. “O problema é se haverá recursos para se implementar e tornar viável essa política.”
O professor da Universidade do Estado do Rio (UERJ) Ignacio Cano pede ações, além de investigação policial dos crimes. Ele fala em controlar a circulação de armas de fogo, de programas de prevenção para a juventude que habita regiões periféricas das cidades e o fortalecimento de programas de proteção a pessoas ameaçadas.
“Está claro que a escolha pelo endurecimento de pena não funciona porque tentamos isso a vida toda e estamos nesse ponto. É uma ilusão que a gente continua mantendo”, disse. O ministério não respondeu a perguntas sobre critérios para a escolha das cidades.