PL contra o casamento homoafetivo inspira pressa e coragem em noivos
Noivos LGBTQIA+ relatam apreensão, mas seguem seus planos de união e desejam ser exemplo para outros casais
atualizado
Compartilhar notícia
Medo, revolta, estresse, ansiedade e busca por forças. Essas são algumas das reações descritas por pessoas LGBTQIA+ após a aprovação do Projeto de Lei (PL) 580/2007, que proíbe o casamento homoafetivo, em comissão na Câmara dos Deputados em outubro. Para se tornar lei, a proposta ainda tem um longo caminho para percorrer, mas já causa apreensão entre aqueles que são diretamente atingidos por ela.
Apesar de a proposição poder ser barrada em demais comissões no Senado, e também pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o tema ainda preocupa a comunidade e afeta quem pretende se casar. Mas valeria a pena acelerar o processo para constituir a união?
Noiva desde setembro, Carla Gonçalves, 32 anos, planeja antecipar o casamento com Lidiane Bernardes, 26. As professoras de educação física residem em Gravataí (RS) e estão juntas há mais de dois anos.
Carla ressalta que não acredita na sanção da lei, mas, mesmo assim, deseja se casar em breve. “Embora seja inconstitucional, ficamos chateadas em saber que ainda tentam acabar com esse direito”, afirma. O sentimento do casal é de “aflição por cogitarem levar adiante um retrocesso”.
“Esse amor que a gente sente uma pela outra é tão grande que apenas isso deveria ser importante: o respeito, a admiração e a cumplicidade”.
Carla Gonçalves
Sem medo
Gerente de marketing, Breno Fajardo, 42 anos, mantém o cronograma para oficializar a união com o servidor público Eric Rodrigues, 33, no fim do ano. “Não me botou medo. Seguimos com nossos planos para dezembro. Não tenho nada a esconder ou ter receio”, contou. O casal vive em Brasília e noivou em 2021.
A preocupação de Breno não é tanto com o projeto de lei, mas como a sua aprovação demonstra um “atraso dos nossos representantes e de muitos de seus eleitores. É algo que me decepciona e diminui minha fé na humanidade”.
O gerente de marketing disse ter se impressionado com a articulação dos parlamentares conservadores para votar o texto: “Se deu por uma manobra, cheia de subterfúgio, então não esperava que ocorresse tão rápido”.
Breno acredita que o projeto não avançará no Congresso e citou ainda a possível pressão de outros países, com relações diplomáticas e comerciais importantes, contra “esse retrocesso nos direitos civis”.
“Mais e mais casais homossexuais devem formalizar suas relações, aumentando nossa visibilidade e normalizando na sociedade. Também é sobre representatividade, afinal”.
Breno Fajardo
“Foi um gatilho”
O coordenador de comunicação Ricardo Padilha, 38 anos, e o médico Odvaldo Segundo, 33, oficializaram a relação em 30 de setembro. A conversa sobre a proibição do casamento homoafetivo já acontecia e preocupava o casal, que mora em Rio Verde (GO) e está junto há dois anos.
“Eu e meu marido ficamos nervosos, foi um gatilho para a gente”, disse Ricardo. Eles mantiveram a data da cerimônia, apesar do “impacto mental” e apreensão.
Ricardo e Odvaldo estavam em viagem de lua de mel quando viram a aprovação do projeto na comissão: “Ficamos muito tristes e abalados. A nossa tarde deu uma esfriada. Desnorteia a ideia de tudo que está sendo construído e já conquistamos juntos”.
O casamento, segundo Ricardo, envolve muitas facetas, desde o amor e a celebração da vida, até questões burocráticas, como a compra em conjunto de uma casa, planos de saúde e entrada em hospitais, possibilidade de ter filhos e demais sonhos para o futuro.
“Viver isso publicamente pode ajudar outras pessoas a verem que ter um relacionamento, constituir família, e somar duas vidas é positivo e um ato político”.
Ricardo Padilha
O que diz o PL?
O PL 580/2007, originalmente, previa assegurar a união entre “duas pessoas do mesmo sexo” e teve autoria do ex-deputado Clodovil Hernandes. A proposição ficou parada por 16 anos e, nesse tempo, outras propostas com o mesmo tema, mas não necessariamente a mesma finalidade, foram apensadas, ou seja, vinculadas.
Dessa forma, chegou na votação da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família um bloco de projetos a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo biológico, sob o código do documento de Clodovil. O texto aprovado, com 12 votos favoráveis e cinco contra, é de autoria do ex-deputado Capitão Assumção e está registrado como PL 5167/2009.
Com versículos bíblicos, Assumção argumentou que “aprovar o casamento homossexual é negar a maneira pela qual todos os homens nascem neste mundo e, também, é atentar contra a existência da própria espécie humana”.
O texto foi escrito em 2009. Dois anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o casamento homoafetivo ao mudar o entendimento do Código Civil da composição de um casal, antes descrito apenas como um homem e uma mulher. A partir dessa decisão, os casais de mesmo sexo puderam constituir união com os mesmos direitos de uma união entre pessoas do sexo masculino e feminino.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que os cartórios não podem se negar a casar pessoas LGBTQIA+. Desde então, não houve avanço legislativo no tema do casamento homoafetivo.
Como seria a aprovação?
Para se tornar lei, a proposta ainda deverá ser apreciada em outras duas comissões da Câmara: a de Direitos Humanos, e de Constituição e Justiça, além de análise no Senado.
Se for aprovado no Congresso, o presidente Lula poderá sancionar ou não o projeto de lei. Defensores de direitos humanos e parlamentares alinhados à esquerda apostam no descarte do projeto de lei já na Comissão dos Direitos Humanos.