PF: “Miller é corrupto e seu antigo cargo não pode ser manto protetor”
A corporação atribui ao ex-procurador o crime de corrupção passiva por atuar pela J&F enquanto trabalhava na Procuradoria-Geral da República
atualizado
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A Polícia Federal atribui crime de corrupção passiva ao ex-procurador da República Marcelo Miller em troca de garantir ao grupo J&F, controlador da JBS, “as melhores condições possíveis” no acordo de delação premiada fechado com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A corporação também o aponta como assessor dos irmãos Joesley e Wesley Batista na condução do procedimento de leniência com os Estados Unidos.
Miller atuou durante três anos no gabinete do procurador-geral da República Rodrigo Janot e, nessa condição, teria intercedido em favor da JBS.
As suspeitas sobre a conduta de Miller constam de relatório de 84 páginas da PF no âmbito da Operação Acerto de Contas, desdobramento da Tendão de Aquiles — investigação sobre uso de informações privilegiadas pelos irmãos JBS de sua própria delação premiada no mercado financeiro para auferir lucros excepcionais da noite para o dia.O relatório é subscrito por quatro delegados da PF, todos experientes em ações de combate a crimes financeiros e corrupção — Victor Hugo Rodrigues Alves, Melissa Maximino Pastor, Edson Garutti e Karina Murakami Souza.
Nesta quarta-feira (13/9), a PF deflagrou Acerto de Contas e prendeu preventivamente Wesley Batista, amparada em ordem do juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo.
O magistrado também decretou a prisão de Joesley, que já estava recolhido em regime temporário em Brasília, mas por força de outra apuração, sobre suposta violação do acordo de delação que ele e Wesley fecharam com a PGR.
A PF chegou a pedir autorização para buscas na residência de Miller e argumentou que “seu antigo cargo não pode servir de manto protetor de práticas criminosas”.
“Diante da dificuldade probatória que se reveste o crime de corrupção, faz-se ainda mais necessária a autorização de cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de Marcelo Miller. Apesar de não mais exercer a função pública, seu antigo cargo não pode servir de manto protetor de práticas criminosas”, assinalou a PF.
No entanto, o juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal Federal, que deflagrou a Operação Acerto de Contas, não autorizou a missão na casa do ex-procurador.
O nome de Miller surgiu “fortuitamente”, na apreensão do celular de Wesley, em maio, na deflagração da quarta etapa de uma outra operação, a Lama Asfáltica, que investiga desvios de recursos federais em obras do governo de Mato Grosso do Sul.
No grupo de WhatsApp de Wesley, os investigadores resgataram “orientações” do então procurador aos executivos da JBS.
A PF afirma que os irmãos JBS “cooptaram” Miller quando ele ainda exercia o cargo de procurador federal. Ele teria sido corrompido por meio do “recebimento de vantagem ilícita ou promessa de vantagem”. A corporação acrescenta que “foram coletados indícios de que Joesley e Wesley cooptaram um agente público para lograr êxito numa colaboração premiada que lhes garantiu imunidade”.
“Trata-se de um fato criminoso gravíssimo que juntamente com os indícios de autoria e materialidade dos delitos de insider trading constituem o fundamento do pedido de prisão preventiva desses investigados. Assim, apesar de os crimes de corrupção ativa e passiva serem independentes e distintos, considerando que não são o objeto principal desses autos, trataremos como um único fato criminoso.”
Os investigadores lembram que o caso JBS já levou à prisão um procurador da República, Ângelo Goulart, que supostamente recebia mesada de R$ 50 mil dos delatores da JBS para atuar como “infiltrado” no Ministério Público Federal (MPF) e passar a eles informações sensíveis de investigações sobre o grupo empresarial.
“É de conhecimento público que os investigados já cooptaram um procurador da República, Ângelo Goulart Vilela, que supostamente mediante corrupção teria repassado informações sigilosas acerca de investigações envolvendo-os”, segue o relatório da PF.
O relatório indica que a suposta parceria entre a JBS e Miller se deu no momento crucial do acordo com a Procuradoria-Geral da República e faz referência expressa ao depoimento do diretor jurídico do grupo, Francisco de Assis e Silva.
“Antes de adentramos nas provas que remetem à participação indireta de Marcelo Miller nas negociações da colaboração premiada, importa registrar o que afirmou Francisco de Assis e Silva quando inquirido sobre em que momento das negociações houve a sinalização do benefício de não oferecimento da denúncia”.
Assis e Silva fez referência à Ação Controlada, da Polícia Federal, com base na delação da JBS – os agentes filmaram o ex-assessor especial do presidente Michel Temer (PMDB-SP) pegando uma mala com 10 mil notas de R$ 50, um total de R$ 500 mil em propina supostamente paga pelo grupo. O destinatário seria o próprio presidente.
O relatório informa, ainda, que o diretor jurídico declarou: “Marcello Miller integrou a sociedade do escritório de advocacia Trench, Rossi, Watanabe Baker & Makenzie, que já prestava serviços para o grupo J&F, tanto no Brasil como no exterior em diversos outros casos.”
A PF registra que, segundo Portaria 282 de 4 de março, Miller requereu sua exoneração, “ao que houve publicação com efeitos a partir de 5 de abril”. “Há informações de que Marcelo Miller efetivamente trabalhou na PGR com sede no Rio de Janeiro até 4 de abril.”
O outro lado
A defesa de Marcelo Miller se manifestou por meio de nota. Leia a íntegra:
Nota à imprensa
Marcello Miller esclarece que:
1) Repudia veementemente as insinuações e ilações feitas com base no conteúdo das gravações e mensagens divulgadas na imprensa. A defesa está esclarecendo o sentido e o contexto a todas as referências ao nome de Miller.
2) Reitera ainda que jamais fez jogo duplo e que não tinha contato com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem se aproveitou de informações sigilosas de que teve conhecimento enquanto procurador. Ele também não atuou na Operação Lava Jato desde outubro de 2016 , na Operação Greenfield ou na Procuradoria da República no DF.
3) Não atuou em investigações ou processos relativos ao Grupo J&F nem buscou dados ou informações nos bancos de dados do Ministério Público Federal.
4) Pediu exoneração em 23/2/2017, tendo essa informação circulado imediatamente no MPF.
5) Não obstruiu investigações de qualquer espécie, nem alegou ou sugeriu poder influenciar qualquer membro do MPF.
6) Tem uma carreira de quase 20 anos de total retidão e compromisso com o interesse público e as instituições nas quais trabalhou.