PF aponta indícios de corrupção e favorecimento de construtora no TCU
O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, e outro ministro da Corte integrariam esquema de corrupção
atualizado
Compartilhar notícia
A Polícia Federal apontou indícios de que o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, e o também ministro da Corte Aroldo Cedraz fariam parte de um esquema de corrupção para favorecer a empreiteira UTC em um processo relacionado às obras da usina de Angra 3 no tribunal.
Em relatório conclusivo sobre a investigação, a delegada Graziela Machado da Costa e Silva sustenta que as provas colhidas corroboram declarações de cinco delatores da Operação Lava Jato. Eles mencionaram pagamento ao advogado Tiago Cedraz, filho de Aroldo Cedraz, para que conseguisse influenciar o julgamento do caso.
O inquérito da PF lista documentos e mensagens que indicariam a atuação de Tiago em suposto tráfico de influência perante ministros do tribunal entre 2012 e 2014. Para a PF, não havia diferença entre as atividades de Aroldo Cedraz e Tiago, que se valeria “do poder do pai e das suas relações no TCU” para viabilizar interesses.
As conclusões foram enviadas à Procuradoria-Geral da República, que decidirá sobre eventual denúncia contra Carreiro, Aroldo e Tiago Cedraz.
O inquérito sobre corrupção no TCU foi instaurado em 2015, depois que o acionista da UTC, Ricardo Pessoa, que fez delação, declarou que fazia pagamentos a Tiago para obter informações privilegiadas da corte. Ele e Walmir Pinheiro, ex-diretor financeiro da empreiteira, também colaborador, relataram que o advogado teria pedido R$ 1 milhão para conseguir que o TCU liberasse, em 2012, a licitação para a montagem eletromecânica da usina.
Com a decisão, o contrato foi assinado em 2014, ano em que o montante teria sido repassado, em espécie, ao advogado, segundo os relatos. Os delatores Luiz Carlos Martins, da Camargo Corrêa, Gustavo Botelho, da Andrade Gutierrez, e Henrique Pessoa Mendes, da Odebrecht, disseram que a operação para “comprar” votos no TCU foi discutida em reuniões entre representantes das empreiteiras do consórcio que venceu as obras. Este último admitiu a que a Odebrecht contratou uma sobrinha de Carreiro como “agrado” ao ministro.
Ligações
A quebra de sigilos dos investigados mostrou que, de 2012 a 2014, houve 14.321 ligações entre telefones vinculados a Tiago e seu escritório e terminais do pai e de seu gabinete. No caso de Carreiro e equipe, a PF cita “centenas” de ligações. O aparelho registrado em nome do assessor Maurício Lockis, que teria elaborado o voto de Carreiro favorável à UTC, foi o que mais recebeu contatos (271), sendo 112 em 2012, ano do julgamento.
De 2012 a 2014, houve ainda 75 contatos feitos entre aparelhos atribuídos a Carreiro e de Luciano Araújo, apontado como emissário de Tiago para buscar dinheiro na UTC. Araújo é primo de Tiago e tesoureiro do partido Solidariedade. Conforme a PF, haveria uma atuação “clandestina” de Tiago nos gabinetes dos ministros.
“Manipulação”
A postura dos ministros nos julgamentos, segundo os investigadores, aponta ainda indícios de manipulação. Carreiro foi relator do caso e contrariou pareceres da área técnica para liberar a licitação de Angra, após o julgamento ser adiado algumas vezes.
Já Aroldo Cedraz, destaca a PF, pediu vista do processo quando o sistema do TCU já registrava que ele estava impedido para atuar no caso. Duas semanas depois, devolveu o processo e anunciou seu afastamento.
“Foram colhidos indícios suficientes de que a articulação buscada por Ricardo Pessoa por meio de Tiago Cedraz surtiu efeito, quando analisamos ainda a dinâmica do andamento processual na corte de contas e o comportamento dos ministros Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro”, diz a PF.
Laudos da PF também apontaram que haveria atipicidades na movimentação financeira dos investigados. Entre 2012 e 2014, Carreiro recebeu créditos de R$ 568 mil sem comprovação de origem, segundo a PF. No caso de Cedraz, foram R$ 2 milhões. Os depósitos em espécie para Cedraz somaram R$ 311 mil. Um deles, de R$ 100 mil, ocorreu em 19 de novembro de 2013, mesma data de um pagamento indicado por Pessoa.
A PF diz ser “surpreendente” a evolução patrimonial de Tiago de 2011 a 2012, de R$ 11,9 milhões para R$ 20,8 milhões. Em 2014, ele adquiriu R$ 9,3 milhões em imóveis, incluindo um apartamento de quase R$ 3 milhões. A ascensão financeira de Tiago e a compra do apartamento foram reveladas pela reportagem em 2015. Para a PF, “algumas transações de Tiago, como a disponibilidade de um bem de altíssimo valor em beneficio do pai, poderiam representar a ‘remuneração’ pela sua atuação em alguns processos”.
Defesa
O presidente do TCU informou, por meio de nota, que o inquérito da Polícia Federal sobre o caso UTC foi aberto há cerca de dois anos. Raimundo Carreiro acrescentou que a investigação, “no intuito de colaborar com as investigações”, imediatamente quebrou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico, prestando os esclarecimentos solicitados.
O ministro afirmou que, quando o relatório da PF foi concluído, preparou um memorial e o entregou à Procuradoria-Geral da República (PGR). Oportunamente, disse Carreiro, o documento será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Aguardo com muita serenidade o resultado das investigações pelo Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal, com a certeza de que tudo será esclarecido, pois, da leitura do relatório, concluo que, se houve irregularidades na licitação de Angra 3, estas ocorreram fora da esfera do TCU”, afirmou.
Aroldo Cedraz, em nota de sua assessoria, reiterou “sua total isenção, já demonstrada ao longo de onze anos de atuação como magistrado”. “Suas ações sempre se pautaram pela ética, lisura e respeito aos princípios republicanos. Caso seja instado a prestar esclarecimentos, ele o fará no âmbito do devido processo legal”, disse o comunicado.
A reportagem enviou questionamentos na quinta-feira passada (13/7) a Tiago Cedraz. Na sexta-feira (14) e nesta terça (18), a assessoria dele informou que estava providenciando uma manifestação para enviar à reportagem, mas até a conclusão desta edição não houve respostaA assessoria de imprensa do TCU informou que o assessor Maurício Lockis não quis se pronunciar. A assessoria de Luciano Araújo, procurada na sexta-feira e nesta terça, não respondeu aos contatos da reportagem.