Petróleo e acordo econômico ofuscam agenda ambiental de Lula na COP28
Lula chegou à COP28 munido de avanços sociais e ambientais, mas teve liderança verde prejudicada por adesão à Opep+ e críticas de Macron
atualizado
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Enviada especial a Dubai* – A proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reposicionar a liderança do Brasil na agenda ambiental durante a passagem dele pela COP28, nesse fim de semana, acabou ofuscada pelo anúncio de adesão do país à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+) e, também, por críticas do presidente francês, Emannuel Macron, sobre o acordo Mercosul-União Europeia (UE).
O presidente Lula retornou à conferência do clima como chefe de Estado em posição de destaque, devido à redução significativa dos índices de desmatamento e ao alinhamento em defesa dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais.
Anfitrião da COP30, na Amazônia, ele foi convidado a discursar na abertura da cúpula de líderes e tomou o palco logo após o secretário-geral da ONU, António Guterres.
No entanto, a adesão à Opep+ e a consequente aproximação com exportadores de petróleo, em uma conferência marcada por críticas ao uso de combustíveis fósseis, acentuam as contradições da política ambiental brasileira.
No ano passado, Lula viajou para a conferência do clima no Egito, como presidente eleito, a convite do governo egípcio. Neste ano, o mandatário retorna como chefe de Estado para uma programação intensa. Na sexta-feira (1º/12) e no sábado (2/12), o presidente brasileiro fez uma série de discursos e teve sete agendas bilaterais.
Durante os pronunciamentos, o petista reforçou o compromisso do país com metas ambiciosas, mirando a COP30 em Belém (PA). Ele cobrou que as demais nações também estabeleçam como prioridade a redução de combustíveis fósseis, a agenda relativa à justiça climática e o cumprimento efetivo das metas às quais se comprometeram.
Críticas a Lula
Em reunião com a sociedade civil na COP, o mandatário brasileiro confirmou que o país passará a integrar a rede de aliados da Opep+, com a proposta de “convencer os países exportadores a investirem em fontes de energia renováveis”. A medida foi considerada um “retrocesso” por ambientalistas.
“A questão da Opep é um ponto totalmente fora da curva, que provocou um estrago que não foi pequeno em toda a narrativa montada pelo governo brasileiro e em todos os números que o governo trouxe para cá. O governo veio preparado para, enfim, mostrar resultados contundentes, mas esse anúncio da Opep é um absurdo, em todos os sentidos”, avalia o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
Na avaliação do especialista, a medida representa uma contradição, em momento inoportuno. “O Brasil precisa se decidir: ou ele fica com a Opep ou ele fica com a liderança do clima. Não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo”.
Combustíveis fósseis na mira
A escolha de Dubai, nos Emirados Árabes, para sediar a COP28 colocou em foco a exploração de petróleo e o uso de combustíveis fósseis — a principal causa das mudanças climáticas. Realizar uma conferência ambiental naquele país, que é um dos 10 maiores produtores de petróleo no mundo, evidenciou o alerta para a urgência da transição para fontes de energia renováveis.
Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, avalia que a decisão “é um tiro no pé”. Segundo o especialista, a escolha de anunciá-la justamente na volta à COP28, após quatro anos de gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, frustra as projeções favoráveis.
“Aqui é um fórum global, o que você faz aqui importa. É uma disputa de espaço como liderança global. Para ficar na esquina de casa, estamos disputando com a Colômbia a liderança em nome da Amazônia. Então, no mesmo dia que o Lula fala que vai se juntar à Opep+, [Gustavo] Petro diz que vai se juntar ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.”
No último sábado (2/12), o líder colombiano anunciou, em painel da COP, que não irá assinar novos contratos de exploração de petróleo, carvão e gás. A Colômbia é o quarto país que mais produz petróleo em território sul-americano.
“São sinais muito fortes, exatamente contrários. É uma disputa de espaço que o Brasil sempre dominou. Nunca se discutiu floresta aqui [na COP] até 2019 sem ter o Brasil como liderança. Quatro anos fora dos espaços de debate, durante a gestão do Bolsonaro; quando você volta para a mesa, não existe espaço que não é ocupado, outros países estão ocupando. Será necessário lutar para ganhar de volta esse espaço”, avalia.
Protecionismo e meio ambiente
Além da continuidade à exploração de petróleo, Lula também teve de responder às críticas do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre as condições ambientais impostas ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
O líder francês criticou o tratado, ao chamar a proposta de “antiquada” e “contraditória” com as agendas ambientais defendidas por ele e pelo presidente brasileiro.
Após a declaração do europeu, Lula admitiu que as negociações podem não ser concluídas na próxima semana, conforme sugere o projeto brasileiro. No entanto, frisou que não seria “por falta de esforço” do lado brasileiro.
“Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil, da América do Sul. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão”, declarou o petista em coletiva de imprensa.
“Eu tive uma grande conversa com a Ursula von der Leyen, que é a presidenta da Comissão Europeia. Vamos ver como é que vai acontecer na sexta-feira. Se não tiver acordo, pelo menos vai ficar patenteado de quem é a culpa de não ter acordo”, prosseguiu Lula, transparecendo o pessimismo com um resultado positivo nas negociações.
Mercosul e União Europeia tentam concluir um acordo de livre comércio desde 1999. Caso seja ratificado por todos os países-membros de ambos os lados, o tratado será responsável por criar a maior zona de livre comércio do mundo. No entanto, as negociações esbarram em políticas ambientais e protecionismo de países europeus.
Antes de chegar à cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro, o chefe do Executivo brasileiro cumpre, nesta segunda-feira (4/12), viagem de três dias a Berlim, na Alemanha, na expectativa de avançar em pautas especialmente econômicas, incluindo a cooperação europeia com o Mercosul.
*Repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade