Pesquisador liderou estudo sobre espionagem da CIA no Brasil
Especialista detalhou o uso por órgãos do Estado brasileiro de equipamentos de criptografia da Crypto AG, que foi controlada pela CIA
atualizado
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Vitelio Brustolin é o pesquisador de Harvard e da Universidade Federal Fluminense (UFF) que realizou estudo publicado na Cambridge Review of International Affairs, detalhando o uso por órgãos do Estado brasileiro, incluindo a Marinha, de equipamentos de criptografia da Crypto AG, empresa suíça que durante décadas foi controlada secretamente pela CIA.
Em entrevista ao O Globo, Brustolin contou que a mera “suspeita de que os equipamentos podem estar sendo adulterados já deveria ser suficiente para que parassem de ser utilizados”. E também que o suposto uso do equipamento em submarinos brasileiros colocam em risco a eficácia das máquinas, as operações e as vidas das pessoas dentro deles e do Brasil.
O estudo contou com a colaboração dos pesquisadores Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e de Alcides Peron, da Universidade de São Paulo (USP).
Brsutolin explica que alguns países chegaram a suspeitar dos equipamentos.
“Foi o caso da Argentina, durante a Guerra das Malvinas. A Argentina perdeu a guerra e a adulteração nas máquinas de criptografia foi uma das razões para a derrota. Em 1992, um executivo da empresa foi sequestrado no Irã e revelou a fraude. A partir de 1995, passaram a ser publicadas reportagens cada vez mais frequentes sobre a adulteração de equipamentos da Crypto AG”, afirmou.
Adulteração
Ele conta que cientistas e pesquisadores precisam de provas e evidências para apontar esse tipo de adulteração, mas que governos não. Por isso, se houver suspeitas de algum sistema por parte de algum governo, deve deixar de utilizá-lo pois trata-se da comunicação confidencial e estratégica de um país.
Para o pesquisador, apenas uma falha de inteligência justifica a compra desses equipamentos de criptografia, entre 2014 e 2019, por parte da Marinha do Brasil, já que a própria NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) admitiu a fraude.
Brustolin afirma que o Brasil tem capacidade para utilizar um próprio sistema de criptografia, desde que haja um investimento na área.
“Um investimento maior na área tornaria desnecessária a aquisição da plataforma de criptografia da Crypto AG por parte da Marinha, de 2014 a 2019. Conforme demonstram as movimentações no Portal da Transparência, os equipamentos da Crypto AG custaram milhares de dólares, e não milhões. O quanto valeria para o Brasil investir nessa área e nos tornar menos vulneráveis e dependentes de países estrangeiros?”, pontuou.
Criptografia
Segundo o pesquisador, a Marinha informa utilizar “softwares e algoritmos próprios para a proteção de dados sigilosos, uma criptografia de Estado, totalmente restrita e desenvolvida no âmbito da Força”. Devido a esse posicionamento, ele questiona o motivo do Brasil ter adquirido software da Crypto AG se usa de fato algoritmos e softwares próprios.
“Se isso é verdade, por que foi adquirido software da Crypto AG, conforme o Portal da Transparência revela? Por que foi adquirida, da própria Crypto AG, licença para o uso desse software? Os equipamentos que a Marinha adquiriu de 2014 a 2019, o seu software e a sua licença foram pagos com dinheiro público. Qual é o sentido de gastar dinheiro público com algo que não será utilizado?”, conclui.