Pequenos produtores rurais têm queda de até 50% da renda na pandemia
Pequenos agricultores relatam diminuição de vendas e sobrecarga de tarefas, com perda da colaboração nos mutirões para plantio e colheita
atualizado
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A 55 km de Brasília, no Assentamento Canaã, em Brazlândia, Tânia Aguiar acorda cedo. Ela faz o café, acorda o marido e pega a filha no colo. O celular vibra com as mensagens: 5, 10, 15, 20. Entre o grupo da escola da pequena Luna, de 4 anos, e o grupo de entregas dos agricultores, Tânia se reveza. Na mão dela, o celular tem um poder que não se vê pela cidade.
Enquanto isso, Silvânio Lopes, o marido, desce para a plantação. Os canteiros são bonitos, com arroz, milho, manga, laranja, hortaliças, tudo em harmonia para dar equilíbrio e cor. Mas o trabalho é grande e árduo. Com a pandemia, Silvânio perdeu a força de trabalho dos membros da comunidade que vinham, mensalmente, ajudar nos mutirões.
A família de Tânia faz parte de uma Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), grupo que cria uma ponte entre produtores e consumidores, garantindo uma renda fixa aos agricultores e alimentos orgânicos aos chamados coagricultores, também destinatários da produção.
Os traços do último ano aparecem na rotina da família. Tânia e Silvânio mostram as embalagens em que acondicionam as colheitas. Sem contato direto com a comunidade, sem encontros, sem abraços.
“Teve um dia que eu surtei, me deu ansiedade, eu fiquei ruim. Porque tinha muito trabalho, as coisas, no tempo chuvoso, não brotam bem, encruam. E aí, junta tudo. Você imagina…”, conta Tânia.
A pesquisa A Pandemia da Covid-19 e os Pequenos Produtores Rurais: Superar ou Sucumbir? mostra que 70% dos agricultores relataram queda de até 50% na renda mensal.
Segundo o IBGE, 23% de toda a produção agrícola no Brasil provém da agricultura familiar. São mais de 3,8 milhões de propriedades agrícolas nesse modelo, todas passando por dificuldades que extrapolam o campo. As feiras, sem público, mas cheias de frutas e verduras.
A pesquisadora Célia Futemma, da Unicamp, avalia que o maior problema está aí: “Onde realmente tem o gargalo é na comercialização. Produto tem para vender”.
Alguns quilômetros adiante, está a casa de Ivanilde e Joel Silva Souza. Os filhos já saíram da escola – têm 19 e 23 anos. Aqui, as lutas são outras. Eles fazem parte de uma Comunidade Agroecológica do Bem Viver, que também faz a ponte entre campo e cidade para encaminhar o escoamento da produção.
Segundo Larissa Barrozo, uma das organizadoras das Comunidades do Bem Viver, “quando uma pessoa vai entrar, a gente faz uma conversa pra ter certeza de que a pessoa entendeu que não é só uma compra de produtos orgânicos, mas um projeto que financia o reflorestamento e ajuda agricultores que estão precisando de auxílio”.
Assim, Ivanilde e Joel estão começando sua comunidade, em parceria com uma família vizinha, mas só contam com 19 coagricultores, número pequeno para garantir um retorno.
Joel se preocupa com o sustento, mas não vê saída: “Na pandemia, meu amigo, alguns estavam desempregados, um outro bocado desempregou, empresa faliu… Quer dizer, acabou. A gente não pode dizer que é má vontade do pessoal. É falta de dinheiro. ”
A solução foi focar nas cestas para os coagricultores que já pagam a cota e torcer para que outros consumidores se juntassem. Para conseguir mais gente, a ferramenta também é o celular. Nos aparelhos de Ivanilde, os grupos de mensagens também servem para comunicação direta com o fim da linha, com quem compra. A pesquisa de Célia Futemma mostrou que 70% dos entrevistados usam esse meio, principalmente por ser prático, barato e fácil.
A pesquisadora, no entanto ressaltou, apesar da prática ser comum Brasil afora, o contato, tanto entre os produtores quanto com os consumidores, vai além do celular e chega no boca a boca de amigos e conhecidos. “Há uma rede social, e isso foi importante para eles não sucumbirem.”
Em outros setores, a pandemia não causou efeitos tão duros. A procura por produtos orgânicos e mel aumentou, com a maior preocupação com a saúde que a nova doença trouxe para a população. Iniciativas locais, de prefeituras, e federais, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), também foram decisivos para a sobrevivência de muitos pequenos produtores, como mostra o estudo ”coescrito por Célia Futemma.