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Pauta de Lula na ONU, ideia de transição energética no país é defasada

Lula lançou, nesta semana, um programa que propõe ações tímidas no setor energético. Esse tema também deve guiar pautas do presidente na ONU

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Ricardo Stuckert/PR
Lula faz coletiva na Índia após o G20
1 de 1 Lula faz coletiva na Índia após o G20 - Foto: Ricardo Stuckert/PR

Tema constante na atual agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante reuniões de cúpulas internacionais, e que deve se repetir no discurso do mandatário na Organização das Nações Unidas (ONU) nesta semana, a política de transição energética no Brasil ainda não foi bem desenhada e se alicerça em ações ainda tímidas e defasadas. Pelo menos essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo Metrópoles.

O presidente enviou ao Congresso Nacional, na última semana, o programa Combustível do Futuro, com metas para reduzir o uso de combustíveis fósseis e estimular a chamada economia verde. O objetivo é demonstrar, em meio ao embate entre desenvolvimentistas e ambientalistas do governo sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que o Brasil está empenhado em adotar ações para frear as mudanças climáticas.

O tema também deverá ser um dos protagonistas no discurso do presidente na Assembleia Geral da ONU, em Nova York (EUA), na próxima terça-feira (19/9).

Assim como outras agendas ligadas ao combate à fome e a uma nova governança global, o compromisso com a preservação ambiental é um pilar de Lula para se distanciar de Jair Bolsonaro (PL), firmar acordos e restabelecer relações diplomáticas.

Especialistas consultados pelo Metrópoles, no entanto, avaliam que há muito a ser feito para garantir que o discurso ambiental se traduza em ações eficazes. Ambientalistas ponderam que as propostas adotadas em território brasileiro ainda têm bases atrasadas e podem servir como “cortina de fumaça” para a manutenção da exploração de combustíveis fósseis por mais tempo.

Roberto Kishinami, coordenador sênior do portfólio de economia do Instituto Clima e Sociedade (ICS), considera que Lula tem dedicado atenção considerável à agenda climática. Contudo, ressalta que o governo ainda trabalha com temas considerados obsoletos, como é o caso dos veículos a combustão.

“Na verdade, só reforça uma coisa antiga, que vai ter que desaparecer. O biodiesel, por exemplo, não serve mais para uso, porque é degradável, e deveria ser substituído por eletrificação”, defende Kishinami.

Biodiesel

O aumento do biodiesel no diesel para 15% até 2024 (estava previsto para 2026), por exemplo, integra o bloco de ações enviadas pelo Executivo ao Congresso, na última semana, como estratégias para tornar menos poluente a matriz energética do país.

Além disso, o governo propõe o aumento do ritmo de elevação do etanol na gasolina — dos atuais 27,5% para 30% — e a criação do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que prevê metas progressivas para, até 2037, reduzir em 10% as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa no setor aéreo. Esta medida será implementada mediante o aumento na mistura de combustível sustentável de aviação (SAF) ao querosene tradicionalmente usado.

No evento de lançamento, Lula destacou que o projeto constitui mais um passo para a transição energética mundial. O mandatário pretende reforçar acordo feito durante o G20, com Estados Unidos e Índia, por uma Aliança Global de Biocombustíveis.

“Essa produção de biocombustíveis, nessa transição energética pela qual o mundo todo clama, é uma oportunidade para este país. Uma chance de transformar o Brasil em algo tão mais importante do que o Oriente Médio é para o mundo, com o petróleo. Podemos cumprir esse papel com os combustíveis renováveis”, disse o presidente.

Na visão de Kishinami, o programa do Executivo federal ainda deixa a desejar em pontos cruciais. Cabe ao governo colocar o trabalho interministerial em prática, e mostrar como o Brasil pode se desenvolver sem depender de combustíveis fósseis.

“O Combustível do Futuro deveria apontar para o futuro, não para o passado”, argumenta.

Com a agenda, o governo brasileiro quer ainda reduzir o tom das cobranças relacionadas à insistência na ideia de explorar novos poços de petróleo no litoral amazônico.

Logo após o lançamento do programa, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, cobrou “celeridade” do Ibama na avaliação da revisão que a Petrobras pediu na decisão de vetar estudos sobre a viabilidade de exploração de petróleo na margem equatorial, litoral amazônico.

“Queremos fazer a transição energética, mas o povo brasileiro não pode pagar essa conta. O mundo, infelizmente, ainda é dependente de petróleo e gás, e a margem equatorial talvez seja a última fronteira de exploração para o Brasil”, disse Silveira, no Palácio do Planalto, na quinta-feira (14/9).

O que é transição energética?

O conceito de transição energética consiste em uma mudança na forma de produção global. Nesse contexto, a atual matriz de produção de energia baseada em fontes não renováveis (como o petróleo e o carvão) seria substituída por fontes limpas e sustentáveis.

Essa transição implica diretamente as emissões de gases de efeito estufa, a diminuição da dependência de recursos finitos e a promoção da eficiência energética. Apesar disso, Marcelo Laterman, porta-voz do Greenpeace Brasil, salienta que o Brasil não explora todas as possibilidades para essa mudança, ao negligenciar ações mais inovadoras.

“O Brasil tem uma posição privilegiada, devido à riqueza dos recursos naturais necessários para essa transição – com alto potencial de radiação solar e regiões com ventos fortes e constantes. No entanto, todo esse potencial ainda é pouco explorado, e não da melhor forma, com as melhores práticas”, defende Marcelo Laterman.

A transição energética surge justamente como uma forma de garantir o desenvolvimento do país sem degradar o meio ambiente. No entanto, na prática, o governo ainda não se desvinculou de práticas de degradação e exploração de recursos fósseis.

Desenvolvimento x meio ambiente

A Petrobras apresentou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) um novo pedido de exploração de petróleo na foz do Amazonas, considerada uma área sensível por ambientalistas. Membros do governo, como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), pressionam pela liberação da licença ambiental.

Silveira defende que a transição energética ainda precisa do petróleo, o que demandaria a liberação de perfuração de novos poços de exploração.

“Uma transição energética pressupõe ações concretas de combate aos combustíveis fósseis, e é aí que surgem as contradições. Faltam ações e metas claras para a descarbonização efetiva da matriz”, declara o porta-voz do Greenpeace.

“No entanto, o governo insiste na abertura de novas fronteiras de exploração de petróleo e gás em áreas sensíveis, por exemplo. Além de um grave problema socioambiental e climático, esta aposta pode se manifestar como um erro econômico do governo e afastar investimentos verdes do país”, reforça Marcelo Laterman.

Palco internacional

Para Roberto Kishinami, o fim da exploração de petróleo só acontecerá caso haja uma diminuição na demanda internacional por combustíveis fósseis, o que ele considera pouco provável em um futuro próximo.

“Seria necessário um acordo com o número razoável de países para não haver novos poços de petróleo. Enquanto não houver um acordo dessa natureza, todos os países vão atender à demanda internacional”, diz o coordenador do ICS. Essa função, por exemplo, é um dos planos do presidente, com os discursos em palcos internacionais.

Kishinami frisa ainda que o governo federal não definiu, de forma concreta, em que consiste essa política de transição no Brasil, tampouco estabeleceu as diretrizes que deverão guiá-la.

“Acho que a falta de uma definição do que é uma política de transição no Brasil, o que é o enfrentamento do clima de maneira consciente. Agora, o Brasil tem alternativas, tem fontes e até uma capacidade interna de investimento para estabelecer uma política do lado climático.”

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