Participamos do encontro de jovens monarquistas e te contamos como foi
Monarquistas usam manifestações de direita nas ruas e redes sociais para tentar mobilizar simpatizantes, mas trabalho é árduo
atualizado
Compartilhar notícia
Os monarquistas brasileiros acreditam viver uma renovada e promissora fase do movimento desde 2015, quando perceberam, nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) que não estavam sozinhos. Nesses últimos anos, novas ordens monárquicas surgiram pelo país, o assunto ganhou espaço na internet e uma pequena bancada de simpatizantes foi eleita em assembleias estaduais e na Câmara federal – a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), por exemplo, é monarquista.
Uma expansão maior das ideias do grupo esbarra, porém, na forma caricata, ou até agressiva, como a maioria dos não monarquistas encara a perspectiva de restauração do Império do Brasil.
Nos sonhos monarquistas, caso a República seja derrubada, reassumirão o poder membros remanescentes da família Orleans e Bragança, banida do Brasil em 1889 quando, para os membros do movimento, houve o primeiro golpe de estado do país. Esse banimento foi revogado em 1920 pelo presidente Epitácio Pessoa e ainda hoje os descendentes vivem uma vida de realeza no cotidiano e de militância pela restituição de seus poderes políticos imperiais.
Seguido por 32 mil pessoas no Twitter, dom Bertrand de Orleans e Bragança, um dos mais destacados promotores do movimento monarquista, não chega a empolgar muito na rede no dia a dia, mas hitou no início de fevereiro ao anunciar numa postagem a participação de um sobrinho, o príncipe dom Rafael de Orleans e Bragança, segundo ele, “quarto na linha de sucessão ao Trono”, no primeiro Encontro Monárquico da Ordem dos Jovens Monarquistas dali a 10 dias.
Foram mais de 7 mil respostas ao tuíte, a maioria piadas e memes com outro tipo de trono, esse sim bem mais presente na vida dos plebeus.
Veja a postagem e algumas das piadas:
A propaganda voluntária de dom Bertrand, que acha que não há racismo no Brasil e culpa a China pelo coronavírus, e a divulgação involuntária pelas piadas não foram suficientes, no entanto, para fazer o evento brilhar na web. Previsto inicialmente para o último sábado (20/2), o encontro virtual só aconteceu mesmo no domingo e foi acompanhado por umas poucas dezenas de espectadores virtuais quando estreou.
Quando o príncipe dom Rafael foi encerrar o evento, após três horas de palestras sobre leis e símbolos monárquicos, mesmo com os organizadores pedindo para “chamar quem tinha saído”, só 96 internautas acompanharam a mensagem ao vivo. E nem deu tempo para convocar muito mais gente porque, para a frustração de alguns monarquistas, o quarto na linha de sucessão mandou uma mensagem com cerca de um minuto apenas, frustrando alguns dos que acompanhavam no momento.
Na curta mensagem, o príncipe brasileiro disse que, em sua percepção, “dia após dia, cada vez mais jovens estão se juntando à causa e muitos outros vêm se mostrando simpáticos por concordarem com os valores da monarquia”. O aspirante a monarca disse ainda que “o futuro do nosso movimento não poderia estar em melhores mãos”, sobre os jovens monarquistas que organizaram o evento (cuja longa íntegra você pode ver ao final desta reportagem).
Dom Rafael concluiu o pensamento admitindo o “grande trabalho pela frente” por dias melhores, de um Brasil protagonista no mundo “e com os pés firmados nos valores e nas tradições sobre os quais foi fundado”.
As “boas mãos” citadas pelo membro da família monárquica são as de jovens que, ao contrário do movimento monarquista histórico, não têm necessariamente laços com famílias que remontam à nobreza imperial, mas se identificam com ideais muito conservadores e idealizam o período anterior à República como uma época, de alguma forma, melhor. Veja imagens do evento virtual:
Relações com a extrema-direita
Durante o Encontro Monárquico do fim de semana, alguns dos internautas que acompanhavam e comentavam flertaram com o fascismo em alguns momentos. Um usuário identificado como Vinícius Freire, por exemplo, disse que “único erro de Salazar foi não ter restaurado a monarquia portuguesa”. António de Oliveira Salazar foi um ditador de inspiração fascista que governou Portugal de 1932 a 1968.
Em resposta ao usuário, outro internauta identificado como Dom Pedro II disse que “melhor [Salazar] não ter restaurado do que ter feito como fez Franco, uma restauração meia boca”. Francisco Franco Bahamonde foi ditador na Espanha por quatro décadas e também se inspirou no fascismo italiano no início.
Veja os comentários:
O doutor em ciência política Leonardo Barreto lembra que a monarquia é um sistema de governo e não tem ideologia em princípio. Ele lembra justamente da Espanha, onde há monarquia e o governo eleito é comandado pelo premiê socialista Pedro Sánchez. “Mas os defensores, como a defesa da volta da monarquia, têm um componente de conservadorismo muito forte, acabam sendo de direita, de modo geral”, avalia.
Como registramos no início desta reportagem, os monarquistas contemporâneos se organizaram à partir do movimento anti-Dilma e seguiram saindo às ruas em manifestações organizadas pela direita.
Nos atos antidemocráticos que ocorreram no início do ano passado em Brasília e que geraram um ruidoso inquérito no Supremo Tribunal Federal, os saudosistas da ditadura militar não eram as únicas pessoas interessadas em destruir a democracia brasileira. Os monarquistas também estavam lá com essa pauta, mas, como ocorreu com dom Bertrand em sua postagem sobre “o Trono”, foram encarados muito mais como piada do que seriamente.
De acordo com o professor de história contemporânea Odilon Caldeira Neto, da Universidade Federal de Juiz de Fora, “a relação de grupos monarquistas com a extrema-direita é bastante forte historicamente. Há uma interface de elementos entre os anseios monarquistas e os da extrema-direita antirrepublicana, por assim dizer: discurso reacionário, ultraconservadorismo, nacionalismo exacerbado”.
Ainda segundo o pesquisador, que escreveu, com Leandro Pereira Gonçalves, o livro O Fascismo de Camisas Verdes – do Integralismo ao Neointegralismo, uma leitura profundamente conservadora da sociedade une monarquistas, bolsonaristas, neointegralistas e olavistas. “O que os une, além da idealização do antigo, talvez seja a narrativa contrária à República”, conclui ele.
Veja a íntegra do primeiro Encontro Monárquico da Ordem dos Jovens Monarquistas, que, após a estreia para poucos, conseguiu algum alcance a mais e tinha 1,5 mil visualizações quando este texto foi escrito. A parte em que dom Rafael de Orleans e Bragança fala está bem no final do arquivo.