Paracatu: “Escutei o último tiro e corri”, diz sobrevivente de chacina
O técnico de segurança do trabalho Denerson Pereira Cordeiro, 26 anos, escapou da matança na igreja Shalom por ter se atrasado para o culto
atualizado
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Enviado especial a Paracatu (MG) – “Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: de onde me vem o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra. Ele não permitirá que você tropece; o seu protetor se manterá alerta”. O trecho do Salmo 121 reflete o impacto na comunidade da Igreja Batista Shalom.
A porta entreaberta e uma tímida luz acesa no salão não deixam dúvidas. Após ter o culto cancelado, em luto pela matança da última terça-feira (21/05/2019), o templo religioso, em Paracatu, município mineiro distante 234 km de Brasília, reabriu. Com seus integrantes ainda impactados pela tragédia provocada pelo empresário Rudson Aragão Guiimarães, 39 anos, que abriu fogo nos fiéis durante um culto, eles tentam retomar o principal objetivo do lugar: a paz.
Na noite dessa quarta-feira (22/05/2019), o primeiro grupo de fiéis retornou ao local onde três pessoas foram brutalmente assassinadas. Um deles contou ao Metrópoles como escapou da morte, as cenas que viu, o trabalho que tem sido feito e como a chacina tem repercutido na comunidade evangélica. O trecho que iniciou a reportagem foi indicado por um dos sobreviventes da matança.
O técnico de segurança do trabalho Denerson Pereira Cordeiro, 26 anos, escapou da tragédia por se atrasar para o culto da última terça. Ele saiu do trabalho cansado, passou em casa e ficou conversando com o padrasto. Quando percebeu, estava em cima da hora da cerimônia religiosa.
“Estava em casa e recebi uma ligação de uma pessoa que estava na casa (da mãe do atirador Rudson, onde o crime começou). Ela achou que eu estaria na igreja. Ele tinha acabado de esfaquear a mulher (Heloísa Vieira Andrade, 50). Quando eu cheguei para avisar, já estava acontecendo. Fiquei sem chão”, relata.
Na gravação que mostra o crime, um motoqueiro aparece ao fundo do vídeo. É Denerson. “Quando cheguei tinha uma barra de ferro no chão. O portão trancado, a porta entreaberta e o povo extasiado lá dentro”, detalha.
Ele conta como escapou da morte. “Um vizinho me gritou: ‘sai daí, ele tá atirando’. Eu corri para a esquina. Escutei o último tiro. Tive contato visual com ele. Ele atirou na última irmã e o policial atirou nele”, acrescenta. Apesar de a ação ter durado apenas 12 minutos, para ele pareceu uma eternidade.
Fiquei pensando: meu Deus, e agora? Quem eu vou socorrer? Como eu vou agir? Fiquei sem chão. Queria ajudar, mas ao mesmo tempo de mãos atadas.
Denerson Pereira Cordeiro, que escapou da tragédia em Paracatu
A entrada na igreja
Denerson detalha como foi entrar na igreja pela primeira vez após o atentado cometido por Rudson. “Eu passei direto e fui para os fundos. Não dei conta de ficar. Pelas fotos é uma coisa, mas pessoalmente é outra coisa. É muita tristeza. Uma luta”, acrescenta.
Denerson chorou durante a entrevista. Uma das vítimas, Rosângela Albernaz, 50, era considerada por ele como mãe. “Meus pais não moram em Paracatu. Ela que me iniciou na igreja, fez meu processo de batismo, me acompanhou. Frequentava a lanchonete que ela tinha quase todo dia”, lamentou o jovem, que está na igreja há 3 anos.
Nesta quarta, ele pediu para não trabalhar. Não tinha forças. “Hoje passei o dia no velório e reorganizando a igreja. Foi a situação mais traumática”, frisa.
Para ele, o trauma, apesar da tragédia, é possível de ser superado. “Com tempo, com calma, com Deus, principalmente para aqueles que estavam lá dentro”, finaliza. Natural de Belo Horizonte, Denerson mora em Paracatu há 10 anos.
Nesta quinta-feira (23/05/2019), os investigadores começarão a ouvir formalmente as testemunhas dos crimes, analisarão os resultados das perícias e farão novas ações investigatórias. Ainda falta saber a origem da arma usada nos assassinatos e o que motivou a ação. Rudson está internado e não corre o risco de morrer.
Para entender o crime
Por volta de 20h da última terça-feira (21/05/2019), Rudson foi até a casa da mãe dele, onde também estava a ex-namorada Heloísa Vieira Andrade, 50. Lá, ele esfaqueou a ex-companheira no pescoço com um canivete. Ela morreu a caminho do hospital devido a uma parada cardiorrespiratória.
Minutos depois, Rudson invadiu a igreja. Ele atirou contra Rosângela e Antônio, que não resistiram aos ferimentos e morreram. A intenção dele, segundo a polícia, era matar o pastor Evandro Rama, mas como ele fugiu com a ajuda de fiéis, alvejou o pai dele, Antônio Rama.
Rudson ainda rendeu outra fiel e a manteve sob ameaça. A Polícia Militar chegou ao local da ocorrência e tentou negociar. Nervoso, ele disparou contra Marilene, a quarta vítima. Rudson acabou baleado por um policial.
O atirador foi autuado por quatro homicídios qualificados por motivação fútil e tentativa de homicídio devido à ameaça ao pastor Evandro Rama.
Veja quem são as vítimas do ataque:
– Heloísa Vieira de Andrade
Ela era ex-namorada do atirador e morreu ao ser golpeada com um canivete no pescoço. Heloísa trabalhava como coaching, dava treinamentos em empresas e palestras. A vítima estava na casa dos familiares de Rudson quando foi morta.
– Rosângela Albernaz
Era fiel da Igreja Batista Shalom e proprietária de uma lanchonete que fica a um quarteirão do local. Segundo a Polícia Militar, a vítima, de 50 anos, tinha duas filhas e estava na reunião junto com o marido quando ocorreu o ataque.
– Antônio Rama
Aposentado, Antônio morreu aos 67 anos. Membro da igreja e pai do pastor Evandro Rama, que celebrava o culto na hora do crime. Com base em informações da PM, o atirador entrou na Igreja Batista Shalom procurando pelo líder religioso e atirou contra o pai dele por vingança.
– Marilene Marins de Melo Neves
Fiel da igreja, Marilene trabalhava como serviços gerais na Escola Municipal Coraci Meireles e auxiliava na cantina da Creche Domingas de Oliveira. Ela era casada, tinha filhos e um neto.