Paracatu: crimes reacendem debate sobre violência contra a mulher
Vítimas do empresário Rudson Guimarães se tornaram símbolos da luta por respeito para as moradoras da cidade
atualizado
Compartilhar notícia
Enviado especial a Paracatu (MG) – As mortes de Heloísa Vieira Andrade, 50 anos; Rosângela Albernaz, 50; e Marilene Marins de Melo Neves, 38, reacendeu em Paracatu, cidade mineira distante 234km de Brasília, a discussão sobre o combate à violência contra a mulher.
As vítimas do empresário Rudson Aragão Guimarães, 39, que matou sua ex-namorada Heloísa com um golpe de canivete no pescoço e abriu fogo contra os fiéis em uma igreja evangélica, tornaram-se para as habitantes de Paracatu um símbolo da luta pelo respeito às mulheres. Elas pedem: basta de violência.
De todas as idades e classes sociais, as cidadãs do município querem punição mais rígida aos agressores e alertam para a importância da denúncia. A comerciante Leize Santana, 49, está descrente. Para ela, a flexibilização do porte de amas promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) irá acentuar o problema.
“Acho que a tendência é piorar. Armar a população é grave. A mulher está cada vez mais indefesa. Eu não vou me armar para me defender”, destaca, ao dizer que homens violentos terão sua agressividade potencializada.
As mortes de Heloísa, Rosângela e Marilene, segundo ela, devem ser observadas como um exemplo a não ser seguido. A comerciante diz que é preciso mudar o comportamento. “Toda mulher fica sensibilizada quando acontece um caso desses. Elas eram mulheres como eu”, lamenta.
Leize emenda. “Estão acabando com as políticas para defender as mulheres. Quem vive uma situação dessas deve falar, denunciar e não se amedrontar”, alerta.
Na mesma tendência, a funcionária pública Fabiana Teixeira, 30, cobra mais rigor na punição de agressores. “Os homens que agridem mulheres devem ser mais penalizados. A falta de severidade nesses casos deixa a sensação de que nada nunca vai mudar”, avalia.
Para ela, que é brasiliense, mas adotou Paracatu como casa há 5 anos, o Brasil precisa viver uma profunda transformação cultural. “Muita coisa tem que mudar. Não aceitem, mulheres, esse tipo de comportamento”, orienta.
Poderia ser minha filha
Fabiana é mãe de Lívia, 2 anos. Ela espelha na filha a preocupação com o futuro das mulheres. “Como não projetar? Essa mulher poderia ser eu; amanhã, minha filha. E a covardia se perpetuando”, reclama.
Ana Cristina dos Santos, 49, vendedora ambulante, vivenciou de perto a agressão de um homem contra uma mulher. A filha dela, que terá o nome preservado a pedido da entrevistada, foi agredida por um ex-namorado. A lembrança do episódio causa revolta. “Dói na gente como mãe, mulher e como pessoa humana”, pondera, ao dizer que a filha não denunciou o seu algoz.
Violência é sempre ruim para a mulher e para o homem. Não é certo fazer esse tipo de coisa. Fico indignada
Ana Cristina dos Santos, vendedora ambulante e moradora de Paracatu
Nessa quinta-feira (23/05/2019), os investigadores começaram a ouvir formalmente as testemunhas dos crimes, analisaram os resultados das perícias e fizeram novas diligências. Ainda falta saber a origem da arma usada nos assassinatos e o que motivou a ação.
Passo a passo do crime
Por volta de 20h da última terça-feira (21/05/2019), Rudson Aragão Guimarães foi à casa da mãe dele, onde também estava a ex-namorada Heloísa Vieira Andrade, 50. Lá, ele esfaqueou a mulher no pescoço com um canivete. Ela morreu a caminho do hospital, devido a uma parada cardiorrespiratória.
Minutos depois, Rudson invadiu a igreja evangélica Shalom, atirou contra Rosângela Albernaz, 50, e Antônio Rama, 67, que não resistiram aos ferimentos e morreram. A intenção dele, segundo a polícia, era matar o pastor Evandro – mas, como ele fugiu com a ajuda de fiéis, Rudson alvejou o pai do religioso por vingança.
Rudson ainda rendeu outra fiel e a manteve sob ameaça. A Polícia Militar chegou ao local da ocorrência e tentou negociar. Nervoso, ele disparou contra Marilene Marins de Melo Neves, 38, a quarta vítima.
O atirador foi ferido pela Polícia Militar com tiros na mão e no ombro, então foi levado para o hospital – onde, segundo os médicos, está isolado e tem reagido bem ao tratamento.
Tentativa de suicídio
Nesta quinta-feira (23/05/2019), às 6h50, Rudson tentou suicídio, ferindo-se em três partes do pescoço com uma lâmina de bisturi. “O paciente foi atendido pela equipe cirúrgica. Ele permanece internado e sob escolta”, destaca a Prefeitura de Paracatu, em nota.
A direção do Hospital Municipal de Paracatu instaurou uma investigação administrativa, uma vez que o paciente, mesmo sob escolta de dois agentes da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), conseguiu ter acesso à lâmina.
Difícil convivência
O atirador é descrito como um homem temperamental, impulsivo e envolvido com drogas. Rudson é conhecido como uma pessoa de difícil convivência.
Os mais próximos a ele contam que o agressor, empresário do ramo imobiliário, vivia o momento de maior conforto financeiro. Apaixonado por animais e motos, muitos estranharam a arrancada violenta contra a ex-namorada.
Rudson não tem registros policiais por violência doméstica. Ele já foi preso por tráfico de drogas. Os relatos colhidos até o momento não apontam um comportamento agressivo.
A Polícia Civil de Minas Gerais trabalha com diversas linhas de investigação sobre o caso. Uma delas é que o motivo do crime pode ter sido o afastamento de Rudson das atividades da Igreja Batista Shalom.
Segundo a delegada responsável pelo caso, Thaís Regina da Silva, chefe da Divisão de Homicídios da 2 Delegacia de Paracatu, ainda não há indícios de um crime passional. Contudo, ela não descarta o indiciamento por feminicídio.
Veja quem são as vítimas do ataque:
Heloísa Vieira de Andrade
Ex-namorada do atirador. Morreu ao ser golpeada com um canivete no pescoço. Heloísa trabalhava como coach, dava treinamentos em empresas e palestras. A vítima estava na casa dos familiares de Rudson quando foi morta.
Rosângela Albernaz
Era fiel da Igreja Batista Shalom e proprietária de uma lanchonete que fica a um quarteirão do local. Segundo a Polícia Militar, a vítima, de 50 anos, tinha duas filhas e estava na reunião com o marido quando ocorreu o ataque.
Antônio Rama
Aposentado, Antônio morreu aos 67 anos. Era membro da igreja e pai do pastor Evandro Rama, que celebrava o culto na hora do crime. Com base em informações da PM, o atirador entrou na Igreja Batista Shalom procurando pelo líder religioso e atirou contra o pai dele por vingança.
Marilene Marins de Melo Neves
Fiel da igreja, Marilene trabalhava como serviços gerais na Escola Municipal Coraci Meireles e auxiliava na cantina da Creche Domingas de Oliveira. Ela era casada, tinha filhos e um neto.