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Para Vélez Rodríguez, “com os olavistas no cangote não dá para governar”

Ex-ministro da Educação vê os seguidores de Olavo de Carvalho como um dos grandes entraves do governo Bolsonaro. Veja entrevista exclusiva

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1 de 1 Velez1 - Foto: Luis Fortes/MEC

Primeiro ministro da Educação da gestão de Jair Bolsonaro, o filósofo e professor Ricardo Vélez Rodríguez, de 76 anos, foi indicado ao cargo pela porção olavista do governo e, no final das contas, “fritado” por ela mesma por se opor à guerra cultural.

Mais de um ano após deixar o posto, ele se mostra satisfeito com a perda de poder dos seguidores do guru, que chama de “terraplanistas”, mas lamenta a falta de avanços do governo no qual ele depositava a esperança de ser um contraponto à esquerda.

“Bolsonaro poderia ter dado muito mais em termos de reformas, em termos de uma gestão liberal conservadora”, avalia ele numa conversa exclusiva com o Metrópoles.

Veja os principais trechos em texto e em vídeo:

O senhor disse recentemente, numa série de entrevistas do Instituto Unibanco com ex ministros da Educação, que não se arrepende de ter sido ministro, mas que, se tivesse a experiência, teria feito diferente. Diferente no que?

Não há política sem base de sustentação no Parlamento. Eu, como ministro, contava com o apoio da jovem bancada do PSL, mas o problema é que era uma bancada muito nova e não havia um detalhamento de todos os passos de reformas que deveriam ser feitas. Eu tinha elaborado com minha equipe uma série de medidas fundamentais e conversado com alguns parlamentares, mas não tinha se consolidado um processo de assimilação por parte deles. Então, quando surgiram os entraves, sobretudo nos diálogos com a Comissão de Educação na Câmara e no Senado, eu senti muita falta dessa sustentação, desse apoio da base parlamentar. Não por mal querência por parte deles, havia boa vontade. Mas, em política, se você não tem as coisas de cor e salteado e de uma forma clara, tem dificuldade para sustentar.

Eu não me arrependo de ter passado pelo ministério, muito pelo contrário, me senti muito honrado de poder servir ao meu país num cargo de responsabilidade. Mas reconheço que senti essa falta de sustentação na minha base parlamentar.

Houve o episódio com a deputada Tábata Amaral (PDT/SP), que o confrontou.

A Tábata fez o que queria, de me apertar com uma posição agressiva. Tudo bem, eles [parlamentares] estão no seu papel, embora eu ache que o Parlamento se desvia um pouco às vezes de sua função, de representar os interesses do cidadão e ver quais as reformas que estão em andamento e como elas se ajustam a esses interesses.

Se você pega a gravação desses depoimentos, a gente vê que é um diálogo de surdos. O parlamentar fala pro seu celular, que está conectado com a base dele, com o objetivo de mostrar que é a fera que consegue acuar os ministros. É um show de vaidades e de utilitarismo político que não faz sentido.

O senhor foi indicado pela porção olavista do governo e depois diz que teve pressão deles por sua queda. Foi por causa do seu discurso de pacificação e oposição à guerra cultural?

Os olavistas queriam continuar fazendo guerra cultural, guerra de palavras. Então, chamei um dia os colaboradores e falei: nós ganhamos as eleições, somos governo e precisamos dar contas à sociedade que nos elegeu. O presidente Bolsonaro foi eleito com 58 milhões de votos e nós precisamos dar satisfação não só a eles, mas a todos os brasileiros. Precisamos cumprir as promessas que colocamos. Mas para isso precisa de trabalho, suar a camisa. E comecei a apertar meus secretários para que cumprissem horário, efetivassem realmente as propostas que cada secretaria tinha a serem atingidas.

E, evidentemente, os militantes não gostaram. Porque militante gosta de militar, não de trabalhar. Então eu falei: nós temos que somar, não podemos dividir. Não faço distinção de ideologia. Quem quiser participar desse cardápio de políticas públicas, seja bem-vindo. Se não quiser, pode sair. Mas não vou fazer guerra cultural no ministério. Porque eu tinha um plano, uma rota. Primeira coisa que queria fazer era melhorar os índices do Ensino Fundamental, que são péssimos.

Hoje o olavismo parece em baixa no governo. Acha que as coisas funcionam melhor?

Pelo menos Bolsonaro consegue sobreviver se afastando do olavismo. Porque, com os olavistas no cangote não dá para governar. São terraplanistas falando de coisas que são folclóricas, mas não ajudam a governar. Coloca no meio de tudo a pandemia e é um troço terrível. Não é apenas no Brasil que o pessoal está desesperado, é no mundo afora.
É difícil. Sobreviver numa pandemia não é brincadeira. E, no Brasil, infelizmente tivemos isso num começo de governo, que terminou esvaziando muitas possibilidades, os recursos tiveram que ser empenhados para isso.

Além do olavismo, também está num momento de baixa no governo o liberalismo do ministro Paulo Guedes, do qual o senhor se diz admirador.

Eu sou um liberal conservador. Acredito na livre iniciativa, porque qual é a forma de fazer dinheiro? O capitalismo é que gera riqueza. Mas gerar só não funciona, tem que colocar isso num contexto social. É necessário gerir a riqueza democraticamente. Eu gosto de um liberalismo com compromisso social. Um liberalismo que olha para o bem comum. É o bem individual compromissado com o bem comum, como dizia um dos grandes teóricos desse liberalismo, o francês Alexis de Tocqueville, no século XIX. Ele visita a América em 1839, fica impressionado com a pujança, e se pergunta o que ocorre ali que não ocorre na Europa. E diz: livre iniciativa e um governo que funciona sem sufocá-la. Então, liberalismo de costas à sociedade, jamais. Embora haja malucos que acreditam nisso.

O ministro Paulo Guedes tem feito um sacrifício grande porque é muito difícil gerir uma proposta interessante, de estimular o sistema produtivo para melhor distribuir riqueza. Mas infelizmente no Brasil pesa muito a burocracia estatal. Você vê que as privatizações não andam, ficam atravancadas, quando a solução é privatizar.

O grande problema do Paulo Guedes é que ele está encontrando um freio. Para a sobrevivência política, o presidente Bolsonaro teve que fazer alianças com o Centrão, gente que gosta do orçamento. E a privatização ficou meio freada, acho eu. Ideal teria sido continuar com a proposta liberal e que houvesse as privatizações. Infelizmente, hoje vemos um liberalismo meia sola.

O senhor também disse que lhe faltou media training, né? Declarações polêmicas do senhor como quando comparou os brasileiros a canibais ajudaram a aumentar a pressão sobre o senhor. Ao presidente Bolsonaro falta media training?

Acho que todo mundo precisa de media training. No meu caso, sou professor da Escola do Estado Maior do Exército. As Forças Armadas me chamaram e disseram: pelo amor de Deus, ministro, precisa de media training. A Aeronáutica me forneceu um curso de media training fantástico. E ia fazer o do Exército depois, mas não deu tempo.

Mas é necessário. Aí que senti falta de estar num partido que me oferecesse esse tipo de treinamento. Me faltou isso, certamente. Evidente também que a grande imprensa não foi justa comigo. Interessada principalmente em que não houvesse mudanças no esquema das universidades federais.

Como o senhor avalia o governo do qual participou?

Eu lamento que o governo Bolsonaro tenha se enredado em questões de caminhada. O falecido ministro [Gustavo] Bebianno percebia que o fim dele estava próximo, os amigos dele diziam isso. Quando a pessoa sente que está chegando ao fim, decide chutar o pau da barraca. E ele revelou aquela carta que escreveu do fundo do coração para o presidente da República. O que ele escreveu? Coloque seus filhos no lugar deles, de filhos, e governe para o Brasil. E se veja livre de Olavo de Carvalho, porque esse tipo de conselheiro atrapalha.

Então, acho que a proposta do Bolsonaro seria muito boa porque a gente precisa de uma experiência de gestão de direita no Brasil. Porque estamos vindo de uma experiência de 30 anos de gestão da esquerda. Já chega de esquerda, é necessário que o pêndulo mude. No Brasil virou samba de uma nota só. E a proposta da esquerda está desgastada, porque a esquerda sabe fazer as coisas aumentando a carga de impostos. Veja como aumentou desde o governo Fernando Henrique. E nos governo petistas, piorando com corrupção escancarada. Então, é necessário que haja um governo de direita. Bolsonaro poderia ter tido a possibilidade de realizar um bom governo de direita, liberal, conservador.

Mas a imprensa passou a desqualificá-lo desde o primeiro dia. Eu fui desqualificado antes de tomar posse. Tem uma deslealdade porque eles são já fechados com o esquema do governo anterior. Isso não é fazer democracia. É necessário um governo de direita para mostrar que a direita também sabe governar. E depois voltaria a esquerda, possivelmente. É necessário que haja alternância democrática. Não vamos xingar os de direita de nazi-fascistas antes de ouvi-los e ver como estão governando.

Mas o governo de Bolsonaro acho que poderia ter dado muito mais em termos de reformas, em termos de uma gestão liberal conservadora.

O senhor está lançando um livro de memórias, o Da Esquerda para a direita, sobre sua juventude na esquerda. O jovem Ricardo Vélez era de esquerda mesmo?

Na minha juventude, eu passei pelo seminário e, no curso de Teologia, tive a oportunidade de me vincular com grupos da extrema esquerda católica. Fui convidado para trabalhar com jovens. E o capelão da Universidade Nacional da Colômbia era um dos fundadores da Teologia da Libertação, o padre Camilo Torres [religioso e guerrilheiro, 1929-1966]. A tese dele era que, sem revolução socialista, não haveria como pregar o Evangelho. E, no caso, uma revolução armada. Ele era radical, tinha estudado na Bélgica e se misturado com ativistas de extrema-esquerda. Tanto que, poucos anos depois, na guerrilha, ele se colocou como bucha de canhão para ser sacrificado, criando um mártir para esquerda.

Então, quando sai do seminário, continuei vinculado aos grupos da extrema esquerda católica que se aproximaram da guerrilha. Alguns dos meus colegas terminaram criando o M-19 na Colômbia [grupo da guerrilha armada]. Outros foram para outras organizações, mas havia um apostar romanticamente na ideia de que só pelas armas se conseguiria realizar um câmbio para o socialismo. Então eu tinha uma visão trotskista radical, mas terminei mudando o meu ponto de vista com o decorrer dos anos.

Então o senhor, quando jovem, seria um crítico ferrenho do governo Bolsonaro, certo?

Seria um crítico feroz, sem dúvida nenhuma. Minha posição era me opor de armas na mão contra os regimes chamados burgueses ou capitalistas.

E o que o professor Vélez de hoje diria a esse jovem e a quem se opõe de forma radical ao governo?

Em filosofia há dois grandes pensadores de política, da Grécia. O idealista, que era Platão, e o pé no chão, que era Aristóteles, seu discípulo. E Aristóteles disse: a política não é a ideal, é a possível. Eu diria para os jovens que pensam em armas: essa não é a política possível. É a política impossível. Porque se você pega todos os movimentos revolucionários da América Latina desde os anos 1960… só reforçaram o status quo. Somente no caso de Cuba, que é uma ilha, e hoje um pouco no caso da Venezuela. Mas é muita dificuldade para se manter. O poder pelas armas é muito caro. É o que se paga nas ditaduras comunistas. O comunismo, para se manter no poder na Rússia, teve que matar 20 milhões de pessoas. O Livro Negro do Comunismo calcula em 100 milhões o número de vítimas. É um preço muito salgado. A política é na base do ensaio do erro, então a melhor política é a que tem oposição, onde há oportunidade de afinar os instrumentos de gestão.

O senhor lançou algumas bases quando assumiu, queria focar na implementação da reforma do ensino médio iniciada na gestão anterior para atacar o que via como grande problema, que era a evasão no fim do fundamental. Há bases sendo seguidas apesar das mudanças de gestão? A educação brasileira hoje segue um rumo?

Infelizmente a coisa está muito no ar. Primeiro, precisaríamos ter mudados parâmetros de formação de professores. É necessário formar professores, eu queria ressuscitar as Escolas Normais, que formam professores pro ensino Fundamental. Temos excelentes especialistas, me reuni com pessoas de várias tendências políticas, mas que conhecem e poderiam trabalhar essas mudanças nos parâmetro de formação de professores. Segundo, queria fazer a reforma do ensino Fundamental dos últimos anos, porque há uma evasão muito grande, 30% dos jovens abandonam porque não encontram nada de interessante. Queria tornar um ensino profissionalizante já voltado ao mercado de trabalho, como ocorre já em alguns lugares. Eu me aproximei do modelo da Fundação Paula Souza, de São Paulo, que faz esse trabalho com bons resultados.

E terceiro, uma reforma profunda de gestão das universidades públicas. A crise das universidades públicas é de gestão. Porque o Brasil hoje despende 6% do seu PIB com educação. Nosso problema não é de recursos, mas de má gestão deles.

E hoje nenhum reitor pode gerir com responsabilidade e eficiência porque é eleito pelo sindicato da CUT. E o sindicato quer grana, mas não quer resultados pedagógicos. Então eu queria mudar o processo de escolha do reitor. Não privatizaria [as universidades]; é melhor reformular a gestão. É um patrimônio da nação que precisa ser gerido com responsabilidade. Queria que fosse como no ITA, onde uma comissão de busca de currículos abre um concurso de seleção. Os cinco melhores currículos são selecionados e seus titulares debatem com a comunidade acadêmica sua proposta de gestão. Estudantes, professores, funcionários e queria incluir os empresários da região, que é quem oferece o mercado de trabalho. E os três melhores são escolhidos e passa para a autoridade competente escolher. E haveria uma volta da universidade ao que deveria ser: prestadora de serviços de alta qualidade pra sociedade. Na minha minha universidade de origem, em Juiz de Fora, onde trabalhei por 30 anos, prefeito da cidade sempre se queixava: mas o que a universidade faz pela nossa cidade?

Hoje não vemos grandes projetos na educação, o Future-se, que ex-ministro Abraham Weintraub, sequer foi apresentado como proposta de lei. Parece que fica as escolas cívico-militares como grande programa da Educação.

É muito pouco. O professor Weintraub trouxe uma proposta interessante do ponto de vista do financiamento de universidades. É importante, mas não é solução única. Primeiro a ser resolvido é esse problema de gestão.

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