Para onde vão os 10% que os clientes deixam de gorjeta?
Nem tudo fica com o garçom. Nova lei prevê cobrança de impostos e encargos trabalhistas também em cima do que é pago a mais pelo consumidor
atualizado
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Desde o ano passado, a gorjeta paga pelos clientes aos garçons e demais funcionários de bares, restaurantes e hotéis virou uma taxa oficial. Deixar um dinheirinho a mais pelo serviço prestado continua sendo opcional para o consumidor, quem escolhe se deseja contribuir e com quanto. No entanto, com a oficialização da gorjeta, nem toda a gratificação vai para o bolso do profissional responsável pelo atendimento. Por melhor que tenha sido o trabalho do atendente, de 20% a 33% do recurso deixado pelo freguês satisfeito é retido pelo dono do estabelecimento.
A mudança entrou em vigor com a Lei Federal nº 13.419, de março de 2017, mais conhecida como Lei da Gorjeta. A norma estabelece que o empregador deve retirar a porcentagem do estabelecimento e ratear o restante do valor pago a mais pelo cliente de maneira igual entre seus funcionários. Tudo que o empregado receber tem de ser lançado na carteira de trabalho. Já a fatia arrecadada pelo patrão deve ser usada para o custeio dos encargos trabalhistas, como férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).A variação do percentual que ficará com a empresa depende agora do tamanho do comércio, e isso define o modelo de tributação na qual ele se encaixa. Ou seja: quanto maior o estabelecimento, mais impostos ele paga e, assim, maior será a fatia de cada gorjeta a sair do bolso do funcionário para o caixa da firma.
Governo saiu no lucro
As alterações mais agradaram que contrariaram empresários, funcionários e sindicatos. Mesmo assim, eles reclamam de um ponto: há mais dinheiro indo para os cofres do governo. “Para mim, a melhor parte foi que agora eu posso comprovar de onde vem certa renda do restaurante. Antes, eu declarava uma quantia e, no fim, ela era maior, porque a maioria da gorjeta é paga no cartão, e a gente precisa pagar imposto e explicar à Secretaria de Fazenda”, afirmou o empresário Rafael Benevides.
Ele considera que, para o pequeno comerciante, o qual arca com menor carga tributária, não houve perdas nem ganhos com a nova legislação. “Para mim, trocou seis por meia dúzia. A quantia que a empresa retém hoje do valor da gorjeta é suficiente para pagar os impostos e direitos trabalhistas. Acho que quem saiu ganhando, no fundo mesmo, foi só o governo”, pontuou.
O presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Sindhobar), Jael Antônio da Silva, é mais otimista. “Nós apoiamos a norma, pois estabelece as regras e as bases legais da gorjeta, melhora muito a relação empresa-funcionário e traz uma grande segurança jurídica aos empresários”, afirmou.
Funcionários divididos
Entre os garçons, sobram dúvidas e faltam informações. Alguns reclamam que a renda caiu com a cobrança de taxas em cima da gratificação e, com isso, precisaram apertar o cinto, inclusive tirando filhos de escolas particulares e buscando novas fontes de renda.
A gente ainda não entendeu muito bem como isso vai funcionar. Por ora, eu tenho achado ruim. Tirar 20% do seu orçamento não é fácil
Márcio Pereira, 31 anos, há mais de 10 no ofício de garçom
Mais experiente na função, Airton Rosa, 39 anos, prefere a segurança de ter os direitos trabalhistas honrados a um salário mais gordo. “Claro que o dinheiro faz falta, mas sei que vou pegar ele, lá na frente, de volta. A gorjeta no contracheque me permite comprovar uma renda maior para financiar uma casa, por exemplo. Sem contar a aposentadoria – é mais contribuição para o INSS”, avaliou.
Opinião similar à do Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro, Restaurantes, Bares e Similares do Distrito Federal (Sechosc), representante da categoria. De acordo com o coordenador jurídico Jairo Soares dos Santos, a entidade sempre defendeu que as gorjetas integrassem o salário fixo dos funcionários.
Para os clientes, a informação de que nem toda a gratificação deixada vai para o profissional responsável pelo bom atendimento é novidade. José Mário Cardoso, 32 anos, afirma sempre pagar o valor extra quando gosta do serviço prestado, mas agora vai pensar duas vezes antes de engordar o pagamento da conta. “Saber que uma parte vira mais imposto para o governo me surpreendeu. Por mais que não queira isso, também não quero parar de pagar, porque muitos trabalhadores precisam desse dinheiro a mais”, comentou.