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Para especialistas, violência envolvendo a PRF expõe pressão política

Pesquisadores e ex-gestores de segurança veem erros de procedimento em ações policiais que terminaram tragicamente

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Agentes da PRF colocam Genivaldo em viatura na cidade Umbaúba, Sergipe. Ele morreu sufocado por um gás no camburão do carro policial - Metrópoles
1 de 1 Agentes da PRF colocam Genivaldo em viatura na cidade Umbaúba, Sergipe. Ele morreu sufocado por um gás no camburão do carro policial - Metrópoles - Foto: Reprodução

Responsável pela segurança viária e pela repressão a crimes em rodovias federais, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) protagonizou os mais recentes e chocantes episódios de violência armada no país, ora como vítima, ora como algoz.

Especialistas e ex-gestores de segurança pública ouvidos pelo Metrópoles avaliam que mudanças no perfil de atuação da instituição e pressões políticas ajudam a explicar desvios técnicos que acabam em tragédia. Há, porém, quem veja uma instrumentalização das tragédias recentes para servir de motivação para ataques a uma tropa com histórico de bons serviços prestados ao país.

Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, que preside o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os episódios de violência mostram que a instituição enfrenta problemas operacionais, que, para ele, seriam consequência de um uso político da corporação pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lima vê conexões entre a morte de dois agentes da PRF no Ceará na semana passada, vítimas de um homem que tomou a arma de um deles durante abordagem, e a câmara de gás improvisada em uma viatura, que resultou na morte de um homem com doença mental na última quarta-feira (25/5), em Sergipe.

“Ambos são, aparentemente, casos de abordagem a pessoas em surto psicótico, e casos que sinalizam que a PRF está com problemas de treinamento, ou não observa mais seu manual de procedimentos, porque foram adotados procedimentos fora de protocolo. Nos dois episódios, aparentemente, os agentes entraram em luta corporal e tomaram atitudes que não condizem com o manual”, avalia o especialista, que explica:

“O manual policial explica que bombas de gás lacrimogêneo são armas de dispersão, para serem usadas em contexto de multidão. Já o gás de pimenta serve para afastar agressores. Usar esses meios contra uma pessoa específica é um desvio técnico. Se o homem já estava imobilizado na viatura, um lugar fechado, é outro desvio técnico. Para evitar esse confronto corpo a corpo, como foi o que ocorreu no Ceará, há armas como cassetete”.

Veja imagens da abordagem da PRF que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, na última quarta-feira:

“Tropa enferma”

O advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário estadual de Justiça de São Paulo, membro da Comissão Internacional de Juristas e da Comissão Arns, afirma que as imagens de agentes prendendo um homem em uma viatura e jogando gás lacrimogêneo e spray de pimenta demonstram que a PRF opera em situação anormal.

“Me parece que a tropa está enferma, porque membros de uma tropa sadia não tomariam uma atitude assim, totalmente sem compaixão, totalmente sem conexão com os protocolos de uso desses materiais”, afirma ele em entrevista ao Metrópoles.

O jurista evita fazer uma ligação direta entre o comportamento violento de policiais e a liderança política de Bolsonaro, mas não acha que os episódios de violência extrema possam ser tratados como exceção. “E quando falo que a tropa está enferma, não quero dizer que deva haver um excludente. Os policiais que torturaram Genivaldo são criminosos e precisam ser punidos. Eles não têm condições de estar nas rodovias”, afirmou.

Alinhamento político

Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, o advogado Guilherme Rodrigues da Silva, sócio de AVSN Advogados Associados, avalia que há uma mudança na orientação funcional da PRF e vê responsabilidade do presidente da República nesse movimento.

“A PRF é historicamente marcada por bons quadros, por policiais mais preparados do que a média dos PMs, por exemplo. Marcada por uma atuação muito técnica, mais a salvo da lógica de repressão, mas, em um curto espaço de tempo, estamos vendo a instituição se envolver em seguidos episódios de violência repressiva. Alguma coisa há por trás disso, e, pra mim, essa coisa é um alinhamento político com o governo federal”, afirma ele.

Mais de duas dezenas de mortos

A PRF também está envolvida na operação policial que se tornou a segunda mais letal da história do Rio de Janeiro, a ocupação da favela de Vila Cruzeiro nesta semana, que resultou em ao menos 23 mortes e é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Para Renato Sérgio de Lima, o engajamento dos policiais rodoviários em uma operação como essa mostra que a corporação enfrenta as consequências de uma mudança em seu perfil operacional. “A PRF mudou de lugar no sistema de segurança pública, ganhou importância sob Bolsonaro, passou a investir em equipamentos e ações de inteligência, passou a trabalhar com outras polícias em ações que não faziam parte de seu escopo”, narra o especialista.

“Enquanto isso, problemas estão aparecendo no que era o trabalho cotidiano deles, que é o policiamento nas rodovias. Esses desvios de procedimento precisam de uma explicação”, cobra Lima.

Na noite de quinta, após um dia de intensa pressão na mídia e nas redes sociais, a PRF informou que afastou de suas funções os agentes envolvidos na ocorrência que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos.

“Polícia amiga do poder”

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública avalia que essa mudança no perfil da PRF é estimulada pelo presidente Bolsonaro. “É uma instituição com muita mobilidade, que pode dispor de helicóptero, que pode se deslocar com facilidade, então o Bolsonaro carrega a PRF para todo lugar, fica na beira de rodovias com eles, a primeira-dama usa a farda, eles têm o reajuste sempre defendido pelo presidente. É um papel de relevância política”, argumenta Lima. “A PRF se tornou a polícia amiga do poder, o que está tendo consequências.”

“Eles sempre fizeram cooperação com estados e outras polícias e têm autorização legal, mas fazer junto a operação, como foi no Rio, é muito além de cooperação. Eles fizeram uma espécie de operação de inteligência, que não é atribuição da PRF nem da PM, mas de inquéritos da Polícia Civil e de investigações em processos judiciais”, conclui o especialista.

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Agentes da PRF colocam Genivaldo de Jesus Santos em viatura
Dentro do carro, foi feita uma espécie de "câmara de gás", que causou a morte de Genilvado por asfixia, segundo laudo do IML
O presidente Jair Bolsonaro
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Primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o presidente Jair Bolsonaro

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Agentes da PRF colocam Genivaldo de Jesus Santos em viatura

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Dentro do carro, foi feita uma espécie de "câmara de gás", que causou a morte de Genilvado por asfixia, segundo laudo do IML

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Contraponto

Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, o procurador Mágino Alves Barbosa Filho discorda de quem vê descaminho na trajetória de atuação da PRF e avalia que os recentes atos violentos são sim isolados. “Foram três ocorrências muito chocantes, mas não vejo relação entre elas”, afirma.

“Essa morte em Sergipe destoa de qualquer atuação policial que eu tenha conhecimento. É um claro desvio de conduta, algo que não acontece o tempo todo. Eu, quando atuei como gestor da Segurança em São Paulo, nunca tive notícia de ações de PRFs que transbordassem a lei. Pelo contrário, eles sempre demonstraram muita eficiência, sobretudo na área de inteligência”, completou o jurista, que achou correta a reação da corporação após a divulgação do evento da “câmara de gás”.

“Eles adotaram a conduta correta, instauraram um procedimento de apuração, afastaram os policiais de suas funções. Tenho certeza de que eles serão punidos na forma da lei”, afirma Barbosa Filho.

Coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública, também conhecida como Bancada da Bala, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) acha “absurdo” julgar toda uma corporação por causa desses episódios recentes.

“A PRF realiza milhares de abordagens por mês e uma ou outra acaba tendo resultado como esse. É injusto com a instituição fazer qualquer pré-julgamento, os procedimentos da PRF são corretos e funcionam”, disse ele ao Metrópoles. “É uma instituição com credibilidade, a polícia que mais apreende armas e drogas no Brasil”, valorizou o parlamentar, que defende, entretanto, a apuração rigorosa de desvios:

“Na segurança pública, não temos compromisso com o erro. Quem erra é punido, mas é preciso aguardar os processos. Se até marginais filmados cometendo crimes são considerados apenas suspeitos até que sejam julgados, que se dê aos policiais esse direito”, pede ele.

Versão da PRF

Procurada pelo Metrópoles, a PRF não respondeu de modo específico sobre as recentes ocorrências violentas envolvendo a corporação. Em nota divulgada ainda na quarta, a corporação anunciou a instauração de procedimento para apurar a conduta dos agentes envolvidos na morte em Sergipe.

“[Genivaldo] Foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil. No entanto, durante o deslocamento, passou mal, foi socorrido e levado para o Hospital José Nailson Moura, onde posteriormente foi atendido, e o óbito, constatado” argumentou a corporação, sobre Genivaldo de Jesus Santos.

A Polícia Rodoviária Federal alegou também que a vítima resistiu “ativamente” à abordagem e que teriam sido “empregadas técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção”.

Bolsonaro não condena ação que acabou em morte

Questionado na última quinta-feira, em conversa com jornalistas em Brasília, o presidente Bolsonaro tentou evitar comentários mais profundos sobre a ação da PRF que acabou com a morte de Genivaldo.

Ao ser perguntado sobre o assunto, Bolsonaro disse que não se admite executar ninguém, mas que iria pedir informações à PRF.

Ele ainda lembrou do outro episódio envolvendo a PRF, mas com os policiais como vítimas, não como autores de crimes.

“Vou me inteirar com a PRF”, disse. “O que eu vi há pouco, há duas semanas, aqueles dois policiais executados por um marginal que estava andando lá no Ceará. Foram negociar com ele, o cara tomou a arma dele e matou os dois”, lembrou o presidente. “Uma coisa [caso no Ceará] é execução. A outra [caso Genivaldo] eu não sei o que aconteceu. Ninguém admite ninguém executar ninguém. Mas não sei o que aconteceu para te dar uma resposta adequada”, completou o presidente.

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