Para AGU, corrupção na Petrobras é atentado contra os direitos humanos
Antes considerado apenas um crime contra a administração pública, o delito começa a ser interpretado como uma violência contra o cidadão
atualizado
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A revelação, pela Operação Lava-Jato, de que a corrupção foi institucionalizada dentro da principal empresa estatal brasileira, a Petrobras, vem causando mudanças tanto na sociedade quanto na aplicação de punição no país. A prisão inédita de caciques e ex-caciques políticos, além de megaempresários, é apenas uma das mostras dessa alteração na rota da tolerância que havia com relação à roubalheira. A própria interpretação da Justiça está mudando junto a esse novo cenário.
No passado, a versão jurídica dominante na análise de casos de corrupção tratava esses desvios como simples atentados contra a administração pública. Essa visão, no entanto, mudou. Amparados no caráter social da Constituição de 1988, que prevê o estado como provedor de uma série de direitos fundamentais, como saúde e educação, a Advocacia Geral da União (AGU), que já protocolou quatro ações civis públicas contra empresas e personagens da Lava-Jato, agora interpreta oficialmente atos de corrupção como uma violência não apenas aos cofres públicos, mas sobretudo aos direitos humanos.E essa interpretação consta das ações civis públicas que, somadas, pedem o ressarcimento de R$ 25 bilhões surrupiados por empresas e operadores políticos dos cofres públicos. Entre os alvos, estão companhias do calibre da Camargo Corrêa, OAS, Engevix, entre outras, além de figuras como Marcelo Odebrecht, Paulo Roberto Costa, Alberto Yousseff e Renato Duque, o último fortemente ligado ao petista José Dirceu. E mais ações estão a caminho.
A corrupção costumava ser considerada um crime contra a administração pública. Na nossa visão, não é. É algo maior que isso. Não apenas a União que é lesada. Se o recurso (público) não chega aos destinatários, o principal lesado é o povo
Rogério Pereira, advogado da União e membro da força tarefa da Lava Jato em Curitiba
Em uma ação civil pública datada de 14 de março deste ano, por exemplo, a AGU detalha como essa roubalheira influenciou na aplicação do orçamento público. O problema ocorria especialmente nos decretos autorizando a liberação de mais verbas para a estatal que via seus cofres vazando para bolsos indevidos.
Em 2013, por exemplo, quando a quadrilha ainda operava a pleno vapor na estatal, uma verba de R$ 7,1 bilhões foi transferida da rubrica de investimento do país para a Petrobras, assim, genericamente. Após citar essa e outras duas transferências, a AGU destaca no documento a relevância para a União ressarcir os valores desviados da empresa.
“Em suma, além de riquezas que a própria Petrobras gerava com a sua atividade empresarial, é certo que a Estatal recebia valores advindos do orçamento da União, o que por si só justifica seu interesse na presente ação”, diz trecho do documento.
Interpretação
A interpretação da corrupção como afronta aos direitos humanos não é novidade no plano mundial. A própria Organização das Nações Unidas (ONU) já preconizara essa visão em 2003, quando um documento da Comissão de Direitos Humanos (CDH) destacou que a instituição estava “profundamente preocupada pelo fato de a corrupção prejudicar gravemente o gozo dos direitos humanos, sejam econômicos, sociais e culturais ou civis e políticos”. Daí por diante, a interpretação ganhou força no seio da organização.
A primeira menção aos roubos na Petrobras como crimes contra os direitos humanos surgiu em uma ação civil pública de 2 de junho de 2015, de autoria da AGU junto à Procuradoria da União no Paraná. No documento, as instituições assim descrevem a interpretação: “Dada a magnitude da ação e os vários esquemas ilícitos criados pelos envolvidos, que vão desde o suborno de agentes públicos até a lavagem de dinheiro, os atos praticados pelos réus violaram os Direitos Humanos de todo um povo; de toda uma nação”, defendem as instituições. “Certamente toda a sociedade espera uma resposta justa e efetiva no caso em questão”, prossegue o documento.