Para a PF, clã Bolsonaro mentiu sobre joias na Fazenda Piquet
Segundo relatório da PF, “estratégia articulada pelos investigados era garantir versão falsa” sobre armazenamento de joias na Fazenda Piquet
atualizado
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Pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mentiram para a Polícia Federal e reproduziram a narrativa na imprensa sobre o armazenamento de joias na Fazenda Piquet, em Brasília. Essa é uma das conclusões do relatório da PF que acabou com o indiciamento de Bolsonaro.
O documento aponta como a “estratégia articulada pelos investigados” garantiu a versão falsa da história que colocava as joias recebidas de presente na Fazenda Piquet, do ex-piloto de Formula 1 Nelson Piquet. A narrativa foi contada em depoimento de mais de um investigado, mas derrubada na apuração policial.
O relatório cita que o conjunto “kit ouro rosê”, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio, recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, foi levado, pelo avião presidencial em 30 de dezembro de 2022, para os Estados Unidos. O item foi a leilão em Nova York, mas não foi arrematado.
“Posteriormente, após a tentativa frustrada de venda, e cientes da restrição legal de comercializar bens do acervo privado presidencial no exterior, somado à divulgação na imprensa da existência do referido kit, Mauro Cid, Marcelo Camara e Osmar Crivelatti organizaram uma ‘operação de resgate’ dos bens”, aponta o documento. Nesse momento, o grupo afirmava que o kit estava na Fazenda Piquet.
Uma troca de mensagens entre Marcelo Camara, ex-assessor de Bolsonaro, e Mauro Cid mostra preocupação com uma possível vistoria no local. Após matéria da imprensa levantar a possibilidade de vistoria do Tribunal de Contas da União (TCU) no local, Camara escreve: “O problema é que essa matéria está falando que se o TCU quiser ir lá vai encontrar e não vai”.
Mentira à PF
Osmar Crivelatti, que atuava como segurança do ex-presidente, chegou a dar à PF a versão falsa sobre o armazenamento na fazenda. Em 27 de março de 2024, ouvido novamente, ele mudou a versão.
“Indagado sobre o motivo de faltar com a verdade no depoimento prestado, na condição de testemunha, afirmando falsamente que retirou os itens integrantes do kit em ouro rose diretamente da Fazenda Piquet e os entregou ao advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, respondeu que tinha ciência de que o coronel Marcelo Camara, em declarações anteriores à Polícia Federal, tinha afirmado falsamente que o kit em ouro rose estaria na Fazenda Piquet. Que, diante disso, quando foi convocado a prestar esclarecimentos na Polícia Federal, o declarante procurou manter a mesma versão, mesmo ciente da falsidade das afirmações”, aponta o documento da PF.
A mesma versão falsa foi repetida por diferentes testemunhas ouvidas, como o próprio Jair Bolsonaro, “com o objetivo de não revelar que as joias foram enviadas aos Estados Unidos para serem vendidas ilegalmente”. O relatório aponta que o grupo demonstrava preocupação que fosse descoberto que os itens não estavam efetivamente no Brasil.
“As declarações prestadas por Jair Bolsonaro não condizem com os fatos apurados, pois as joias do ‘kit ouro rose’ nunca foram para a denominada Fazenda Piquet, local, na cidade de Brasília/DF onde estão armazenados os itens do acervo privado do ex-presidente da República. Ao contrário, após serem desviadas do acervo público, no final do ano de 2022, as joias foram para os Estados Unidos, por meio do avião presidencial”, diz o relatório.
Sigilo derrubado
Nesta segunda-feira (8/7), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo do caso das joias. Moraes considerou que, com o relatório final do caso apresentado pela Polícia Federal na semana passada, não há razão para manter o processo sob discrição.
Agora, a Procuradoria-Geral da União terá o prazo de 15 dias para pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar denúncia.
O relatório da PF indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas no caso em que é apurada a venda ilegal no exterior de joias recebidas durante o mandato presidencial. A PF concluiu que houve crime de peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e advocacia criminosa.
Veja quem são os indiciados:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República: acusado de fazer parte do esquema de venda de bens entregues por autoridades estrangeiras. O valor arrecadado com a venda dos itens teria a finalidade de ser incorporado ao patrimônio dele;
- Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro: indiciado por peculato e associação criminosa;
- José Roberto Bueno Jr., oficial da Marinha do Brasil: indiciado por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro;
- Júlio Cesar Vieira Gomes, auditor que chefiou a Receita Federal no governo Bolsonaro: indiciado por peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e advocacia administrativa;
- Marcelo da Silva Vieira, então chefe do gabinete de documentação histórica da Presidência da República: indiciado por peculato e associação criminosa;
- Marcos Soeiro, ex-assessor de Albuquerque, que carregou a mochila com as joias: indiciado por peculato e associação criminosa;
- Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro: indiciado por associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato – quando o funcionário público se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio;
- Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, advogados da família Bolsonaro: indiciados pela PF por lavagem de dinheiro e associação criminosa. Wassef entrou em ação após o caso do desvio de um kit contendo um relógio da marca Rolex; ele chegou a ir aos Estados Unidos recuperar o item, que foi entregue a Cid;
- Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cesar Cid: indiciado por lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele ocupou cargo no escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami e, segundo a PF, teria negociado a venda dos itens nos Estados Unidos;
- Osmar Crivelatti, então assessor de Bolsonaro: indiciado por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Inquérito
A Polícia Federal abriu inquérito, em 2023, para investigar as tentativas do governo Bolsonaro (PL) de entrar ilegalmente com joias da Arábia Saudita no Brasil. Os objetos foram avaliados em R$ 5 milhões.
O estojo de joias – com anel, colar, relógio e brincos de diamante, oriundos da Arábia Saudita – estava retido na Receita Federal, em São Paulo, e foi entregue à PF, em 5 de abril.
O material foi apreendido no Aeroporto de Guarulhos, ainda em 2021, quando as peças chegaram ao Brasil na mochila do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Depois, descobriu-se que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou outros dois presentes da Arábia: o próprio mandatário recebeu o primeiro deles, em 2019; o segundo presente veio com o estojo apreendido, mas passou incólume pela fiscalização da Receita.