Pandora Papers mostra papel de banco português na propina de US$ 90 mi da Odebrecht a ministro de Maduro
Empreiteira brasileira pagou para ministro de Obras Públicas do regime de Nicolás Maduro
atualizado
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A Odebrecht participou, entre 2012 e 2014, de um esquema de corrupção envolvendo o ministro de Obras Públicas da Venezuela, Haimal el Troudi, e um dos maiores bancos de Portugal, o Banco Espírito Santo (BES), que colapsou em 2014. Ao todo, mais de US$ 92 milhões teriam sido pagos em propina pela empreiteira brasileira para o ministro de Nicolas Maduro.
As comissões pagas por debaixo da mesa pela Odebrecht na Venezuela foram parar em uma companhia offshore no Panamá, a Cresswell Overseas, encomendada e administrada pelo gestor português Paulo Murta, tendo como beneficiária secreta Maria Eugénia, a esposa de El Troudi.
O caso é revelado por uma investigação do Expresso, que tem por base o Pandora Papers, uma fuga de informação com 11,9 milhões de arquivos, em colaboração com o Armando.info, na Venezuela, e o Miami Herald, nos Estados Unidos, e coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). No Brasil, fazem parte do Pandora Papers o Metrópoles, a revista Piauí, a Agência Pública e o site Poder360.
Discreta e pacata, Lisboa era, no fim de 2013, um canto na Europa para onde toda a gente parecia querer mudar-se. Por que é que a venezuelana Maria Eugénia Baptista Zacarias não haveria de aproveitar o momento para garantir também ela um refúgio no Chiado, o bairro mais caro da cidade?
No outro lado do Atlântico, Hugo Chávez tinha morrido em março daquele ano e, embora uma profunda crise social e econômica começasse a cavar divisões irreversíveis na Venezuela, a substituição do comandante por Nicolas Maduro no cargo de presidente mostrava ter pelo menos um lado bom: o marido de Maria Eugénia, Haiman El Troudi, fora nomeado ministro das Obras Públicas. Era um motivo para celebrar. E pensar no futuro.
Dois dias depois de Nicolas Maduro ter recebido poderes especiais do parlamento para governar por decreto, com o pretexto de querer imprimir uma “ofensiva econômica” no país, Maria Eugénia criava, em 21 de novembro de 2013, uma pequena empresa em Lisboa, sem funcionários nem atividade, a Publicicorp. Pouco depois essa empresa, comprava um apartamento duplex num edifício de luxo no coração da cidade, no Chiado, o Ivens 31, por 1,5 milhões de euros, onde uma outra figura conhecida do mundo das obras públicas tinha também arranjado uma casa meses antes: Pedro Novis, antigo CEO da gigante brasileira Odebrecht.
Arquivos confidenciais da Aleman, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), um escritório de advogados no Panamá que é uma das origens da fuga de informação do Pandora Papers e que incorporou a Cresswell Overseas, mostram detalhes de como, entre 2012 e 2014, um português chamado Paulo Murta abriu e geriu contas, em nome dessa companhia offshore, no Espírito Santo Bankers Dubai (ESBD) e na Sucursal Financeira Exterior do BES na Madeira, a que se seguiu uma última conta aberta, em julho de 2014, no Meinl Bank.
Ao todo, US$ 92,1 milhões foram transferidos para essas contas bancárias da Cresswell pela Odebrecht, entre setembro de 2012 e dezembro de 2014. Ao mesmo tempo, a construtora brasileira garantia a sua posição em quatro grandes obras públicas do metro na Venezuela, quando Haiman El Troudi era o responsável político por esses projetos. Mais de US$ 40 milhões acabaram, mais tarde, em contas bancárias na Suíça.
O marido de Maria Eugénia Zacarias não só era ministro das Obras Públicas e presidente do metrô de Caracas desde maio de 2013, como acumulava essa função com outra que já tinha desde 2010: a de presidente do metrô de Los Teques, nos arredores da capital, incluído nas obras da Odebrecht.
O montante de dinheiro canalizado pela Odebrecht para a Cresswell já tinha sido revelado por uma investigação anterior do ICIJ, Bribery Division, mas haviam dúvidas sobre até que ponto o ministro era o verdadeiro beneficiário daquela companhia offshore.
Extraditado em julho deste ano para os Estados Unidos, a pedido de um tribunal em Houston, pelo seu envolvimento na lavagem de mais de US$ 1 bilhão com origem na petrolífera estatal venezuelana PDVSA, Paulo Murta é um antigo gestor de um albergue e restaurante na Suíça (Auberge La Balance, em Daillens), que passou a trabalhar na Gestar, uma empresa especializada em serviços fiduciários que a família Espírito Santo constituiu na Suíça, em 1981, para gerir os seus próprios ativos e as ações de alguns dos seus clientes bancários, ajudando-os a ocultar as suas fortunas, com uma carteira que chegou a ter mais de 1,2 mil companhias offshore.
Em ofício enviado em 8 de janeiro de 2020 por uma das procuradoras do processo-crime principal do Banco Espírito Santo para uma colega que trabalhava num outro inquérito-crime aberto pelo Ministério Público em 2018, é dito que, apesar de um cidadão venezuelano de nome Leopoldo José Briceño Punceles ter sido apresentado como “titular formal” da Cresswell Overseas, foi reunida “prova suficiente [sobre o fato de] que esta entidade pertence na realidade a Maria Eugénia Zacarias, esposa de Haiman El Troudi”.
Embora a Odebrecht não seja mencionada no processo-crime do BES, o Expresso confirmou que o outro inquérito-crime aberto, entretanto, em 2018, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) em Portugal, tem a ver com subornos pagos por aquela construtora brasileira.
O cruzamento do Pandora Papers e dos arquivos do processo-crime principal do BES com o que já foi descoberto em 2019 na investigação Bribery Division permite entender o resto da história.
De acordo com o que o Armando.info, o jornal Miami Herald e o site brasileiro Poder360 publicaram durante os Bribery Division, o venezuelano identificado pelo Ministério Público em Portugal como advogado de Maria Eugénia, Luís Delgado Contreras, foi denunciado por três delatores do caso da Operação Lava Jato, no Brasil, como sendo o homem que serviu de intermediário para negociar com a Odebrecht a aprovação dos contratos de obras públicas com as empresas do metrô de Caracas e do metrô Los Teques.
Delgado Contreras era tratado na Odebrecht pelo nome de código “Camelo” e foi descrito como sendo próximo do ministro El Troudi.
As denúncias foram feitas à equipe da Lava Jato, no Brasil, por Alessandro Dias Gomes e por Euzenando Azevedo, funcionários da construtora brasileira na Venezuela.
Segundo Dias Gomes, “Camelo” cobrava 2% do valor das obras, sendo que o total de comissões ultrapassaram os US$ 100 milhões e esses pagamentos foram feitos por meio da Cresswell Overseas. Um outro quadro da Odebrecht, Vinicius Veiga, também contou como aquela companhia offshore foi usada para a construtora brasileira pagar subornos.