Pandemia impede festa de aniversário em bar dedicado a Roberto Carlos
Dono do local, que reunia centenas de pessoas anualmente 19 de abril, adiou as homenagens anuais ao Rei por causa da Covid-19
atualizado
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São Paulo – Pela primeira vez no que parece ser a vida inteira, Francisco de Assis Silva está desanimado com a chegada de abril. Durante um quarto de século, o empresário de 62 anos organiza uma festa para celebrar o aniversário de Roberto Carlos, seu ídolo na música, que é tema de um bar aberto por ele em Natal.
Nos 80 anos do Rei, a comemoração que em 2019 reuniu cerca de 400 fãs vestidos de azul e branco – as cores preferidas do artista – enfileirados para comer fatias de um bolo de dois metros ao som das músicas do maior ícone da música popular brasileira é apenas um sonho distante.
Na pandemia de Covid-19, os alto-falantes do Bar Roberto Carlos não têm palavras para dizer.
Entre um pedido e outro de clientes por telefone, o proprietário do bar atende dezenas de ligações de fãs que querem saber se a tão aguardada festança irá acontecer em 2021. Mas este é o segundo ano em que o aniversário de Roberto Carlos será um dia para querer que o coronavírus vá para o inferno.
“No momento em que tudo isso passar, quando tudo estiver normal, temos que fazer uma festinha. No ano passado a gente não fez nada, mas agora são 80 anos. Que a gente consiga comemorar este ano”, diz Chico.
Quando tudo começou
O cenário atual de incerteza o faz lembrar o início de tudo no bairro Dix-Sept Rosado, há 30 anos. Na época motorista de ônibus, ele decidiu abrir um negócio que cobrisse o salário que ganhava transportando passageiros de um bairro a outro em ritmo de pouca aventura na capital do Rio Grande do Norte.
Em 1990, o hit de Roberto era Amazônia, uma canção-protesto que denuncia o desmatamento da maior floresta tropical do mundo. Mais de 30 anos depois, duas coisas permanecem iguais: o amor de Chico por Roberto e a destruição da Floresta Amazônica pelo homem.
Assim que recebeu os primeiros clientes, o empresário tinha um bar como qualquer outro que se vê na esquina mais próxima. O nome do estabelecimento, deve-se destacar, era O Popular. A trilha sonora era o que tocava no radinho FM.
No entanto, ele pensou que seria uma boa ideia levar a sua coleção de discos do cantor nascido em Cachoeiro do Itapemirim (ES) para criar o lugar perfeito. Bem, não foi exatamente isso o que aconteceu.
Chico conta que as músicas de sucesso do Rei quase fizeram o negócio fracassar. “O pessoal falava que a música era de dor de cotovelo e morgada [desanimada], que ninguém ali estava sofrendo tanto para ouvir. Eu fiquei a ponto de fechar porque não recebia um cliente, mas fui firme na minha decisão.”
Críticas não o abalaram
O ponto de virada para o empresário-fã foi explicar à meia dúzia de clientes não convencidos o significado das canções do Rei. Nas suas próprias palavras, é claro. Chico se sentava à mesa para apresentar a sua versão sobre o que o cantor queria dizer ao interpretar tais versos.
Tanto deu certo que a festa de aniversário do Rei aconteceu pela primeira vez em 1993 – e só foi interrompida pela pandemia. Se alguém pedir para ouvir Reginaldo Rossi ou Amado Batista, que busque o botequim do lado. Nem mesmo regravações do cancioneiro do capixaba são tocadas n’O Popular.
A repercussão naquele pedaço de Natal é tamanha que até um padre é chamado ao bar para celebrar uma missa em nome de Roberto Carlos, um católico fervoroso, autor de sucessos como Jesus Cristo e Nossa Senhora.
“Eu sempre busquei mostrar o melhor dele. Cada música tem sua história e alguém vai se identificar com ela em algum momento da vida. Aos poucos, as pessoas que eram críticas perderam a rejeição.”
O menino que queria ser Rei
A falta de aceitação a Roberto Carlos, aliás, puxa uma memória de infância. Na pequena Cerro Corá, município a cerca de 150 km de Natal, Francisco queria ser o próximo Rei, só que os pais não o deixaram.
A primeira música que chamou sua atenção, ainda na infância, foi O Brucutu, com seus versos “Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! / Mora só numa caverna / Dorme mesmo é no chão / Olha o Brucutu, Bru-cu-tu! O seu carro é um dinossauro / E veste pele de leão”.
“Minha mãe gosta de Roberto até hoje. Meu pai nunca deu atenção. Mas eles não me deixaram usar cabelo grande, pulseiras e colares como ele”, diz. Ele não era terrível, só restou obedecer as ordens dos pais.
Lá onde Chico nasceu, Roberto Carlos era conhecido apenas pela voz que atravessava as ondas sonoras de rádio. Não havia loja de discos de vinil para comprar os lançamentos mais quentes do queridinho da Jovem Guarda. A única alternativa era viajar pelas curvas da estrada de Currais Novos, cidade vizinha.
Aos poucos, ele juntou uma coleção de memorabilia – entre os itens está o raríssimo e renegado (pelo ídolo) LP de estreia Louco por Você, vendido facilmente por cerca de R$ 8 mil na internet.
Ouvir aquela canção do Roberto
As bolachas pretas eram tocadas na vitrola para os clientes que agora sorriam para as canções. Na segunda metade dos anos 1990, o CD substituiu o vinil, que por sua vez foi trocado pelo MP3, e hoje dá lugar ao YouTube. Mas o que não muda mesmo são os pedidos das músicas de sempre, como Detalhes, Emoções e Outra Vez.
Quem pede o repertório de sempre encontra também o mesmo clima na mesa do Bar Roberto Carlos. Isso não faz diferença para Chico, que não ouve outra voz na música que não seja a do Rei.
Atualmente, as canções do ícone octogenário só dão as caras nos petiscos pedidos por telefone. Os pastéis são chamados de Emoções, a carne de sol leva o curioso título Minha Tia e a carne de porco é simplesmente Custe o Que Custar. Quem quiser uma cerveja gelada chama por Eu e Ela.
A decoração em azul e branco do estabelecimento ganha um significado de solidão diante do isolamento social. O próprio Roberto nunca colocou os pés ali, embora apareça estampado em centenas de retratos na parede de azulejos do bar, inclusive com Chico – os olhares menos atentos podem até sugerir que são irmãos.
Quem sabe o Rei dê uma passada depois que a pandemia acabar. Chico ri, ao ouvir a possibilidade, e guarda a resposta com um silêncio. Talvez no aniversário de 81 anos.