Palestinos no Brasil relatam passado de medo em território ocupado
O Metrópoles conversou com palestinos residentes no Brasil sobre suas vivências em meio ao conflito entre Israel e Palestina
atualizado
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Palestinos residentes no Brasil relatam ao Metrópoles um passado tenso, vivido na região que hoje é palco de conflito entre o grupo extremista islâmico Hamas e Israel. Muito mais do que uma situação isolada, desencadeada por ataques dos fundamentalistas a civis no território de Israel no último fim de semana, a vida naquela área é marcada por episódios cotidianamente dramáticos, marcados pelo medo.
Inferno. É assim que o palestino Mohamed (que pediu para não ter o sobrenome divulgado), que hoje vive no Brasil, define a infância na Palestina. O rapaz, de 30 anos, nasceu na província de Bani Na’im, no sul da Cisjordânia. O pai era comerciante e a mãe dedicava sua vida a cuidar dos seis filhos. Aos 7 anos, Mohamed teve a primeira experiência de violência devido ao conflito com Israel. Ele relata que, enquanto rezava numa mesquita, o exército israelense adentrou a cidade com tanques de guerra e jogou gás lacrimogêneo dentro do templo. No mesmo dia, ele teve dois primos assassinados em um protesto contra a invasão.
“Tive uma infância e adolescência amarradas ao terrorismo do Estado [de Israel] e de seus soldados. Quando eu era criança, nosso ‘bicho-papão’ era o exército de Israel. Um terror sem explicação. Fui obrigado, como qualquer outro palestino, a me adaptar a viver em um regime de segregação, em que nossos carros têm placas de cor diferente das dos colonos [israelenses], em que há estradas que não podemos andar. Não podemos ter um poço-d’água que o exército vem para demolir”, relembra Mohamed, em entrevista ao Metrópoles.
Também imigrante no Brasil, o médico Ahmad Shehada, de 58 anos, nasceu em um campo de refugiados em Gaza, cidade palestina localizada na Faixa de Gaza. Ele conta que perdeu a mãe, os irmãos, os sobrinhos e os primos em decorrência dos ataques israelenses. Ahmad ainda tem traumas por tudo que viveu e se preocupa com os filhos que ficaram na Palestina por não conseguirem sair do país.
“Perdi os meus entes mais queridos. Não vejo minhas crianças desde 2012. Agora, meus filhos não são mais crianças, o mais velho tem 20 anos. Eles não podem sair de lá e eu não posso entrar. Israel não me deixa voltar. Meus filhos não estão seguros, eles saíram de Gaza, pois não têm condições mínimas de ficar lá. Na casa onde estão agora, tem bombardeio de todos os lados. Israel trata o povo [palestino] como animais”, afirma Ahmad.
Soraya Misleh, de 54 anos, palestina-brasileira, é filha de um sobrevivente de Nakba, a expulsão promovida por Israel após sua autoproclamação como Estado, em 1948. Abder Raouf, pai de Soraya, tinha apenas 13 anos quando foi expulso da terra em que morava, juntamente com a família. Os irmãos foram presos; um deles morreu no local.
O sonho de Abder era voltar para a Palestina. Soraya conta que o pai, já idoso, sempre dizia: “Se eu pisar na minha terra e morrer, eu morro feliz”. Ele, porém, morreu, aos 88 anos, sem poder retornar. Não teve o direito de enterrar a mãe e os irmãos, e não pode ver os sobrinhos crescerem. “Essa é parte da tragédia palestina”, diz Misleh.
“Nosso povo sofre os efeitos do apartheid, da colonização e da ocupação, onde quer que esteja. Toda família palestina já teve entes queridos mortos e presos, e com a minha não é diferente. Estive na Palestina três vezes, só consegui entrar uma única vez. Israel negou minha entrada outras duas vezes. O racismo, o apartheid e a discriminação começam já na fronteira. Não podemos abraçar nossos familiares, não podemos pisar nas terras em que remontam a nossas raízes e origens”, relata Soraya Misleh, que hoje é coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino.
A guerra em números
O conflito territorial entre Israel e Palestina tem sido uma fonte constante de preocupação e dor para ambos os lados. Desde 2008 até hoje, o conflito na Faixa de Gaza já deixou quase 7 mil mortos. Desses, 6.407 eram palestinos. Outros 150 mil ficaram feridos. O levantamento foi feito pela agência internacional Al Jazeera.
Nesse mesmo período, 308 israelenses foram mortos e 5.307 ficaram feridos. Os dados ainda não incluem as mais de mil vítimas dos conflitos que começaram no último sábado (7/10).
Histórico e consequências
O conflito entre Israel e Palestina remonta ao século 20, quando o Estado de Israel foi estabelecido, em 1948, levando a um deslocamento maciço da população palestina. Desde então, os palestinos enfrentam restrições à liberdade de ir e vir, acesso limitado a recursos básicos, e desafio de viver sob ocupação militar.
Os confrontos frequentes, os ataques aéreos e a violência nas fronteiras têm deixado marcas permanentes na população palestina, especialmente nas crianças, que crescem em um ambiente de instabilidade e incerteza. A saúde mental e emocional dos palestinos é afetada de maneira significativa, com altas taxas de transtorno de estresse pós-traumático e depressão.