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País recebeu 3,9 mil viajantes do sul da África após fechar fronteiras

Anvisa pediu para o governo fechar fronteiras com 10 nações. Casa Civil, atendendo parcialmente à demanda, deixou quatro países de fora

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Anac pede a passageiros de 480 voos da ITA para não irem a aeroportos
1 de 1 Anac pede a passageiros de 480 voos da ITA para não irem a aeroportos - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

Ao menos 3,9 mil viajantes chegaram ao Brasil, somente em dezembro do ano passado, após partirem de 10 países do sul da África, onde teria surgido a variante Ômicron (B.1.1.529) do novo coronavírus. Desse total, cerca de 3,5 mil vieram de Angola, Malawi, Moçambique ou Zâmbia. No fim de novembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou que o governo federal fechasse as fronteiras com essas nações, mas a solicitação não foi atendida. Embora não seja possível dimensionar com exatidão o impacto dessa decisão no rápido crescimento de casos, estima-se que a medida pode ter colaborado para o avanço da variante no país, segundo especialistas.

O restante – 401 viajantes – veio de África do Sul, Botsuana, Namíbia e Zimbábue. O governo federal fechou as fronteiras para esses países, além de Essuatíni e Lesoto, mas a portaria prevê exceções, que incluem estrangeiros cônjuges, companheiros, filhos, pais, curadores ou com residência de caráter definitivo no território brasileiro e profissional estrangeiro em missão.

Os dados foram obtidos pelo Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI), junto à Anvisa. Os números consideram as Declarações de Saúde do Viajante (DSV), documento obrigatório para entrar no país desde dezembro de 2020, e a cidade de partida indicada.

Não se sabe exatamente onde a Ômicron se originou, mas a variante foi detectada pela primeira vez em amostras coletadas em 11 de novembro de 2021 em Botswana e, posteriormente, em 14 de novembro, na África do Sul. Apontada como uma variante de preocupação, a Ômicron fez com que nações do mundo inteiro fechassem as fronteiras para alguns países do continente africano.

Especialistas se dividem sobre a eficácia de se fechar fronteiras. Documento da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 30 de novembro do ano passado, indicou que as “proibições generalizadas de viagens não impedirão a disseminação internacional [da variante Ômicron] e representam um fardo pesado para vidas e meios de sustento”. A ação de restringir viajantes vindos do sul da África chegou a ser apontada como um “apartheid de viagens”.

Antes de fechar as fronteiras, por exemplo, o Brasil recebeu, entre setembro e novembro, 10,1 mil viajantes que partiram de África do Sul, Angola, Malawi, Moçambique, Zâmbia, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia ou Zimbábue, segundo os dados obtidos pela reportagem.

A medida, no entanto, foi recomendada pela Anvisa – que voltou atrás na quinta-feira (6/1) e apontou a necessidade de revisão das restrições adotadas pelo governo federal. A agência reguladora havia solicitado, em novembro, que o Brasil proibisse voos vindos de África do Sul, Angola, Malawi, Moçambique, Zâmbia, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. A ideia da proposta era não somente evitar a chegada da Ômicron no país, mas também retardar o seu avanço.

A Casa Civil da Presidência da República, contudo, não atendeu integralmente à recomendação sanitária e fechou as fronteiras brasileiras para seis países: África do Sul, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. A portaria, também assinada pelos ministros da Justiça e Segurança Pública, da Saúde e da Infraestrutura, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), em 27 de novembro do ano passado.

Três dias depois, em 30 de novembro, foram registrados os dois primeiros casos da Ômicron no país, em um viajante vindo da África do Sul, que desembarcou em Guarulhos em 23 de novembro, e de sua esposa.

“O vírus não reconhece fronteiras geográficas. Então, é importante fechar, em um primeiro momento, com países que são o epicentro da pandemia”, explica a professora Lígia Bahia, especialista em saúde pública pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“A gente fecha, mas sabe que não vai evitar a chegada da variante. O correto é tentar tornar o processo de transmissão mais lento, pois o tempo de preparação para o sistema de saúde de um país é fundamental. Hoje o Brasil continua sem testes. Então, a medida era importante para que a gente não tivesse essa sobrecarga que a gente está tendo agora: uma explosão de casos, o que é muito difícil de lidar, pois os serviços ficam atolados e os profissionais de saúde já estão cansados”, complementa Bahia.

Em 1º de dezembro, a Anvisa enviou um novo ofício à Casa Civil, assinado pelos cinco diretores do órgão, reforçando as orientações já apontadas sobre a restrição de fronteiras. Na ocasião, a autarquia também frisou a necessidade de que o país ampliasse a medida para os voos vindos de Angola, Malawi, Moçambique e Zâmbia.

“Diante das restrições estabelecidas de forma global pelos demais países, a inexistência de uma política de cobrança dos certificados de vacinação pode propiciar que o Brasil se torne um dos países de escolha para os turistas e viajantes não vacinados, o que é indesejado do ponto de vista do risco que esse grupo representa para a população brasileira e para o Sistema Único de Saúde”, apontou a agência.

A recomendação, no entanto, foi ignorada pela Casa Civil – que, na ocasião, solicitou mais esclarecimentos sobre a situação epidemiológica da variante nos quatro países. Procurada, a pasta informou que o debate sobre restrição a nações africanas ocorreu antes da publicação da Portaria nº 663/2020, que trouxe critérios mais rígidos para entrada no país durante a pandemia. “A variante Ômicron está presente, atualmente, em diversos territórios, e não apenas nos citados países africanos”, prosseguiu.

Passaporte

A Portaria nº 663/2020 foi publicada pelo governo federal em 20 de dezembro, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 913, que institui, entre outras exigências, a obrigatoriedade da apresentação de comprovante de vacinação contra a Covid-19 pelos viajantes, de qualquer país, que desejarem ingressar no Brasil.

“Fechar as fronteiras hoje seria uma bobagem. Hoje, a Ômicron está propagada no mundo inteiro, em alguns países com a prevalência maior ainda do que no sul da África”, diz o médico Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“A melhor medida, no momento, seria tomar medidas mais restritivas, pois temos uma pandemia de Covid ainda em atividade e uma epidemia de gripe. Ou seja, duas doenças de transmissão respiratória acontecendo ao mesmo tempo no Brasil. Então vale enfatizar a necessidade da vacinação completa”, prossegue o médico infectologista.

Fronteiras

A Anvisa informou, na sexta-feira (7/1), que recomendou ao governo federal a revisão das restrições adotadas a viajantes com passagem por África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.

Segundo a agência, os dados demonstram que a transmissão da Ômicron rompeu a barreira de transmissão sustentada nos países africanos. Atualmente, a cepa já foi identificada em mais de 100 nações, “o que justifica a revisão da recomendação expressa na Nota Técnica nº 203/2021, desde que sejam mantidas as demais medidas para viajantes de procedência internacional, ou seja, exigência de testes pré-embarque, preenchimento da DSV, comprovante de vacinação contra a Covid-19 e quarentena após desembarque no Brasil”.

Em nota, a agência assegurou que a orientação inicial de fechar as fronteiras teve fundamento nas informações conhecidas naquele momento e como balizador o princípio da precaução. “A agência reitera que o cenário epidemiológico ainda exige preocupação e cautela, e que as medidas de mitigação ainda são ferramentas imprescindíveis para proteção da saúde da população brasileira”, prosseguiu.

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