Painel gigante feito com cinzas das queimadas homenageia brigadistas do Brasil
Pintura de 46 metros de altura em SP tem rosto de brigadista voluntário da Chapada dos Veadeiros (GO) e faz releitura da obra de Portinari
atualizado
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Um painel gigante de 46 metros de altura foi concluído nesta segunda-feira (18/10) em São Paulo e pretende chamar a atenção de todos para o poder de destruição do fogo e da devastação nos principais biomas brasileiros. O personagem usado na releitura do artista Mundano da obra O Lavrador de Café, de Candido Portinari, é um brigadista que atua na Chapada dos Veadeiros, no nordeste de Goiás.
A dimensão de mais de 1 mil metros quadrados da lateral de um prédio no Centro da capital paulista foi toda preenchida por uma tinta especial, feita a partir do pigmento das cinzas recolhidas diretamente nos locais atingidos por incêndios florestais, este ano.
O autor da obra – que se define, na verdade, como artivista -, Mundano, fez uma expedição e percorreu mais de 10 mil quilômetros pelo país para coletar as cinzas no Cerrado, no Pantanal, na Mata Atlântica e na floresta Amazônica.
Ele é o idealizador do projeto Cinzas da Floresta, uma ação multimídia, que, além da expedição e do painel, cujo nome é “Brigadista da Floresta”, prevê, ainda, o lançamento de um documentário sobre o tema.
Releitura da obra de Portinari
O desenho não é um desenho qualquer. Mundano escolheu os brigadistas que atuam na linha de frente do combate ao fogo nas florestas e parques nacionais para serem os grandes homenageados.
Para retratá-los como os grandes operários dessa luta, que exige esforço, disposição, noites em claro e muita força de vontade para uma legião de brigadistas que atuam voluntariamente e em condições precárias, ele escolheu a famosa pintura O Lavrador de Café, de 1934, do pintor Candido Portinari para servir como base para uma releitura.
Mundano faz uma adaptação da pintura, hoje exposta no Museu de Arte de São Paulo (MASP), e no lugar do lavrador ele coloca a imagem de um brigadista em seu cenário de atuação: uma área atingida pelo fogo, com árvores queimadas, animais mortos e alguns símbolos que remetem à causa e autoria dos incêndios.
“É um grito por socorro. As nossas florestas estão virando cinza e a gente está normalizando tudo isso”, diz Mundano.
Rosto é de brigadista da Chapada dos Veadeiros
Um dos locais visitados pelo artista para recolher cinzas foi a Chapada dos Veadeiros, que sofreu mais um ano com os incêndios no período de estiagem dos últimos meses. Ele esteve em Alto Paraíso de Goiás em agosto deste ano, onde conheceu os brigadistas voluntários que atuam na região.
Um deles, sem saber, fez a foto que foi escolhida e serviu de inspiração para ser o rosto do brigadista retratado no painel. O brigadista voluntário da Brigada Voluntária de São Jorge (BSVJ), Vinícius Curva de Vento, de 36 anos, foi fotografado por Mundano, numa pose semelhante ao lavrador de Portinari.
Vinícius não sabia o motivo da foto, tampouco imaginava que pudesse ser ele o escolhido para dar rosto a todos os brigadistas do Brasil na arte de Mundano. Ele foi convidado pelo artista e viajou até São Paulo nesse domingo (17/10) para ver de perto o resultado da pintura.
A reação foi de emoção. “Ali tem Amazônia, ali é Mata Atlântica, ali é um tanto de Cerrado… Isso aí não é tinta não, cara. Isso aí é vida”, declarou, enquanto olhava para o gigantismo do painel a sua frente.
Surpresa e emoção
Ao Metrópoles, Vinícius disse que foi pego de surpresa com a homenagem. Ele mora na Vila de São Jorge, em Alto Paraíso de Goiás, numa barraca improvisada. “Na minha casa, não tem nem eletricidade”, conta.
Apesar disso e das condições precárias e arriscadas de trabalho, ele e os mais de 20 companheiros de brigada voluntária seguem firmes no propósito de salvarem o que resta de Cerrado nativo das investidas da devastação.
“Meu irmão, que coisa forte! Quando eu cheguei lá (no local do painel), eu vi que eu estou representando os brigadistas do Brasil. Na verdade, não sou eu. É só a minha cara, mas não sou eu. Aquilo lá são os brigadistas do Brasil todo. É muito forte. Eu estou trazendo todos esses guerreiros comigo na bagagem”, diz ele.
Veja:
Diante da obra e sabendo que tudo foi pintado com o pigmento das cinzas das queimadas, foi inevitável a reflexão: “Aquilo não devia estar na parede, devia estar no chão, mas é o resultado do que acontece. Eu fico muito feliz pela visibilidade que está trazendo para os brigadistas, mas o que está ali é uma coisa muito séria”.
Agressividade do fogo e o amanhã ameaçado
A cada ano, segundo Vinícius, eles sentem na pele a dificuldade de controlar e apagar os incêndios, cada vez mais agressivos e acirrados, em razão do aumento da temperatura e da mudança climática.
Ao tocar a pintura com as mãos, Vinícius se emocionou: “eu estou ainda digerindo o que está acontecendo”.
E continuou: “Essa tinta grita. Essa tinta queima. Essa tinta pede, implora. Escutem, pelo amor de Deus, pelo o que é mais sagrado. Não percamos mais tempo. É muito sério. Nunca foi tão sério. Acabou o tempo da brincadeira. Se não, não vai ter amanhã”.