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Pagodeiro quer popularizar Centro Cultural São Paulo após a pandemia

Fundador do grupo Art Popular, músico Leandro Lehart assumiu a instituição paulistana com a proposta de democratizar o espaço

atualizado

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Leandro Lehart, do Art Popular, novo diretor do Centro Cultural São Paulo
1 de 1 Leandro Lehart, do Art Popular, novo diretor do Centro Cultural São Paulo - Foto: Rodrigo Zaim/Especial para o Metrópoles

São Paulo – Leandro Lehart aguardava por um delivery de pães de queijo para quebrar o jejum no início da noite. Com o aparente atraso, conferiu o aplicativo no celular e ficou sem entender ao ver que a entrega já havia sido feita. Cerca de 10 minutos depois, um segurança chegou com um pacote em mãos e perguntou, aos risos: “Pô, Paulo, você que é o Leandro?”

Nascido Paulo Leandro Fernandes Soares, o artista de 49 anos construiu carreira e fama sob o nome artístico Leandro Lehart, referência na efervescente cena de pagode dos anos 1990. Em maio deste ano, o fundador do Art Popular assumiu um projeto ambicioso, mas longe dos palcos e estúdios de gravação: a direção do Centro Cultural São Paulo (CCSP).

Em uma noite de junho, Lehart recebeu a reportagem do Metrópoles para compartilhar os desafios à frente do maior centro cultural do Brasil, os projetos dentro e fora do samba, e recordações de um passado marcado por muitos sucessos e uns poucos declínios.

Sentado no sofá de sua nova casa em São Paulo, o pagodeiro conta que foi surpreendido com o convite do amigo e secretário municipal de Cultura, Alê Youssef, para substituir a jornalista Erika Palomino. Lehart refletiu sobre a proposta por uma semana e levantou mais prós do que contras até entregar a resposta definitiva.

“Cara, eu sou o primeiro músico popular a assumir o CCSP. Um convite desse nível e com esse simbolismo não se pode negar. É quase uma convocação porque compensação financeira não existe. Eu poderia ganhar um salário de funcionário público comissionado como artista”, diz ele.

Além do compromisso com a arte, o apelo emocional também falou alto na hora de dizer “sim”. Foi no centro cultural da Rua Vergueiro, localizado no bairro Paraíso, que Leandro Lehart perdeu a conta das vezes que viu rodas de samba de Fundo de Quintal, Jorge Aragão e Branca di Neve na Sala Adoniran Barbosa durante a segunda metade dos anos 1980.

“Sabia que a primeira música que eu aprendi no cavaquinho foi ‘Tiro ao Álvaro’?”, ele cantarola os versos iniciais do clássico do cancioneiro popular, em referência ao sambista paulistano que leva o nome da sala.

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Leandro Lehart ficou conhecido ao liderar a banda Art Popular
Lehart foi condenado pela Justiça a 9 anos de prisão em regime fechado
Leandro Lehart
Músico se divide entre carreira solo, com o Art, e o CCSP
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Leandro Lehart assumiu o Centro Cultural São Paulo em maio deste ano

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Leandro Lehart ficou conhecido ao liderar a banda Art Popular

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Lehart foi condenado pela Justiça a 9 anos de prisão em regime fechado

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Músico se divide entre carreira solo, com o Art, e o CCSP

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O CCSP é o lugar da massa

Naquela época, ele era o anônimo Paulo Leandro, um típico paulistano emergente de classes sociais menos abastadas que encontrava paz nas apresentações abarrotadas de gente após rodar a cidade como office-boy da Ericsson. Lembranças à parte, Lehart tem como missão popularizar o CCSP após a pandemia de Covid-19.

Para isso, estão no seu radar a realização de uma roda de samba, o primeiro projeto desenhado com Youssef, e a intersecção de curadorias para a criação de eventos que deem conta de explicar aos espectadores a riqueza cultural da capital paulista.

“Eu pensei que a gente poderia fazer um workshop sobre a evolução da dança e aí entrariam as coreografias nos videoclipes. Pode incluir cinema, figurino, curadoria de moda. E aí vem o Mark Van Loo [novo curador], de dança”, conta e aponta para a assessora que acompanha o papo.

Nessa fase da pandemia, Lehart vai de duas a três vezes por semana ao CCSP e realiza a maior parte das reuniões na frente do computador em sua casa, no Jardim São Bento, zona norte da capital.

Enquanto o isolamento social impossibilita o encontro acalorado do samba, o diretor utiliza o tempo para planejar, planejar e planejar. Ao mesmo tempo, se refugia para lançar no segundo semestre o próximo álbum do Art Popular, “Batuque de Magia”.

Diferentemente do Art Popular, onde reina absoluto, o músico-multi-instrumentista-compositor-diretor entende que ele tem de se adaptar às necessidades e urgências do Centro Cultural, e não o contrário. Em outras palavras, apenas a maturidade de um quase cinquentão o faz enxergar dessa forma.

Afinal, ele pode ser o diretor do CCSP, mas é parte de um órgão da gestão municipal de São Paulo com mais de 200 funcionários. “Aqui você pode tentar impor a sua vontade, mas sabe que não dá para ser do jeito que quer. É preciso respeitar a liturgia, a governança. Já no Art a pegada é diferente. São grandes artistas que bancam as minhas loucuras e estão comigo no que dá certo ou errado”, compara.

Esse amadurecimento, aliás, foi conquistado a duras penas. Com 25 anos de idade, Lehart liderava um grupo  musical que estourava simultaneamente nas rádios, TV e casas de show com os hits “Temporal”, “Utopia” e “Fricote”. Ele reconhece que a escalada de sucesso o fez viver em mundo de ilusões, mas isso tem lá suas justificativas.

A gente pensa que isso tudo pode não acabar…

Na segunda metade dos anos 1990, Leandro Lehart despontava como a principal referência do pagode. Ele escrevia, produzia e gravava para o Art Popular e para outros grupos da cena noventista.

Talvez por sua capacidade de se reinventar, era o único pagodeiro aceito pela dita elite cultural, que viu seu grupo lotar o Theatro Municipal com 3 mil espectadores para a gravação de um Acústico MTV.

Para ele, no entanto, o prestígio comercial veio antes do álbum “Temporal”, que apresentou ao Brasil o hit “Pimpolho” e a romântica “Nani”, mas já no trabalho de estreia, “O Canto da Razão”, de 1992, quando virava a noite em quatro ou cinco shows nas periferias de São Paulo. Depois disso ele trilhou um caminho no qual desconhecia a palavra fracasso. Ou pelo menos acreditou nisso.

“Teve uma época em que eu estava muito deslumbrado, fiquei insuportável. Achei que a fama nunca iria acabar, que nossos fãs não iriam envelhecer e o dinheiro ia sempre cair na conta. Que o meu refrão é melhor do que o do compositor ao lado. Isso é uma tremenda bobagem”, constata.

Segundo Lehart, a realidade deu as caras no começo dos anos 2000, após sua primeira saída do Art Popular. Acostumado a tocar para 20, 30, 50 mil pessoas, ele se viu quase que literalmente sozinho ao fazer apresentações para meia dúzia de pessoas. Foi durante essa fase da vida que conheceu ansiedade e depressão, problemas que garante terem ficado para trás após priorizar a saúde mental com sessões de terapia.

Nesse momento, Leandro Lehart muda o semblante e aconselha o filho, Lanndo, que acompanhava a entrevista de perto, para não se tornar “escravo dos números”. Se o conselho era válido há 20 anos, quando o sucesso era medido por discos de ouro e diamante, hoje permanece atual, principalmente porque a contagem de agora são os milhões de seguidores e visualizações nas redes sociais.

“Eu experimentei os dois lados, o do artista de sucesso de gravadora e também o independente, e acho que consegui encontrar o caminho entre ser popular e ter a consistência artística que poucos da cena 90 tiveram”, pondera o músico.

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Ele responde por estupro e cárcere privado
Em meio à pandemia, o diretor faz reuniões presenciais e virtuais
Ele nega as acusações
Leandro Lehart é acusado de assédio sexual
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Lehart escreveu sucessos como "Temporal", "Pimpolho" e "Sem Abuso"

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Ele responde por estupro e cárcere privado

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Em meio à pandemia, o diretor faz reuniões presenciais e virtuais

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Ele nega as acusações

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Leandro Lehart é acusado de assédio sexual

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DNA de sambista

Com os pães de queijo intactos à mesa, o diretor conduz a reportagem por um mini tour pelo CCSP. É no momento da caminhada pela noite fria de São Paulo que ele se sente mais à vontade para falar de sua vida e carreira.

Leandro Lehart diz que não bebe, não fuma e tem a disciplina de um nerd da música.

Esse comportamento foi moldado ainda na infância vivida no bairro Parada Inglesa, onde nasceu e cresceu. A região norte de São Paulo é um criadouro de escolas de samba de pequeno e grande portes.

Antes do Art Popular, Lehart foi sucesso na vizinhança após criar a sua própria agremiação, aos 9 anos, a Parada da Amizade. “Que nome ruim, hein?”, ele se diverte.

O pequeno futuro pagodeiro se reunia com amigos e batia de porta em porta para pedir dinheiro. Com a grana arrecadada, comprava instrumentos de plástico no extinto Mappin na Praça Ramos de Azevedo e fazia um pequeno carnaval que não tinha época para acabar.

Como se já entendesse desde cedo a lógica do show business, o vizinho que dobrasse o valor recebia um show de maior duração. Sua função na Parada da Amizade? Mestre de bateria. “Eu já era arrogante, me achava o cara”, diz, aos risos, sentado em um dos assentos da sala de cinema Lima Barreto.

Já na vida adulta, Lehart era requisitado para tocar nas casas de shows mais badaladas da cidade. Ele compôs a música que possivelmente sintetiza o seu modo de compor: “Agamamou”, um samba de balanço do fim dos anos 1990, cujos versos “Brasileiro vive na raça/O pagode é o canto da massa” reverberam nas mentes de fãs sedentos por um show com aglomeração pós-pandemia dentro ou fora do CCSP.

Ele escreveu a letra em uma viagem à Argentina após participar de uma gravação da novela Chiquititas. “O nome ‘Agamamou’ vem da sonoridade da música ‘Got My Mojo Workin’, de Jimmy Smith [músico de jazz]. Eu estava em um quarto de hotel, com o maior frio e sem nada para fazer, e me veio a ideia da música”, explica.

É possivelmente essa capacidade de caminhar entre o popular e erudito que levou Leandro Lehart à direção do Centro Cultural São Paulo. Ele mesmo não sabe responder a essa pergunta, mas tem a certeza de que quer deixar um grande legado na sua gestão.

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