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Pacientes têm olhos perfurados em programa idealizado por Alcolumbre

Instituído no governo de Waldez Góes, Mais Visão foi usado por Alcolumbre na campanha; 103 pacientes pegaram infecção. MP investiga o caso

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1 de 1 davi alcolumbre_propaganda política - Foto: Reprodução/Redes sociais

Em um programa de atendimentos oftalmológicos idealizado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Amapá, 103 pacientes que passaram por cirurgia contraíram infecção. Destes, 40 tiveram complicações graves, como olhos perfurados, e têm indicação de cirurgia de transplante de córnea. O Ministério Público do Amapá acompanha o caso e, na semana passada, emitiu uma série de recomendações.

O programa Mais Visão teve início na gestão do ex-governador Waldez Góes (hoje no PDT), que se tornou ministro de Desenvolvimento Regional no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) graças a Alcolumbre. Eleito com o seu apoio, o atual governador, Clécio Luís, já foi servidor do gabinete do senador.

A ação foi amplamente usada por Alcolumbre na campanha eleitoral e é lembrada por ele constantemente nas redes sociais. No seu site, ele se diz “idealizador e viabilizador” do programa. Em notícias publicadas pelo governo enquanto Waldez governava, Alcolumbre era sempre citado como o responsável por articular recursos para o programa, enviados via emendas parlamentares.

Em nota, o senador afirmou que tomou conhecimento da situação e que “acompanha o caso, sendo informado periodicamente pela Secretaria de Saúde do Estado do Amapá e pela coordenação do Mais Visão”. “O senador exigiu que todas as medidas de prestação de serviço no atendimento aos pacientes fossem adotadas”, pontuou (leia abaixo a nota na íntegra).

Os atendimentos dos pacientes impactados ocorreram todos no último dia 4 de setembro. Naquela data, 141 pessoas foram operadas para tratamento de catarata, e 103 apresentaram problemas dias depois.

Na última sexta-feira (6/10), o MP emitiu uma recomendação para que a Secretaria Estadual de Saúde suspendesse, de forma imediata, o repasse de recursos à organização Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate – Capuchinhos, responsável pelo programa. A organização possui um termo assinado com o governo, mas contrata outra empresa, a Saúde Link SS, para realizar os procedimentos.

O Centro Capuchinhos possui parceria para atendimento oftalmológico com o Governo do Amapá desde 2020. O extrato de um contrato de 2021, por exemplo, mostra a previsão de repasse de R$ 29,9 milhões à organização para prestação de serviço por apenas cinco meses.

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Programa foi criado no governo de Waldez Góes, com ampla atuação de Davi Alcolumbre

Marcelo Loureiro/governo do Amapá

Em 2022, ano eleitoral, outro contrato foi firmado em maio, com vigência de oito meses, no valor total de R$ 28,6 milhões, para o programa Mais Visão. Em junho deste ano, um novo contrato foi celebrado, de R$ 19,9 milhões, desta vez para um prazo maior, de 12 meses de serviço.

Recomendações

O MP recomendou que a Saúde Link interrompa os serviços do programa dentro do Centro Capuchinhos e transfira o atendimento dos pacientes em tratamento para outra unidade de saúde que esteja em condições sanitárias apropriadas; preste assistência médica, psicológica e financeira aos 103 pacientes; e divulgue amplamente os canais de acesso à empresa.

Em comunicado, a coordenação do Mais Visão, que engloba o Centro Capuchinhos e a empresa Saúde Link, afirmou que “todas as medidas médicas foram adotadas com amplo e total suporte aos pacientes”, incluindo transferência de pacientes que precisaram de atendimento fora do estado e pagamento de despesas com alimentação, passagem e hospedagem.

A coordenação afirmou que “realizou mais de 106 mil cirurgias com o mesmo protocolo e teve êxito”, e que se trata de “um caso isolado”, já em investigação. “Todas as medidas estão sendo adotadas seguindo rigorosamente as recomendações do Ministério Público”, ressaltou em nota.

Irregularidades sanitárias

Ao emitir a recomendação, o MP-AP apontou que solicitou uma inspeção nas dependências do programa, realizada pelo departamento de vigilância do Estado no dia 14 de setembro. Na ocasião, a área técnica constatou que o ambiente não estava de acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com destaque para o centro cirúrgico.

“A Central de Material e Esterilização, classificada como tipo 2, funciona apenas uma sala, dividida em dois ambientes; não existe barreira de vestiário, agravado pela ausência de controle de fluxo entre a área limpa e suja; todo o processo de lavagem de materiais é feita de forma manual, não possui cuba ultrassônica, dentre outras irregularidades”, informou o MP.

Outros casos

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Benedita do Carmo Jaques Damascena diz que perdeu a visão de um dos olhos após cirurgia
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Maria Janete passou por uma cirurgia de catarata e não recuperou a visão desde então. Ela passou por outros dois procedimentos, sem sucesso

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Benedita do Carmo Jaques Damascena diz que perdeu a visão de um dos olhos após cirurgia

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Embora o caso acompanhado pelo MP abranja apenas as pessoas que fizeram cirurgias no dia 4 de setembro, a reportagem do Metrópoles encontrou pacientes que perderam a visão de um dos olhos após passarem por procedimento para tratar catarata, mediante o programa Mais Visão, em anos anteriores.

É o caso da costureira Benedita do Carmo Jaques Damascena, de 79 anos. Ela conta ter perdido a visão depois de fazer uma cirurgia no Centro Capuchinhos há mais de um ano.

“Foi o menino Davi [Alcolumbre] que trouxe essa firma [Saúde Link] para cá, e eu aproveitei para fazer essa cirurgia. Fizeram todos os exames e me levaram para operação. Eu estava em cima da maca e um rapaz disse assim: ‘Bora, nós temos que fazer 100 cirurgias hoje’. E eu disse: ‘Meu amigo, você está lidando com gente'”, conta.

Benedita diz que sente muitas dores no olho esquerdo e que nunca mais enxergou.

Já Maria Janete Nazário Morais Sampaio, de 62 anos, chegou a fazer três cirurgias, depois que a primeira, feita no segundo semestre de 2021, comprometeu um de seus olhos.

“Fui fazer uma cirurgia de catarata, não deu resultado. Eles disseram que tinha dado uma complicação, aí eu fiz outras duas cirurgias, mas hoje eu só vejo uma fumaça. Eu entrei enxergando lá, e agora eu fiquei cega. (…) Da última vez, em janeiro desse ano, me deram alta dizendo que estava tudo ok. Mas eu falei: ‘Como, se eu não estou enxergando?'”, relata.

A coordenação do Mais Visão afirma que as pacientes “tiveram alteração devido à apresentação de comorbidades oculares e sistêmicas”. “Vale ressaltar que o índice de intercorrências no programa é muito abaixo dos índices hospitalares em um universo de 106 mil cirurgias”, disse.

Ação no TRE

Alcolumbre é alvo de investigação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amapá por suspeita de uso de um avião da empresa Saúde Link durante as eleições do ano passado. O caso ainda tramita na Justiça. A defesa do senador ressalta no processo que o denunciante não apresenta provas de que houve uso da aeronave por parte de Alcolumbre. 

O tribunal determinou que a empresa enviasse a lista de passageiros de duas aeronaves. A Saúde Link, por sua vez, afirmou que foi vendida no dia 26 de outubro do ano passado, após as eleições, e que não está mais em posse dos documentos; e, no caso de outra aeronave, disse apenas que não possui a lista.

A assessoria de Alcolumbre e a defesa da empresa Saúde Link não comentaram este caso.

Outro lado

A secretária de Saúde de Amapá, Silvana Vedovelli, foi procurada, mas disse que estava em uma reunião e não poderia falar. As perguntas foram enviadas por aplicativo de mensagem e por e-mail, para a assessoria de imprensa da pasta, mas não houve retorno.

Confira a nota na íntegra da assessoria de Alcolumbre enviada ao Metrópoles:

“O senador Davi Alcolumbre esclarece que tomou conhecimento da situação e que acompanha o caso sendo informado periodicamente pela Secretaria de Saúde do Estado do Amapá e pela coordenação do Mais Visão. O senador exigiu que todas as medidas de prestação de serviço no atendimento aos pacientes fossem adotadas.

O senador se orgulha de ter trabalhado para garantir os recursos necessários na implementação do programa que, há mais de 3 anos, é um verdadeiro sucesso, tendo atendido mais de 150 mil amapaenses, devolvendo a visão a tantas pessoas, levando para os lugares mais distantes todo o atendimento especializado, inclusive para ribeirinhos e indígenas, em todos os municípios do Amapá.

O senador espera ainda que se identifiquem as causas desse caso isolado de infecção que ocorreu em um único dia e que tudo seja plenamente esclarecido. Manifesta também seu apoio e solidariedade aos pacientes atingidos, que seguem sendo auxiliados integralmente pela coordenação do Mais Visão.”

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