Paciente de coronavírus recebe oxigênio em saco plástico no AM
Equipe médica decide por conta própria e com autorização da família “usar uma técnica experimental não-invasiva para mantê-lo estável”
atualizado
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Três dias após o governador do Amazonas Wilson Lima (PSC) admitir não ter mais leitos de unidades de Terapia Intensiva (UTI), a imagem de um paciente respirando numa câmara improvisada e feita de saco plástico se tornou mais uma das cenas chocantes do avanço da pandemia no Amazonas. O estado tem uma explosão de casos da Covid-19 e lidera a taxa de incidência da doença em todo país.
A última atualização emitida pelo governo é de 2.270 casos confirmados e um total de 193 mortes, o que deve ser muito maior em função da subnotificação, também admitida pelo governador do Amazonas. Ele destacou que os enterros diários eram numa média diária de 30 e saltaram para cem, só na quinta-feira passada.
Sem UTIs, o estado providenciou contêineres para os corpos ao mesmo tempo em que o governador declarou que “em algum momento” não terá onde colocar corpos. De acordo com a Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), a medida de usar um saco plástico para ajudar na respiração do paciente foi adotada como alternativa de assistência enquanto o mesmo aguardava transferência para outra unidade.
Segundo o governo, a equipe médica da unidade em que isso ocorreu decidiu por conta própria e com autorização da família “usar uma técnica experimental não-invasiva para mantê-lo estável”. Ainda segundo a nota da Secom, após estabilizado, o paciente foi transferido para uma unidade da rede privada.
Desde o fim de semana, vídeos feitos por profissionais de saúde e por parentes de pacientes em Serviço de Pronto-Atendimentos (SPAs) de Manaus mostram a revolta da população até com funcionários da saúde por falta de atendimento.
No SPA do São Raimundo, o filho de um paciente filmou o pai num leito e diz que não tem funcionário para dar assistência a ele. Outro vídeo, na mesma unidade, aparece um paciente numa cadeira de roda enquanto os acompanhantes dele batem em portas e gritam em desespero chamando funcionários para socorrê-lo.
Houve ainda vídeo mostrando pessoas depredando a unidade de saúde, também revoltadas com atendimento. A diretora do SPA do São Raimundo, Ana Valéria Costa de Matos, de 51 anos, e um técnico de enfermagem do SPA estão entre os mortos da covid-19 no Amazonas. As cenas se repetem em outras unidades de saúde do Estado desde a última semana em que, segundo classificação do Ministério da Saúde, o Amazonas entrou na fase de “aceleração descontrolada da doença”.
O Hospital João Lúcio teve sala em que pacientes com covid-19 estavam em macas ao lado de 14 cadáveres ensacados de pacientes mortos pela doença. Outra imagem que chocou a população foi a de enterros em vala comum para dar conta da demanda de sepultamentos que disparou e não acompanha os registros oficiais do governo.
Inauguração simbólica
O governo do Amazonas inaugurou um hospital de campanha no sábado (18/04) e anunciou 66 leitos, sendo 16 de UTIs. No dia seguinte, o Ministério Público do Estado do Amazonas fez uma inspeção no local e disse que a inauguração foi simbólica e que faltam equipamentos para funcionamento dos leitos de terapia intensiva. Outro problema apontado pela inspeção do MP-AM é a falta de equipamentos de proteção aos profissionais.
A promotora da saúde do MP-AM, Silvana Nobre, indica problemas de gestão que potencializam o agravamento da crise. Entre eles, a promotora aponta que o Amazonas se omitiu em usar estruturas e leitos já disponíveis na rede, descentralizou a entrada de pacientes da covid-19 para todas as unidades – o que colocou em riscos pacientes e funcionários da saúde – e concentrou esforços num hospital de campanha que ainda não foi concluído.
Para a promotora, as ações do governo desorganizaram o sistema que deveria ter maior controle e administração de fluxos como toda rede funcionando de forma coordenada. “Esse fluxo foi estabelecido. Aliás, a falta de fluxo foi estabelecida em razão de o Estado ter se omitido em abrir leitos clínicos no Delphina, que era onde ia se dar a concentração de pacientes com covid. Na medida em que o Estado não abriu leitos lá, as pessoas tiveram que ir para os prontos-socorros (…) Os fluxos dos prontos-socorros não foram estruturados para esta situação”, declarou. Segundo ela, o resultado se vê no que está ocorrendo nos SPAs e hospitais de Manaus. A mesma crítica tem sido feita por médicos.
Exaustão
“Estamos adoecendo e adoecendo nossas famílias”, afirmou Graciete Mouzinho, presidente do Sindicato dos Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem do Amazonas. Ela declarou que o atendimento precarizou muito com a pandemia e com a falta de Equipamentos de Proteção Individual aos profissionais da saúde e que até estes estão optando por evitar buscar atendimento na rede estadual. “Muitos ficam em casa. Melhor se cuidar em casa”, indicou.
“Estamos adoecendo e adoecendo nossas famílias. Recebo ligações desesperadas destes funcionários. Todo tipo de pressão. As condições dos pacientes e de trabalho, atrasos de pagamentos, ameaças nas unidades e o medo de morrer e de infectar suas famílias. Não é fácil”, lamentou.
A enfermeira disse que há plantões de 12 horas em que um técnico de enfermagem ficou só cuidando de dez pacientes graves. Ela afirmou que, em função da covid-19, acompanhantes não podem ficar com os pacientes e os técnicos precisam ajudar eles a se alimentarem porque estão fracos. “Imagine o que é um técnico fazer isso em todas as refeições para dez pacientes, porque, de tão fracos, não conseguem levar uma colher até a boca”, disse.
A enfermeira disse também que o risco de infecção é grande. “Se eles ficam na sala rosa (unidade semi-intensiva), onde estão isolados até o fim do plantão, tem que se alimentar ali num local cheio de vírus. Teria que ter uma orientação melhor”.