Os prejuízos da estiagem que a morosidade dos governos ampliou
A seca afetou mais fortemente o Nordeste nos últimos anos. Mas, a transposição do São Francisco, prevista para 2012, ainda não foi concluída
atualizado
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O Brasil enfrentou, em 2017, a pior seca dos últimos 100 anos. Entre os estados mais atingidos pela falta de chuva, estão Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Alagoas. As informações são da Defesa Civil, secretaria vinculada ao Ministério da Integração, pasta responsável por reconhecer municípios, no país, que decretam situação de emergência em consequência da estiagem. No período, 2.213 situações de calamidade pública foram contabilizadas. O número de cidades brasileiras afetadas chegou a 1.276.
O caso citado não é exceção. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de grãos no Nordeste, excluindo o Maranhão e o Piauí, apresentou queda significativa na safra de 2011/2012, período de início de um ciclo de seis anos de estiagem na região.O prejuízo causado pela temporada de calor intenso e pela ausência de chuva às localidades atingidas vai além da escassez de água para consumo humano. Com a redução dos níveis dos rios, as fontes para matar a sede dos animais esgotam-se, o gado não resiste e morre. A produção agrícola também padece no auge da seca, relatou uma produtora rural do município cearense de Boa Viagem a equipes do governo federal. “Na chuva, planto milho e feijão. Mas, na seca, é preciso produzir coisas menores, como acerola”, disse Francisca Rodrigues Amorim, 39 anos.
Apesar dos índices de chuva terem aumentado ano a ano até 2018, a recuperação do cultivo em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, no Ceará, na Paraíba e em Alagoas, é considerada lenta. Para se ter uma ideia, na safra 2010/2011 as lavouras pernambucanas produziram 372,3 mil toneladas e na 2016/2017, 113,4 mil. No Rio Grande do Norte, uma queda ainda mais intensa: a produção passou de 108 mil toneladas em 2010/2011 para 28,8 mil na última safra.
Auxílio emergencial
Segundo o Ministério da Integração, o reconhecimento de situação de emergência por conta da seca deve ser solicitado pelos municípios e estados castigados pela estiagem. A iniciativa funciona como auxílio emergencial, viabilizado por meio de perfuração de poços, implantação de ações da Operação Carro-Pipa e adutora de engate rápido.
Das 1.276 cidades brasileiras que acionaram a Defesa Civil, no ano passado, 913 localidades decretaram situação de calamidade duas vezes ou mais em decorrência da seca. Apenas na Região Nordeste, 97 municípios cearenses passaram por essa situação. Na Paraíba, foram 196. Já no Rio Grande do Norte, o registro recorrente de escassez de água aconteceu em 153 regiões e, em Alagoas, em três localidades.
A pasta da Integração informou ao Metrópoles que, de janeiro até março deste ano, 917 municípios brasileiros declararam situação de emergência em decorrência da seca.
Soluções adiadas
Fome, sede, adoecimento e morte provocadas pela estiagem poderiam ser evitados. Divulgado em 2011, o Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água, produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA), indicava vulnerabilidade de 55% das cidades brasileiras para enfrentar dificuldades no fornecimento até 2015. O estudo, em atualizações no momento, também apontou os investimentos nos sistemas de produção ou em novos mananciais que deveriam ter sido priorizados para garantir o abastecimento da população até 2025.
O principal empreendimento para barrar os prejuízos da estiagem no Nordeste do país está atrasado. Trata-se da transposição do Rio São Francisco. A obra já era cogitada em 2001, mas só começou a ser feita em 2007. Com investimento total de R$ 9,6 bilhões, de acordo com o Ministério da Integração, o empreendimento terá 477km de extensão em dois eixos (Leste e Norte), a fim de beneficiar 12 milhões de pessoas.
Com término previsto para 2012, o Eixo Leste só foi inaugurado na primeira semana de março deste ano. O restante deve ficar pronto até o fim de 2018 e beneficiar mais 7,1 milhões de cidadãos.
O megaprojeto de transposição conta com série de ações complementares. A Agência Nacional das Águas (ANA) informou ao Metrópoles que está aplicando novas condições de operação para os reservatórios do Rio São Francisco, em parceira com os órgãos gestores estaduais e o comitê hidrográfico da bacia do Velho Chico.
Já a pasta da Integração destacou que projetos como a Adutora do Agreste Pernambuco (PE), a Vertente Litorânea Paraibana (PB) e o Cinturão das Águas do Ceará (CE) são ações trabalhadas com os respetivos governos estaduais para levar água às vítimas da seca.
Racionamento na capital
A chuva escassa, a falta de investimento e planejamento na área de infraestrutura, aliados ao desperdício de água, também afetaram a capital federal, responsável por sediar, pela primeira vez, o 8º Fórum Mundial da Água. Desde 2017, o Distrito Federal passa por problema de abastecimento na pior crise hídrica já registrada em sua história. O Executivo local impôs à população brasiliense, em janeiro do ano passado, um rígido racionamento devido ao desabastecimento dos dois reservatórios responsáveis por abastecer o DF: Descoberto e Santa Maria/Torto. Ainda não há data para a revogação da medida.
O especialista em recursos hídricos e professor da Universidade de Brasília (UnB), Sérgio Koide, diz que o desabastecimento era previsto há pelo menos 12 anos. Por isso, aponta, o Governo do Distrito Federal deveria ter adotado medidas para resolver o problema. “A gestão da época decidiu apostar todas as fichas na captação em [rio] Corumbá. Mas o projeto grandioso demandou alto investimento e, devido a diversos problemas, não começou a funcionar até hoje”, ressaltou.
Com o objetivo de minimizar a situação, o GDF inaugurou, em outubro do ano passado, serviços de captação de água no Lago Paranoá, cartão postal da capital brasiliense, e no Subsistema Bananal, localizado próximo à Granja do Torto. As obras de Corumbá, no entanto, continuam, e a entrega está prevista para dezembro de 2018.