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“Os meninos apanharam antes de morrer”, diz chefe de polícia do RJ

O secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, revela detalhes sobre a investigação dos assassinatos de três meninos em Belford Roxo

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Divulgação/Polícia Civil
Meninos desaparecidos em Belford Roxo
1 de 1 Meninos desaparecidos em Belford Roxo - Foto: Divulgação/Polícia Civil

Rio de Janeiro – A investigação sobre a morte dos três meninos de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, em dezembro de 2020, revelou nos últimos dias a responsabilidade do tráfico de drogas nos assassinatos.

O inquérito da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense concluiu que Fernando Henrique Ribeiro Soares, de 11 anos, Alexandre da Silva, 10, e Lucas Matheus, 8, foram surrados antes de morrer.

Um não sobreviveu às agressões e os outros dois forma executados a tiros.

Os corpos foram jogados no Rio Botas, próximo do Morro Castelar, naquele município. Os responsáveis pelo crime foram assassinados por ordem da cúpula da própria facção do tráfico que domina a comunidade, o Comando Vermelho.

Em entrevista exclusiva ao Metrópoles, o secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, revela os bastidores da apuração do caso, que envolveu toda a estrutura da instituição.

Contra a quadrilha, comandada pela facção criminosa Comando Vermelho (CV), foram expedidos 51 mandados de prisão por associação ao tráfico e cinco por homicídio em operação na quinta-feira (10/12), dos quais 33 foram cumpridos. Dos acusados dos assassinatos dos garotos, três foram mortos pelo bando, um está preso e outro foragido.

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Um dos meninos desaparecidos é flagrado perto de bandidos
Bandidos armados circulam livremente na favela
Imagens mostram criminosos do Castelar em largo da comunidade
A repercussão do crime resultou em disputas internas na quadrilha, com punições severas aos desafetos
Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula, gerenciava a venda de drogas na comunidade do Castelar
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Allan Turnowski, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro

Adriana Cruz/Metrópoles
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Um dos meninos desaparecidos é flagrado perto de bandidos

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Bandidos armados circulam livremente na favela

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Imagens mostram criminosos do Castelar em largo da comunidade

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A repercussão do crime resultou em disputas internas na quadrilha, com punições severas aos desafetos

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Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula, gerenciava a venda de drogas na comunidade do Castelar

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Wiler Castro da Silva, vulgo Estala, foi morto por comparsas da facção

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Wiler Castro da Silva, vulgo Estala

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Polícia reproduziu fotos de José Carlos dos Prazeres Silva, vulgo Piranha, no relatório da investigação

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Um dos envolvidos na morte dos meninos é José Carlos dos Prazeres Silva, vulgo Piranha

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José Carlos dos Prazeres Silva, vulgo Piranha

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As investigações começaram com a denúncia das famílias do desaparecimento dos meninos. O senhor acompanhou de perto o inquérito?

Desde o primeiro dia (27 de dezembro de 2020), quando houve o sumiço dos meninos, em uma área carente. Era um caso sensível. Eles não tinham um clube, não tinham um colégio, eles não eram vigiados, como crianças em outras áreas da cidade. Não resolver esse crime, significaria para essas comunidades um pavor de que seus filhos pudessem sumir, sendo que essa liberdade, talvez, seja a única diversão deles. Mexia com a rotina. Tínhamos que resolver o caso.

Qual foi o desafio da etapa inicial de investigação de um crime como este?

Todas as hipóteses, no início, foram apuradas. Até informações de que eles tinham sido levados para serem usados para servir para um transplante de órgãos. Mas, enfim, nós precisávamos ir em busca da verdade.

A polícia começou a identificar pistas sobre a participação do tráfico na morte das crianças. E, ao mesmo tempo, esses criminosos poderiam representar uma ameaça às próprias famílias que pediam uma solução para o caso. Como lidar com esta situação?

O que me chamou a atenção: ninguém vai a uma delegacia pedir ajuda para encontrar seus filhos e, ao mesmo tempo, queima um ônibus é na porta da unidade. Nunca na história de um desaparecimento houve um ônibus queimado. Isso era coisa do tráfico de drogas. O advogado que prestou auxílio às mães defendia os traficantes da localidade nos casos deles na delegacia.

Então, o senhor acha que os traficantes queriam esconder o caso das mães?

Não. Estavam querendo monitorar as mães. Acompanhar os passos delas, sem elas perceberem, através do advogado, que, em tese, estava ajudando. O advogado ia acabar levando as informações para o tráfico de drogas controlar a situação. Então, aconteceu um terceiro fato: os traficantes torturaram uma pessoa e mandaram os moradores levar para a porta da delegacia. (Ele se refere a um homem torturado injustamente por criminosos, acusado do sumiço dos meninos, e levado para a porta da 54ª DP (Belford Roxo), em 12 de janeiro deste ano). Ali começou a ficar claro que havia uma ação orquestrada pelo tráfico de drogas.

Como avançar na investigação em uma área dominada pelo tráfico?

Quando você está em uma área formal da cidade, você tem uma série de tecnologias que auxiliam na investigação. Isso não tem nada a ver com ser pobre ou rico. Isso tem a ver com área formal ou informal. Todos os prédios em áreas formais têm câmeras e têm testemunhas para falar livremente sobre um fato que aconteceu. O que não acontece em um ambiente dominado por traficantes, carente, que você sequer pode falar de uma suspeita do tráfico.

Em março, o Ministério Público obteve imagem dos meninos andando em uma rua que a polícia não tinha. À época, foi cogitado falha na investigação.

Foi vista uma imagem dos meninos em uma rua. Essa imagem passou pela Delegacia de Homicídios e houve uma falha humana. Porém, essa imagem era de uma rua que passava da comunidade para a feira. Mas nós já tínhamos a informação de que eles passaram na feira. Então, essa imagem não mudou em nada o rumo do caso, mas comprovava o que as testemunhas estavam dizendo. Faz parte. Mas nem o atraso no início do registro do caso ou a imagem afetaram o rumo da investigação. Então, passamos a fazer operações contra o tráfico em várias frentes.

De que maneira foram abertas essas frentes? 

Historicamente, não há mortes em comunidades sem a autorização da cúpula da organização criminosa. Então, fizemos a operação Caixinha S/A. (Ele se refere a ação em abril nos presídios sobre esquema de lavagem de dinheiro das principais facções criminosas do Rio). Buscamos informações ainda com o nosso serviço de inteligência para subsidiar indiretamente a Delegacia de Homicídios. E também começamos a apurar a participação da cúpula na autorização do crime. Nesse período, nós já tínhamos dados sobre a participação dos traficantes locais.

Como a polícia fez para desconstruir as pistas falsas?

O Uriel (Uriel Alcântara, titular da Delegacia de Homicídio), ele foi destruindo, com o cruzamento de dados, cada pista falsa. Por exemplo, havia a informação de que os meninos foram mortos por milicianos em um armazém, em um determinado endereço. Então, fomos ao endereço, o local é dentro de uma área de tráfico de drogas.

Pode citar outra pista falsa?

O espancamento de um inocente. O fato foi investigado e ficou comprovado que os dados não batiam (Ele se refere ao fato de que em janeiro, um homem foi torturado e levado para a porta da 54ª DP (Belford Roxo). Em julho, a Justiça recebeu denúncia contra dez acusados, a maioria de traficantes pela tortura do inocente). Nós revertemos essa pista falsa. Tudo era checado. Quando você não sabe o que houve, é descartado tudo que não aconteceu. No meio da investigação, o Abelha saiu da cadeia. (Ele se refere a Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, apontado como “presidente do Comando Vermelho”. Mesmo com mandados de prisão pendentes, ele deixou a prisão em julho).

Mas qual a importância do Abelha no caso dos meninos?

Ele foi questionado no dia da operação Caixinha S/A sobre o caso dos meninos de Belford Roxo e negou. Mas, com a saída dele da prisão, começam a aparecer provas técnicas, que sustentam a linha de investigação que envolvia os traficantes. Um exemplo disso é a  testemunha que fala sobre os corpos terem sido jogados no rio. Mas a gente precisava continuar apurando e fazer o cruzamento de dados da investigação.

Há três áudios, resultado de interceptações de criminosos autorizadas pela Justiça, entre eles, o de uma mulher conversando com outro criminoso, informando que Victor Hugo dos Santos Goulart, o VT, que está preso, se entregou à polícia para não morrer no tribunal do tráfico? 

Sim. Além disso, uma testemunha contou que ouviu relato de um traficante. (aqui ele se refere a uma testemunha que teria ouvido do Wiler Castro da Silva, o Estala, que teria matado os meninos porque eles roubaram o passarinho do tio dele. Estala foi morto pelo tribunal do tráfico). Assumir a mortes dos meninos acabaria com a imagem de vítimas dos traficantes perante às comunidades. Hoje, o traficante é aquele que mata criança.

Quando a polícia teve a certeza sobre a responsabilidade do tráfico de drogas no crime?

Quando bate o depoimento das testemunhas com as provas técnicas. Por exemplo, uma testemunha diz que as crianças foram jogadas no rio, em  áudios captados com autorização judicial, temos diálogos que dão conta da morte dos meninos. Temos também a testemunha que presenciou o Estala dizendo que matou as crianças. E outra coisa importante foi a matança (quando os traficantes envolvidos nas mortes das crianças começaram a ser mortos pelo próprio tráfico), após o surgimento das provais cabais que permitiram a finalização do inquérito.

Foi identificada alguma reação do tráfico durante a investigação?

Sim. Em monitoramento de informações de inteligência, houve informações de que os traficantes iriam incendiar a cidade em razão das investigações sobre as mortes do menino apontarem para os traficantes. Comuniquei ao governador Cláudio Castro que rechaçou, de imediato, a ameaça da cúpula da facção criminosa, e nos preparamos para atuar, caso fosse necessário.

Há detalhes sobre onde os meninos foram mortos?

Ninguém viu.

Como a polícia conseguiu reconstituir os passos dos meninos antes da morte? 

Para apurar os homicídios, nós fizemos várias operações contra o tráfico com várias delegacias. Fizemos prisões importantes. Os presos prestaram depoimento que corroboraram com as provas técnicas. Nós pegamos toda a estrutura da Polícia Civil para trabalhar no caso.

Até que ponto houve a reconstituição dos passos dos garotos? 

Eles furtaram o passarinho na comunidade e foram negociar na feira. Quando voltaram para a comunidade, eles foram capturados e torturados. Apanharam. Uma testemunha, o irmão do acusado da ocultação dos cadáveres disse que os corpos, que estavam em sacos, foram jogados no rio. Elas já tinham furtado outros passarinhos. Esses animais valem R$ 400, R$ 2 mil nas feiras. Isso é muito dinheiro em uma comunidade carente. Isso é levado a sério nas comunidades.

A surra foi dentro da comunidade?

Os três apanharam. Um morreu por causa da surra e os outros dois foram executados.

Mas os corpos ainda não foram encontrados. As investigações continuam?

Celulares foram apreendidos na operação de quinta-feira (9/12). Se houver provas novas, vamos apurar as informações.

 

 

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