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Os “biógrafos” de Bolsonaro. Como funciona a Wikipédia do presidente

O que era resumida em poucas linhas, a vida pessoal e política de Bolsonaro virou um verbete com 74.738 caracteres, umas 24 laudas do Word

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Marcos Corrêa/PR
Discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU 3
1 de 1 Discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU 3 - Foto: Marcos Corrêa/PR

Um usuário identificado como Pascoal IV foi o último a editar o arquivo da Wikipédia sobre o presidente Jair Bolsonaro, às 22h56 do dia 7 de outubro. Em uma rápida modificação na linha 20 das infobox, ele acrescentou uma pequena informação que faltava nos dados pessoais do chefe de Estado: “Nome completo: Jair Messias Bolsonaro”, escreveu.

A informação não é nenhuma novidade, mas, por algum motivo, não estava no lá, mesmo depois de 2.956 edições na página desde 31 de outubro de 2006, quando foi criada, às 1h27, por um endereço de IP de Santa Catarina.

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Pascoal IV é, no entanto, apenas um — e longe de ser o mais ativo — entre os 616 usuários que podem fazer modificações no verbete presidenciável. Diferentemente de parte dos arquivos da Wikipédia, escrever sobre Bolsonaro não é para qualquer um: a página é protegida, tem regras bem restritas e o editor precisa ser no mínimo um dos autorrevisores da rede, segundo cargo mais disputado pelos wikipedistas, como se denominam. O grupo está em “poderes” atrás apenas dos administradores, classe mais alta de usuários que têm a prerrogativa de mudar, editar, desfazer e restringir a edição de verbetes.

Desde a sua criação, o perfil de Bolsonaro ganhou cada vez mais conteúdo, acompanhando a ascensão política do atual chefe de Estado. O que era resumida em poucas linhas, a vida pessoal e política dele virou uma página com 74.738 caracteres, umas 24 laudas do Word. Parte disso, graças aos editores do presidente.

O usuário Chronus, um dos 75 administradores da Wikipédia em português, é o campeão de contribuições. Pseudônimo de Heitor Carvalho Jorge, jornalista de 29 anos, que vive em São Paulo, foi o responsável por 844 edições, feitas desde 1 de setembro de 2011, às 5h21. Ele está há 13 anos, 2 meses e 4 dias cadastrado na Wikipédia e foi quem incluiu no texto de Bolsonaro a categoria que chamou de “Postura diante da pandemia da Covid-19”.

O segundo lugar pertence a Bageense, conhecido fora da rede como Gabriel Collares. O wikipedista é estudante de 25 anos que mora em Bagé, no Rio Grande do Sul. Desde 2017 contribuiu com 375 edições no verbete do presidente. “Minha sensação é de ter feito aquilo que ninguém quis fazer. É apenas como um dever, já que, do ponto de vista do projeto, o artigo dele merece ser expandido como qualquer outro”, explicou, em entrevista ao Metrópoles, depois de deixar claro que não apoia Bolsonaro. Junto a Chronus, os dois são responsáveis por 55,7% do conteúdo publicado.

Como funciona

A maior parte das decisões editoriais da página do presidente são “negociadas”. Em uma espécie de rede social interna, o usuário que deseja fazer alguma modificação ou até mesmo sugestão precisa abrir uma discussão para os nomeados administradores e autorrevisores opinarem sobre o assunto. Eles decidem o que pode ser incluído e o que deve ficar de fora do verbete. E briga entre eles, não falta.

Em uma discussão recente, um usuário sugeriu colocar na parte destinada as Condecorações o “prêmio que debocha o presidente, dado pela TV France 2”, escreveu. Bageense foi desfavorável. “Já tentaram fazer isso e não deu muito certo. Pessoalmente, sou contra a inserção desse prêmio porque não é de fato um prêmio, é mais uma brincadeira”, respondeu. “Deixa quieto então, qualquer coisa coloca no artigo de polêmicas dele. Grato”, recebeu como tréplica.

Outra vez, Bageense barrou a vontade do usuário Robben de que o artigo de Bolsonaro citasse o fato de ele “ser o segundo presidente teuto-brasileiro eleito de forma direta”, como escreveu.

“Acho que em geral nós brasileiros somos tão misturados que não faz sentido importar essa mania norte-americana de hifenizar o nome das pessoas. Isso é importação indevida de coisa dos Estados Unidos. Nós chamamos as pessoas de pardas, não de ‘afro-brasileiras’. Do mesmo modo, nós não classificamos as pessoas como teuto-brasileiras. Mencionar isso no artigo é totalmente irrelevante”, afirmou.

A conversa não acabou por aí. Revoltado, Robben rebateu. “Temos que admitir que o Brasil é um caso perdido mesmo, centro mundial da hipocrisia.” Depois disso, o assunto se encerrou. E a modificação não foi feita.

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Intervenções do Planalto

Por ser aberta às contribuições de qualquer pessoa, artigos da Wikipédia são, eventualmente, vítimas de “vandalismos”, como eles chamam as intervenções de má-fé de usuários, que inserem piadinhas e até xingamentos nas linhas de determinados verbetes.

Em alguns casos, a situação ganha tamanha repercussão que até o Planalto se envolve. “Eles já tentaram interferir nas edições do artigo do ex-ministro da educação Abraham Weintraub. Mas edições no artigo do Bolsonaro, não”, contou Bageense.

O editor relembrou quando usou uma citação extraída do livro Jair Bolsonaro, Mito ou Verdade, escrito por Flávio Bolsonaro, na seção sobre a época em que o presidente era vereador. “Inseri a seguinte citação extraída do texto: ‘foi candidato a vereador porque calhou de ser a única opção que possuía no momento para evitar que fosse vítima de perseguição por parte de alguns superiores. Seu ingresso na política aconteceu por acaso, pois sua vontade era dar continuidade na carreira militar.’ Talvez não tenha sido intencional, mas o próprio Flávio admitiu que a entrada do pai na política se deveu a motivos nada nobres. Felizmente, nunca recebi uma advertência do Planalto”.

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