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Operação Greenfield: MPF/DF denuncia 14 pessoas à Justiça

Caso envolve investimentos da Funcef no FIP Cevix. Prejuízo causado ao fundo de pensão ultrapassou R$ 400 milhões

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
PF,  operação greenfield
1 de 1 PF, operação greenfield - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Ministério Público Federal (MPF/DF) enviou à Justiça nesta quarta-feira (17/5) a primeira ação penal elaborada no âmbito da Operação Greenfield. Ao todo, foram denunciadas 14 pessoas, incluindo ex-diretores da Funcef (Fundo de Pensão dos Funcionários da Caixa Econômica Federal), empresários ligados à empresa Engevix, responsável pela criação e gestão Fundo de Investimento em Participações (FIP) Cevix, além de políticos e um ex-superintendente da Caixa Econômica Federal.

O grupo é acusado de praticar crimes como gestão fraudulenta e temerária, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, além de outros previstos na Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro. Com base em provas reunidas durante a investigação, o MPF aponta a existência de um prejuízo de R$ 402 milhões para os cofres do fundo de pensão, em valores atualizados até 2015. O montante contribui para o rombo total da instituição, estimado, atualmente, em R$ 18 bilhões.

Assinado por sete procuradores da República que integram a força-tarefa que apura as suspeitas de irregularidades na aplicação de recursos das chamadas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) em empresas privadas, a denúncia traz, nas primeiras páginas, uma descrição detalhada da forma como eram criadas as condições para a prática dos crimes. Uma descoberta que foi possível graças à atuação conjunta de instituições como Previc e Receita, que contribuíram com o trabalho investigativo do MPF e da PF. Um ponto em comum – verificado pelos investigadores, tanto no caso mencionado na ação penal quanto em outros ainda em andamento — foi a chamada sobreprecificação dos ativos dos FIPs.

Viabilizada por meio de avaliação econômico-financeira irreal e tecnicamente irregular, a prática é comparada ao superfaturamento de obras públicas. Ambas as estratégias têm o objetivo de fazer com que o poder público (no caso das obras) e os Fundos de Pensão (no caso da compra das cotas) paguem valores acima do que efetivamente vale o “produto” negociado. Como consequência, frisam os autores da ação, tem-se, de um lado, prejuízo ao investidor institucional e, do outro, o enriquecimento ilícito do grupo econômico criador do FIP.

Ainda em relação a características comuns, verificadas na maioria dos investimentos apurados, o MPF menciona a existência de cinco núcleos criminosos: o empresarial, formado por dirigentes de fundos de pensão; o dos políticos; o de empresas avaliadoras; e o dos gestores e administradores dos FIPs.

Sobre o modo de atuação, os procuradores afirmam que ele se repetiu em oito dos dez casos. No primeiro momento, é tomada a decisão de investir recursos dos fundos de pensão em empresas com problemas financeiros. Na etapa seguinte, ocorre a formalização do investimento, sempre de forma indireta, via FIP. O terceiro passo é marcado pela contratação de empresas com o propósito de fazer avaliações superestimadas dos ativos. O ciclo se fecha na quarta etapa quando gestores dos fundos conseguem, a partir de relatórios frágeis e mesmo sem pareceres de governança, jurídicos ou desprezando análises de risco, a aprovação da respectiva Diretoria Executiva e, consequentemente, a realização dos aportes financeiros.

O caso Cevix
Em relação ao caso Cevix, a ação detalha o processo que começou ainda em 2008, quando foram iniciadas as conversas para a criação de uma empresa do ramo elétrico, a Cevix Energia Renováveis S/A. Já no ato de criação, ficou estabelecido que a companhia receberia investimentos do FIP Cevix, cujo capital seria integralizado pela Funcef e Desenvix. O Fundo de Pensão deveria investir R$ 200 milhões (25% do total) e a empresa privada deveria aportar R$ 600 milhões (75% do capital total do FIP). As investigações revelaram, no entanto, que o total desembolsado pelo Fundo de Pensão chegou a R$ 260,6 milhões. Já a Engevix investiu R$173 milhões. Apesar da discrepância, a divisão na participação acionária foi mantida: 75% da cotas pertenciam à empresa enquanto a Funcef mantinha 25%.

Na ação, o MPF aponta as pessoas (todas na lista de denunciadas) responsáveis tanto pelas negociações iniciais quanto pelas articulações que levaram à viabilização dos investimentos, feitos em cinco parcelas, entre dezembro de 2009 e julho de 2010. Da parte da empresa, aparecem Gerson de Mello Almada, Cristiano Kok e José Antônio Sobrinho. Representando a Funcef, o papel de destaque é atribuído ao então diretor de investimentos, Demosthenes Marques. Além dele, são mencionados cinco integrantes da diretoria executiva: Guilherme Narciso de Lacerda (diretor-presidente), Luiz Philippe Peres Torelly (diretor de Participações Societárias e Imobiliárias), Antônio Bráulio de Carvalho (diretor de Planejamento e Controladoria), Geraldo Aparecido da Silva (diretor de Benefícios, em exercício à época dos fatos) e Sérgio Francisco da Silva (diretor de Administração). Também aparece na relação, Roberto Carlos Madoglio (ex-superintendente Nacional de Fundos de Investimentos Especiais da Caixa).

Sobrecificação e ausência de diligências
Segundo a denúncia, para que fosse viabilizado, tanto o investimento inicial da Funcef, quanto os demais, decorrentes de reestruturação do FIP, houve a prática da gestão fraudulenta e temerária dos recursos do fundo de pensão. São mencionados dois pontos específicos como os que viabilizaram a prática. O primeiro foi a supervalorização dos ativos do FIP e o segundo, a não observação “dos devereres de due diligence”. Chama a atenção, por exemplo, o fato de a aprovação dos investimentos ter sido feita pela diretoria executiva antes mesmo da realização das avaliações jurídica e de risco, exigência prevista em circular normativa interna que trata do processo decisório de investimentos.

Ao detalhar o esquema que levou à chamada sobrecificação, os procuradores explicam que a Funcef contratou, em dezembro de 2009 a Upside Finanças Corporativas para que fizesse a avaliação dos ativos que haviam sido aportados pela Desenvix no FIP recém-criado. Em dois relatórios apresentados pelo sócio-diretor da Upside, Humberto Bezerril Gargiulo, foram avaliados 13 empreendimentos indicados pela empresa para compor o capital da Cevix. De acordo com o documento, cinco deles já estavam em operação (brownfield) e oito ainda estavam em construção ou existiam apenas como projetos (greenfield). A lista de empreendimentos é formada por usinas e centrais hidrelétricas.

Citando documentos como autos de infração da Previc, um laudo pericial da Polícia Federal e depoimentos de pessoas como Fábio Maimoni Gonçalves, que atuou como colaborador espontâneo durante as investigações, o MPF argumenta que a “Upside desconsiderou riscos reais do investimentos em questão”.

Com base na avaliação apresentada pela Upside, a Funcef considerou que os ativos da Desenvix valiam R$ 782 milhões (o segundo maior valor informado pela empresa de finanças). Em cima desse preço, foi aplicada uma taxa de desconto de 6,42%, dois pontos percentuais menor que o considerado correto pelo MPF. No documento, os procuradores afirmam que se o percentual tivesse sido de 8,46%, o valor final dos ativos da empresa teria ficado quase R$ 190 milhões a menos que o efetivamente considerado pela Funcef como parâmetro para os aportes financeiros. “Quando a Funcef decidiu por essa taxa de desconto, sua Diretoria Executiva terminava por decidir que o investimento na Desenvix seria menos arriscado do que a aplicação de recursos em títulos públicos federais, o que é um absoluto contrassenso, um verdadeiro absurdo desde o ponto de vista técnico”, enfatiza um dos trechos da denúncia.

Pagamento de Propina
Embora não tenha sido o objeto principal da investigação — que priorizou a apuração das suspeitas de gestão fraudulenta e temerária dos recursos da Funcef — a descoberta de que os representantes da empresa privada pagaram propina a Milton Pascowitch e João Vaccari Neto – então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) é mencionada na ação. Os dois integram a lista de denunciados por terem recebido, em quatro oportunidades, o valor acumulado de R$ 5,5 milhões líquidos. O dinheiro, conforme os investigadores, foi pago de forma dissimulada pela Engevix Engenharia S/A à Jamp Engenheiros Associados de santa Catarina.

Na ação, os procuradores destacam que os pagamentos foram analisados pela Receita Federal, que concluiu pela “inexistência de atividade econômica real que desse suporte a tais transferências financeiras”. Para o MPF, o real motivo dos pagamentos era a interferência feita por Vaccari e Pascowitch para garantir a conclusão dos aportes realizados pela Funcef em FIPs ligados à Engevix. Um dos casos, inclusive, ainda deverá ser objeto de ação penal. Ainda em relação ao destino dado ao dinheiro da propina, a ação menciona que as informações já reunidas dão conta de que os valores eram repassados ao PT, frisando, no entanto, que até o momento, não foi possível mapear como foram efetivados esses repasses.

Colaborações espontâneas e novas ações
Ao longo da denúncia, o MPF cita que o processo de apuração dos fatos — tanto o que trata especificamente do caso Cevix (objeto da presente ação) quanto os demais que seguem na fase extrajudicial — contou com a participação ativa da Previc, entidade responsável por fiscalizar a atuação dos fundos de pensão e de outros órgãos como a Receita Federal e Polícia Federal. A participação da Funcef, enquanto entidade lesada, também é mencionada no documento.

Além dessas fontes de informação, o MPF contou com o que os procuradores chamam de “colaboração espontânea unilateral” de acusados como Gerson Almada, Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho e de testemunhas como Fábio Maimoni Gonçalves, Renata Marotta e Humberto Gargiulo. As informações fornecidas pelos colaboradores foram importantes para a comprovação de fatos como o desrespeito a normas internas quanto à necessidade de diligências e análise de riscos. Também foi possível provar a elaboração de pareceres técnicos viciados que tinham o objetivo de subsidiar posicionamentos favoráveis ao investimentos. Foi o que revelou Maimoni, ao citar um documento elaborado por ele, por ordem de seu superior Demósthenes Marques.

Junto com a ação, os procuradores informaram à Justiça que, diante da falta de provas de que houve dolo na atuação das três testemunhas (Fábio, Renata e Humberto) e considerando a boa-fé demonstrada por eles no curso da investigação, deixariam de apresentar, neste momento, denúncia contra as três. A providência não está descartada, caso surjam novos dados que evidenciem má-fé na prática dos atos envolvendo o caso.

Em relação aos pedidos de apresentação na ação penal, o MPF defende a condenação dos 14 denunciados pelas práticas atribuídas a cada um dos envolvidos. Somadas, as penas máximas dos crimes atribuídos a eles chega a 94 anos de reclusão. Além das prisões, foi solicitado que o juiz estipule um valor mínimo para a reparação econômica e moral da Funcef bem como de seus participantes e beneficiários. O montante sugerido — a ser pago de forma solidária pelos denunciados, em caso de condenação — é de R$ 1,2 bilhão, o equivalente ao triplo do prejuízo causado aos cofres do fundo de pensão.

Lista de denunciados
1. Demósthenes Marques
2. Guilherme Narciso de Lacerda
3. Luiz Philippe Peres Torelly
4. Antônio Bráulio de Carvalho
5. Geraldo Aparecido da Silva
6. Sérgio Francisco da Silva
7. Carlos Alberto Caser
8. José Carlos Alonso Gonçalves
9. Roberto Carlos Madoglio
10. José Antunes Sobrinho
11. Gerson de Mello Almada
12. Cristiano Kok
13. Milton Pascowitch
14. João Vaccari Neto

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