ONG ligada a secretário-executivo dos Povos Indígenas tenta contrato de R$ 100 mil com governo
O número 2 do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, é sócio-fundador de organização que concorre em edital do Ministério da Justiça
atualizado
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Uma organização fundada pelo atual secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Terena, tenta ganhar R$ 100 mil em um edital de financiamento do governo federal para enfrentamento aos impactos das drogas em terras indígenas.
Eloy é fundador e aparece atualmente, na Receita Federal, como sócio do Núcleo de Defesa e Assessoria Jurídica Popular (Najup), organização do Mato Grosso do Sul que está concorrendo ao edital, com a proposta de realizar oficinas e assessoria jurídica para o povo Guarani e Kaiowá por R$ 99.900,00.
Nas regras do edital, é proibida a participação de organização que tenha, em seu quadro de dirigentes, algum membro da administração pública federal, que é o caso de Eloy.
O edital é da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), mas Eloy Terena participou diretamente de sua construção, como ele mesmo declarou no dia do lançamento do certame.
Cada organização vencedora leva no máximo R$ 250 mil, a depender do tamanho do projeto. O valor total do edital é de R$ 3 milhões, que serão divididos para diferentes projetos. O resultado preliminar do edital será divulgado dia 13 de setembro.
Participação direta
Além de ser sócio do Najup, Eloy participou diretamente da elaboração do edital, a convite da chefe do Senad, Marta Machado, ainda em janeiro. Ele mesmo relatou isso durante o lançamento do concurso, diante de Marta, quando representou a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
O edital foi lançado no auditório do Palácio da Justiça, em Brasília (DF), em 5 de junho, data em que os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira completaram um ano. O evento foi em tom de homenagem, com a presença da viúva de Bruno, Beatriz Matos.
Veja o vídeo:
Eloy se reuniu com a chefe do Senad, responsável pelo edital, pelo menos três vezes desde que assumiu o cargo no MPI, segundo duas publicações no Instagram de Eloy e uma na agenda oficial de Marta.
Sociedade continua
A reunião mais antiga registrada entre Eloy e Marta foi no dia 9 de fevereiro. Cerca de duas semanas depois, em 25 de fevereiro, o secretário-executivo do MPI pediu para retirar seu nome do quadro societário do Najup, durante assembleia extraordinária da organização. A ata dessa assembleia está entre os documentos cadastrados para participar do edital.
No entanto, quase seis meses depois, o nome de Eloy continua no quadro societário do Najup, conforme pesquisa realizada nesta quinta-feira (17/8) no site da Receita Federal.
Quem representa o Najup no edital é o advogado Anderson de Souza Santos, apontado como coordenador-geral da organização. Nos documentos protocolados para o concurso, há uma “relação dos dirigentes da entidade”, assinada em 4 de julho, sem o nome de Eloy.
Além de sócio de Eloy Terena no Najup, o advogado Anderson também consta como sócio de Eloy na empresa Eloy e Souza Santos Advogados Associados.
Organização conhecida
O trabalho de Eloy Terena e Anderson de Souza no Najup como advogados da causa indígena é conhecido. Eles ajudam povos indígenas do Mato Grosso do Sul em questões judiciais. A organização Najup, inclusive, recebe ajuda de ONGs internacionais, como a americana Nia Tero.
Até o dia 26 de julho, faltando dois dias para o fim do prazo de inscrição no edital de financiamento para enfrentamento aos impactos das drogas em terras indígenas, o Najup era a única organização inscrita no certame. Outras nove se inscreveram nos últimos dois dias do prazo. Todas as organizações concorrentes no edital ainda estão na fase de “envio para análise preliminar”.
Procurado pela reportagem, o Ministério dos Povos Indígenas informou, em nota, que Eloy Terena está dissociado do Najup desde março de 2023. “Após se desligar da mencionada sociedade, o secretário-executivo não mantém qualquer vínculo com a instituição mencionada e, por isso, não possui poder de decisão ou informações sobre os editais aos quais a instituição se escreve”, defendeu o órgão no texto. A nota, aprovada por Eloy, ainda diz que uma comissão de seleção do edital ainda será constituída e analisará a legalidade das propostas. A reportagem reiterou que, de fato, Eloy pediu para deixar a sociedade em fevereiro, mas seu nome permanece como sócio na Receita Federal.
Já o Ministério da Justiça respondeu que o edital será conduzido por uma comissão que analisará as propostas dentro do parâmetro do edital. “Um dos objetivos da comissão de seleção é fazer o filtro de legalidade das propostas, avaliando adequação de organizações pleiteantes e de projetos e possíveis impedimentos na participação do processo”, diz trecho da nota, que também foi a respota da secretária Marta Machado.
O Metrópoles entrou em contato por telefone e mensagem com o coordenador do Najup e sócio de Eloy, advogado Anderson de Souza, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.