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Observatório identifica 42 políticos com fazendas em terras indígenas

Mato Grosso do Sul lidera lista com o maior número de áreas invadidas, segundo De Olho nos Ruralistas

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Fotos: Vinícius Schmidt/Metrópoles
Indígenas de todo o Brasil marcham do Acampamento Terra Livre, na Praça da Cidadania, até o Congresso Nacional. / Metrópoles
1 de 1 Indígenas de todo o Brasil marcham do Acampamento Terra Livre, na Praça da Cidadania, até o Congresso Nacional. / Metrópoles - Foto: Fotos: Vinícius Schmidt/Metrópoles

No Brasil, 42 políticos e seus familiares de primeiro grau são titulares de fazendas que ficam dentro de terras indígenas, o que constitui uma irregularidade do ponto de vista legal, e ameaça os direitos constitucionais de povos originários que ali vivem.

É o que denuncia a segunda parte do dossiê Os invasores, elaborado pelo observatório De Olho nos Ruralistas. O documento está sendo lançado nesta quarta-feira (14/6), no Cine Petra Belas Artes, em São Paulo, acompanhado de debate sobre a temática e de exibição do premiado documentário Vento na fronteira, que retrata um conflito entre fazendeiros e indígenas guarani kaiowá na fronteira entre Brasil e Paraguai.

A primeira parte do relatório foi divulgada durante o Abril Indígena, mês em que se procura dar maior projeção para as inúmeras lutas da causa indígena em todo o país. No documento já se havia informado a identificação de 1.692 sobreposições, das quais se destaca agora a porção pelas quais respondem clãs políticos.

O observatório detectou terras com sobreposição a partir da análise de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mais especificamente, das bases do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e do Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI). Os políticos e sua rede têm em suas mãos 96 mil hectares, o equivalente à soma das áreas urbanas de Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Com 17 casos, Mato Grosso do Sul lidera a lista. Em seguida, aparecem Mato Grosso e Maranhão, com sete, cada.

Poder aquisitivo

De acordo com o coordenador de projetos do observatório, pesquisador Bruno Bassi, os atores que protagonizam a prática ilegal e que ameaçam os povos indígenas são tanto políticos como pessoas com poder aquisitivo, que financiam tais ações e se mantêm em determinada teia de relações.

“Apesar de a gente ter um número relativamente reduzido de políticos identificados com sobreposição direta, é interessante observar que, na verdade, não é um número tão pequeno quando a gente pensa que é, um [total] que corresponde a uma porcentagem relativamente alta desse número, pensando que se esperaria que a imagem que se tem, normalmente, dos fazendeiros que disputam áreas em terras indígenas, e isso é um discurso bastante reforçado pela mídia corporativa, é que são pessoas desconhecidas, que o promotor desses conflitos é o pequeno grileiro, um cara que ninguém conhece, que está lá no interior do Brasil, promovendo esse tipo de ação”, afirma Bruno.

“O avanço do território, sobretudo do agronegócio, sobre territórios indígenas ou reivindicados pelos povos indígenas é promovido, de um lado, pelo capital, pelas grandes empresas e corporações, por multinacionais, grandes empresários, e tem uma interface política, que abarca desde a posse direta por pessoas que se envolvem nesse universo político. A gente tem governador, deputados federais, um senador, cinco prefeitos e vice-prefeitos com mandato atual e 23 ex-prefeitos, o que demonstra o tamanho dessa esfera municipal, do poder local, na posse de terras. A gente tem deputados estaduais”, acrescenta.

O coordenador faz outra observação sobre as sobreposições: “A gente tem desde casos declarados de invasão, ou seja, são em áreas [indígenas] homologadas, que são tentativas de grilagem, como o caso do senador Jaime Bagattoli, feita pelo antigo proprietário da área e que foi mantida nos registros fundiários do SNCI, e há casos em que essa sobreposição impede, muitas vezes, a própria demarcação do território”, acentua Bruno.

Subvertendo a lógica

Ele diz que “vários dos processos de Mato Grosso do Sul se desenrolam por mais de uma década até que se chegue a uma decisão. E esses prazos têm sido ainda maiores em função do avanço político, na Câmara [dos Deputados], especialmente, em se aprovar o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, que é a base de contestação de vários desses processos, uma tese que ignora que esses indígenas foram expulsos continuamente dessas áreas, principalmente durante os anos 40, 50 e 60, atrás das frentes de colonização, em que o próprio Estado brasileiro, através do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), expulsava essas comunidades e realocava em áreas extremamente diminutas, em relação ao território anteriormente ocupado pelos indígenas”.

“Quem são os reais invasores de terras no Brasil? Os movimentos populares que lutam pela reforma agrária e pela demarcação de terras indígenas, direitos consagrados na Constituição de 1988? Ou os grileiros que invadem milhões de hectares na Amazônia, no cerrado e nos demais biomas?” Essas são algumas das pontuações que constam do relatório.

Nessa linha, que critica a criminalização dos movimentos sociais, Bruno Biassi finaliza dizendo que o que o observatório propõe, com o documento, é a inversão da lógica sempre disseminada. “Vamos também pautar a invasão de terras pelo agronegócio”, argumenta.

Guarani kaiowá e indígenas isolados

Entre os nomes que aparecem em destaque com a divulgação do relatório estão o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e o deputado federal Dilceu Sperafico (PP-PR). Bagattoli integra, atualmente, a Comissão de Meio Ambiente, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e a Comissão Parlamentar de Inquérito das organizações mão governamentais (ONGs).

Sperafico é membro da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, na Câmara dos Deputados, e publicou um vídeo, em sua conta no Instagram, comemorando a aprovação do Projeto de Lei 490/2007 na Câmara, que contou com seu voto favorável.

No vídeo, ele justificou o voto, dizendo que proprietários rurais têm tido suas fazendas ameaçadas por processos de demarcação “indevida” de terras indígenas, em Mato Grosso do Sul e no Paraná.

E é justamente em Mato Grosso do Sul – estado com fama de violência no campo e assassinatos de indígenas, documentados por entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – onde Sperafico tem uma fazenda, a Maracay, no município de Amambai. A propriedade de que é dono tem mais de quatro mil hectares, de acordo com o observatório De Olho nos Ruralistas, e fica sobre a Terra Indígena Iguatemipeguá, dos guarani kaiowá.

No caso de Bagattoli, a fazenda em situação irregular é a São José, que fica no município de Corumbiara, em Rondônia. A porção que está sobreposta é de 2,5 mil hectares em relação à Terra Indígena Rio Omerê, local habitado pelos povos akuntsu e kanoê, que vivem em isolamento voluntário.

O patrimônio declarado por Jaime Bagattoli ao Tribunal Superior Eleitoral, que inclui diversos lotes rurais, ultrapassa R$ 55 milhões. O de Sperafico supera R$ 46 milhões.

Invasores de territórios de povos originários também foram os responsáveis por bancar 29 campanhas de candidatos à eleição ou reeleição à Presidência da República, ao Congresso Nacional, a governos estaduais e assembleias legislativas. O montante de doações ultrapassou R$ 5,3 milhões.

Considerando somente pessoas ligadas à Frente Parlamentar da Agropecuária, o que se observa é que 18 integrantes receberam R$ 3,6 milhões em doações de campanha, desembolsados por fazendeiros ligados à sobreposição.

A Agência Brasil tentou contato com o deputado federal Dilceu Sperafico e o senador Jaime Bagattoli, mas nenhum deles respondeu os questionamentos da reportagem.

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