Obrigados a passar um mês em isolamento, petroleiros dizem que chegaram ao limite
Mudanças na escala de trabalho offshore têm impactado a vida dos trabalhadores da categoria
atualizado
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São Paulo – As medidas de segurança implementadas pela Petrobras para conter a Covid-19 têm adoecido inúmeros trabalhadores de plataformas offshore. Os sindicatos da categoria e funcionários da empresa denunciam casos de depressão, crises de pânico e outras doenças mentais causadas por erros na escala e isolamento excessivo.
Desde o início da pandemia, os petroleiros precisam fazer quarentena em hotéis antes de embarcar em plataformas offshore. Dependendo da região, ficam entre sete e 14 dias trancados em um quarto, sem contato com pessoas e recebendo a comida pela porta. O impacto emocional dessa rotina, que perdura há um ano devido à pandemia, tem adoecido inúmeros profissionais.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) apontou que, recentemente, a Petrobras alterou a escala de plantão sem avisar aos trabalhadores com antecedência. Com isso, dependendo do período de quarentena, os funcionários podem chegar a mais de 30 dias em isolamento por turno. Ainda segundo a entidade, alguns profissionais permanecem até 1 mês a bordo e 26 dias de folga.
Em tempos normais, os trabalhadores concursados devem cumprir, pela lei, escala de 14 dias embarcados para 21 dias de folga. Os terceirizados, por outro lado, entram em revezamento de 14 dias por 14. De acordo com o médico do trabalho do Sindipetro – NF Ricardo Garcia Duarte, essa já é uma jornada exaustiva, longa e que exige muito do físico e do mental das pessoas.
“Os petroleiros não têm autonomia quando embarcam e devem seguir regras rígidas: há horário para tudo, eles não escolhem o que comem e precisam vestir roupas e aparatos de segurança específicos. Sem contar a pressão do trabalho. Se um funcionário não estiver atento, pode custar a vida dele e de outras pessoas”, explica Duarte.
O médico conta que a pandemia aumentou o peso emocional do trabalho realizado pelos petroleiros. Eles passaram a ter vida normal mês sim e mês não. Somado a isso, um outro fator que tem deixado a classe ainda mais apreensiva: “Na pandemia, além dos riscos químicos de morte, a categoria passa a ter um risco biológico de óbito.”
Além da jornada dobrada, Duarte aponta outros problemas: “O sindicato diz aos funcionários que o distanciamento social é essencial, mas a empresa coloca eles em helicópteros com seis a 10 pessoas. No início, quando já havia indicação de utilização de máscaras, chegaram a proibir o uso do aparato. A Petrobras justificou que era para não causar pânico. Costumo dizer que socializaram a desgraça”.
Funcionários denunciam
O Metrópoles ouviu relatos parecidos de dezenas de funcionários, mas que pediram anonimato por medo de perder o emprego. De acordo com os trabalhadores, o tempo de quarentena em hotéis adicionado ao período em que ficam embarcados tem levado a categoria ao limite emocional. “Amigos viraram alcoólatras, outros tomam remédio tarja preta – sem prescrição médica – e passam o tempo de isolamento dormindo, só acordam no dia de sair do quarto”, afirmou um petroleiro.
Um segundo profissional revelou que não consegue voltar a trabalhar. Ele tem crises de ansiedade nos dias anteriores ao check-in. “A primeira crise aconteceu no quarto do hotel: perdi o ar e tive taquicardia. O supervisor me pediu para ter calma, mas acabei indo embora sozinho. O psiquiatra me afastou.”
De acordo com um terceiro trabalhador, a empresa o colocou num hotel por sete dias. “Estava nervoso desde o primeiro dia, mas no terceiro tive taquicardia e fui embora. Procurei um psicólogo, agora tomo remédio controlado e estou afastado”, contou.
Ele ainda acrescentou: “Quando falam em embarcar, tenho medo de morrer, estou tomando medicamento forte para dormir. Recebo algumas ameaças sutis para me aposentar, e vou acabar me inscrevendo no programa porque não aguento mais”.
Outra história também retrata um caso grave de crise de ansiedade. “Tenho 34 anos e nunca me imaginei tomando remédio para depressão. Meus exames apontaram diversas alterações. Durante a crise de ansiedade que tive no hotel, também sofri um leve infarto. Ainda tenho tido dificuldade de dormir.”
Em conversas nos grupos de WhatsApp, os colegas compartilham as angústias. Em um dos relatos, um funcionário desesperado afirma que estava com Covid-19, assim como outras pessoas na plataforma, e que aguardava há dois dias trancado numa cabine. Situação do tipo, contam, torna o trabalho um tormento.
Solução
O coordenador do Departamento de Saúde e Meio Ambiente do Sindipetro –NF, Alexandre de Oliveira Vieira, sugeriu à Petrobras um esquema de testagem no qual seriam realizados três exames: um para embarcar, um no período do em que o profissional estiver embarcado e outro no desembarque. A ideia é que dessa forma não haja mais a necessidade da quarentena em hotéis, mas a estatal não acatou a recomendação. “O trabalhador aceita o sofrimento psicológico e da saúde para não perder o emprego”, afirmou Alexandre.
O Painel Dinâmico da Agência Nacional do Petróleo registrou, até quarta-feira (14/4), 5.320 casos de Covid-19 em trabalhadores de plataforma offshore. O banco de dados reúne informações de casos suspeitos e confirmados da doença a bordo das instalações que executam atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. Os números são enviados pelas empresas três vezes por semana. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, cerca de 10 mil profissionais que atuam em diferentes petrolíferas do país foram afetados pelo Sars-CoV-2.
Outro lado
Diferentemente do que dizem os petroleiros, a Petrobras afirma que a quarentena pré-embarque de 14 dias, para unidades próprias da petrolífera, “com monitoramento e orientações pelas equipes de saúde”. A estatal ainda afirma que a hospedagem em hotel pode ocorrer até três dias antes do petroleiro embarcar, para realizar a coleta do exame RT-PCR e aguardar o resultado.
Quantos os casos em plataforma offshore, a Petrobras afirma “que quando o colaborador manifesta sintomas a bordo da unidade, independentemente do momento e local do contágio, é imediatamente isolado em camarote e são tomadas providências para o desembarque. São mapeados todos os contactantes desse colaborador, que também são isolados e desembarcam. Após o desembarque, os colaboradores são testados para confirmação ou descarte da contaminação”.
A empresa ainda afirma que os colaboradores da região do desembarque são encaminhados para casa com orientações de isolamento domiciliar. Os não residentes permanecem em hotel durante o período recomendado pelo Ministério da Saúde. No caso de colaboradores terceirizados, após o resultado do teste, a empresa empregadora é informada para prestar apoio ao colaborador.
Em relação ao não uso da máscara, a empresa diz que a informação é mentirosa e que implementou o uso de máscaras ainda no início da pandemia, “tão logo ficou definida a eficácia”.
Além disso, de acordo com a petrolífera, houve redução das equipes presenciais ao mínimo necessário para a operação segura, desde o início da pandemia; que realiza teste RT-PCR e avaliação de saúde em todos os colaboradores antes do embarque. A Petrobras ainda afirma que alterou as rotinas a bordo para permitir o distanciamento físico.
Quanto à questão emocional dos petroleiros, a empresa afirma “que potenciais efeitos emocionais de situações de estresse ocasionadas pela pandemia de Covid-19 não são específicos do regime de embarque. São efeitos gerais da pandemia aos quais qualquer pessoa está sujeita”. E que o atendimento é feito por uma equipe de psicólogos da companhia, de forma individual e com garantia de sigilo”.
No tocante à escala de embarque, a empresa diz que devido a pandemia adotou pela escala prolongada, onde os empregados passam 21 dias a bordo e de 28 a 35 dias em casa. “Assim reduzimos a rotatividade e o nível de contágio”, explica. Quanto aos terceirizados, ela diz que a responsável pela escala é a empresa empregadora.