Obra de igreja tocada por padre Robson está no chão: só 17% em 9 anos
Construção idealizada pelo pároco já gastou mais que o dobro do valor inicial orçado, que foi R$ 100 milhões, e não tem previsão de término
atualizado
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Goiânia – Prestes a completar nove anos do início da obra, em abril deste ano, a mega construção do novo Santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), considerada a capital da fé dos goianos, está com apenas 17% do projeto concluído.
A igreja sonhada por padre Robson não fica a dever nada para obras públicas faraônicas que consomem muito dinheiro e demoram anos e anos para serem concluídas. Quando são.
O projeto, que já chegou a ser chamado de “obra da minha vida” pelo padre Robson de Oliveira, então reitor da Basílica do Pai Eterno e figura central em suspeita de desvio de dinheiro doado por fiéis à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), tinha previsão inicial de término para 2022.
Em reavaliação feita, recentemente, chegou-se a dizer que o projeto ambicioso, construído numa área de 124 mil metros quadrados e que deve ser um dos maiores complexos religiosos do mundo, seria concluído em 2026. A Nova Afipe, no entanto, conforme respostas enviadas sobre questionamentos feitos pelo Metrópoles, prefere não especificar um prazo, diante do contexto.
“A Nova Afipe, representada por sua diretoria, tem manifestado que deseja que a obra siga do melhor modo possível e tenha sua conclusão no horizonte possível de ser vislumbrado hoje, mas não seria responsável e ético marcar uma data precisa”, informa a associação.
Doações e pandemia
A data, segundo a entidade, depende de duas variáveis que são difíceis de serem inseridas em um cronograma. São elas: a ajuda financeira dos fiéis da igreja e as condições sanitárias apropriadas para dar andamento à obra, já que a pandemia da Covid-19 seria um fator contrário a mais, nesse momento.
Em relação às doações, o Metrópoles mostrou nessa quarta-feira (3/3) que a Afipe, após mudanças na diretoria e da tentativa de se desvincular da figura de padre Robson, conseguiu retomar parte das doações perdidas.
No ano passado, logo após o escândalo trazido à tona pela Operação Vendilhões, as doações chegaram a serem reduzidas em 80%. Hoje, segundo informações enviadas à reportagem, a associação conseguiu minimizar a queda brusca para 50% do que arrecadava antes. De acordo com o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), o valor mensal arrecadado pela Afipe oscilava em torno de R$ 20 milhões.
Valores
Em 10 anos, de acordo com os dados levantados pelo MPGO, as associações (“Afipes”) criadas por padre Robson de Oliveira movimentaram um valor em torno de R$ 2 bilhões. A quantia seria mais do que suficiente para concluir a obra do novo santuário, que é o projeto principal da Afipe e que foi avaliado, incialmente, em R$ 100 milhões.
O valor investido até outubro do ano passado já era mais do que o dobro (R$ 202,2 milhões) dessa previsão inicial e, com o tempo, o valor total do projeto sofreu alterações. Hoje, para concluir a obra, espera-se investir algo em torno de R$ 1,4 bilhão, dinheiro 100% proveniente de doações de fiéis.
A evolução tímida da obra, até então, comparada às elevadas quantias de dinheiro movimentadas pela Afipe, é o que configura a suspeita de desvio levantada pelo MPGO. O processo que trata dessa questão e do qual padre Robson de Oliveira é réu foi trancado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e está em apreciação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Evolução após escândalo
A obra avançou após a deflagração da Operação Vendilhões e a saída de padre Robson da presidência da Afipe. Ele estava à frente da associação desde 2004, quando ela foi fundada por ele. O Metrópoles esteve na obra, em Trindade (GO), e verificou que equipes estão trabalhando no local.
Segundo a Nova Afipe, que adotou esse nome após mudar a diretoria e aplicar políticas de transparência para retomar a confiança dos fiéis, toda a base de concreto do subsolo do edifício central, que hospedará um ossário, já está finalizada. Além disso, o projeto é dividido em cinco etapas e duas delas já tiveram o trabalho de concretagem 50% feito.
O projeto foi idealizado para multiplicar a capacidade de Trindade de receber fiéis de todo o Brasil. As últimas edições da Festa do Divino Pai Eterno, da qual padre Robson de Oliveira era líder, atraiu uma média de 3 milhões de pessoas.
Só a área do complexo religioso do novo santuário é 20 vezes maior que o terreno da basílica atual. É previsto, por exemplo, um estacionamento para 30 mil carros, 4 mil ônibus e espaços para carreiros, que mantêm viva a tradição da romaria dos carros de boi até a cidade, nos dias de festa, realizada entre os meses de junho e julho.
“O Novo Santuário é, na verdade, um grande conjunto de obras para o atendimento das pessoas e não apenas uma igreja. Além da praça elevada, onde serão celebradas as missas campais, e o Novo Santuário do Pai Eterno, com uma cúpula de 94 metros de altura, a estrutura contará com outras instalações”, alega a Nova Afipe.
Maior sino do mundo
A megalomania do projeto foi evidenciada desde o início, com o anúncio de que o novo santuário de Trindade teria o maior sino suspenso do mundo. Chamado de Vox Patris (A voz do Pai), o sino faz parte de um conjunto de sinos que estão sendo produzidos na Polônia e que foi comprado por R$ 17 milhões.
Esse sino maior e outros quatro menores já estão prontos para serem trazidos para o Brasil. Fotos já foram até divulgadas pela associação. A operação de importação, no entanto, segundo a Nova Afipe, não é simples. A ideia seria que eles chegassem a Trindade até junho deste ano, mas já não é possível confirmar essa data. Tudo depende do andamento do processo de nacionalização da mercadoria.
Eles serão instalados em um edifício campanário de 100 metros de altura. Além do sino maior e dos outros quatro já prontos, outros 68 farão parte do conjunto de sinos, mas estes só serão concluídos numa segunda fase, a qual não possui estimativa de prazo, até o momento.
Revolta nas redes sociais
Leitores do Metrópoles, alguns devotos do Pai Eterno, inclusive, expressaram a revolta em comentários das reportagens veiculadas essa semana, em razão de todo o contexto envolvendo a obra, o padre Robson e as suspeitas sobre o uso do dinheiro doado.
“Sinto profunda decepção, pois mandei meu dinheiro suado achando que era para as obras de Deus. Ele pode escapar da Justiça da terra, mas a do céu não escapará”, escreveu uma leitora nos comentários do Instagram.
Outra católica expressou: “Nunca mais dou um tostão. Ele não é culpado sozinho, cadê a hierarquia da Igreja? Existe só para punir o padre? Ah, tá!”
Um leitor lamentou as consequências para toda a igreja católica: “Triste ver minha igreja católica com a imagem manchada por causa de alguns”. Já outra falou da fé que tinha nas novenas apresentadas pelo padre na TV Pai Eterno: “Eu tinha uma fé tão grande nele, fazia as novenas. Meu Deus, em quem confiar? Só Jesus!”, escreveu.
Padre Robson está afastado das atividades na igreja e está proibido de se manifestar por decreto canônico que foi renovado em janeiro por tempo indeterminado. Ele aguarda as decisões da Justiça sobre o caso. O Metrópoles entrou em contato com a assessoria de imprensa dos Redentoristas em Goiás, mas não obteve respostas.