Obra de arte feminista é destruída 12h depois de pronta em Goiânia
Artista convidada para festival de arte de rua teve a obra vandalizada na região da vagina: “Significativo e muito violento”
atualizado
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Goiânia – Convidada para participar de um festival internacional de arte de rua em Goiás, a paranaense Bruna Alcântara, de 33 anos, uma das poucas mulheres participantes, teve a sua obra vandalizada no Centro da capital goiana em menos de 12 horas depois de pronta.
A situação chamou a atenção e gerou revolta nas redes sociais, por se tratar de uma obra com conotação feminista. “A sociedade não está preparada para lidar com a liberdade dos nossos corpos”, expressou a artista em um manifesto na internet, após o ocorrido.
Focada em criar trabalhos que abordam a condição feminina e a maternidade, aliando fotografia e bordado, Bruna escolheu uma tradicional esquina do Centro da cidade para colar a imagem de um autorretrato dela amamentando o filho, um registro feito há mais de sete anos em Portugal.
A foto em preto e branco contrastava com o bordado colorido na região da vagina. Ela foi colada no horário do almoço, na terça-feira (19/7). “De noite, perto das 20h, abrimos uma exposição na Vila Cultural Cora Coralina e uma menina chegou contando que estavam tirando, mas eu não sei quem foi”, relatou a artista ao Metrópoles.
O único local rasgado e retirado da imagem, por mais que se tratasse de uma reprodução em forma de bordado, foi a vagina. “Uma vagina incomoda muita gente”, escreveu Bruna no texto publicado em suas redes sociais. Já de volta a Curitiba (PR), ela enfatiza que “terem tirado apenas a representação da vagina é muito significativo. É violento!”.
A obra, segundo Bruna, fala sobre “a dor e a delícia de ser mãe e sobre a condição de mulher santificada” que a sociedade coloca a mulher, quando ela se torna mãe. A mesma imagem já foi exposta em Portugal, São Paulo e Curitiba. “Nunca havia tido uma repercussão negativa como em Goiânia”, afirma.
Reflexão sobre o machismo
O simbolismo desse episódio tem servido de gatilho para reflexões sobre a sociedade machista e patriarcal. A artista expôs que, ao chegar em Goiânia, se encantou com a frequência de arte pelas ruas da cidade, mas logo percebeu as “panelas artísticas” e o “ambiente extremamente machista”.
“O primeiro susto foi o festival que fez o Beco da Codorna – 180 artistas homens e apenas quatro mulheres. Vocês, homens produtores e artistas, se envergonham disso?”, questionou.
Bruna recebeu o apoio de mulheres, ativistas, pessoas públicas e artistas da cidade, mas não deixou de citar os números de violência contra a mulher em Goiás. Segundo ela, os dados comprovam o “cala boca goiano”.
Feminicídio: crime violento que mais cresce em GO
O feminicídio é o crime violento que mais cresceu, proporcionalmente, em Goiás, entre 2018 e 2021 – um aumento de 50%, conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública (SSPGO).
Em 2018, 36 mulheres foram assassinadas no estado em situações que se enquadram como feminicídio. Em 2019, foram 40 casos, depois 44 em 2020 e, no ano passado, atingiu o pico de 54 vítimas.
Todo esse contexto reflete nas esferas de representação. Na Câmara Municipal de Goiânia, por exemplo, de 37 vereadores, apenas cinco são mulheres.
A artista lamentou o episódio vivenciado na cidade, mas garante que seguirá com sua arte. “É minha alma, minha causa. A libertação dos corpos femininos e a igualdade de gênero ainda têm muito trabalho pela frente. Não será meia dúzia de reacionários que vão nos calar”, diz ela.