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Obesidade: transição ignorou programa criado na gestão Bolsonaro e premiado na ONU

Equipe de transição da gestão Lula ignorou iniciativa contra obesidade lançada pelo governo Bolsonaro e premiada na ONU

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Hugo Barreto/Metrópoles
Prato de comida com arroz e feijão
1 de 1 Prato de comida com arroz e feijão - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Finalizado há mais de um mês, o relatório do grupo técnico (GT) da Saúde elaborado pelo Gabinete de Transição ainda é motivo de descontentamento de especialistas e funcionários do governo federal em razão de inconsistências em relação a algumas medidas lançadas no governo Jair Bolsonaro (PL).

Segundo fontes que falaram ao Metrópoles sob condição de anonimato, técnicos da área da saúde que trabalham com a agenda da segurança alimentar e nutricional — dentro do governo e na iniciativa privada — não teriam sido ouvidos para a confecção do relatório.

Sob relatoria do médico sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, o documento diz que houve “descontinuidade das ações voltadas à prevenção e atenção à obesidade infantil e ausência de iniciativas de comunicação pública direcionada à população para a promoção de hábitos alimentares saudáveis”.

A avaliação da equipe de transição é refutada por uma iniciativa relacionada ao tema, que chegou a ser premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2021. Trata-se da Estratégia Brasileira de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (Proteja), lançada pelo Ministério da Saúde para deter o aumento da obesidade infantil no país.

O Ministério da Saúde, em nome da Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição, recebeu o Prêmio para a Prevenção e Controle de Doenças Crônicas não Transmissíveis da Força Tarefa da ONU e do Programa Especial de Atenção Primária à Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) devido ao desenvolvimento e à implementação do Proteja.

Os relatos são de que, na época de elaboração do programa, houve esforço amplo da área técnica para aprová-lo, apesar do então governo. O Proteja não foi encampado politicamente pelas figuras que comandaram o ministério na gestão Bolsonaro.

Sobre as iniciativas de comunicação, relatórios de gestão, notícias e portarias mostram que as redes sociais do ministério seguiram mobilizadas para tratar do tema e que um dos posts com maior alcance no ano passado foi justamente sobre alimentação saudável. Essa documentação aponta que, pela primeira vez, houve uma campanha nacional de prevenção à obesidade infantil.

Ainda no âmbito da saúde alimentar e nutricional, o relatório da transição fala em “enfraquecimento da agenda regulatória”. Porém, mesmo em um cenário desfavorável, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conseguiu aprovar novas regras de rotulagem nutricional, incluindo a aprovação de uma rotulagem nutricional frontal, considerada mais transparente. Especialistas da área consideram que essas regras representaram um avanço, principalmente pelo fato de o governo não ter abraçado a agenda.

Fora do âmbito da regulação, houve avanços na alimentação escolar, que passou a adotar critérios baseados no Guia Alimentar para oferta de alimentos. Além disso, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) — depois de muitos anos de discussão, desde o governo Dilma — publicou recomendações sobre o que é indicado ou não para ser vendido nas cantinas das escolas de forma alinhada ao guia.

Proteja

A Estratégia Brasileira de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (Proteja) desenvolve ações intersetoriais em nível local, com foco em pequenos municípios, envolvendo saúde, educação, assistência social, agricultura, desenvolvimento urbano, esportes e Câmaras Municipais, entre outros setores.

No rol dessas ações, estão a construção de espaços de lazer e atividade física e a facilitação do acesso a alimentos. O programa ainda exige o cumprimento de metas que impactam em recursos financeiros para incentivar os municípios.

Até o momento, mais de 1.320 municípios brasileiros aderiram ao Proteja, com repasse de R$ 63.474.160,00 da União, conforme o último balanço.

O prêmio à iniciativa foi concedido em setembro de 2021 durante a Assembleia Geral das Nações Unidas.

A avaliação de especialistas é de que nunca havia existido no Brasil um programa tão estruturado, com financiamento, metas e pactuação com os municípios.

Por ser uma estratégia inovadora, a estratégia também teve artigo científico selecionado pela UN-Nutrition Journal.

O Proteja também foi submetido à Chamada de apresentação de experiências para a Ação Multissetorial (MSA) sobre Prevenção e Controle de DCNTs da OMS. A chamada recebeu 96 experiências internacionais, e o Proteja foi selecionado como estratégia inovadora que receberá apoio técnico e financeiro da OMS para transformá-la em um estudo de caso de país. Destaca-se a seleção do Brasil como país front runner para o Plano de Aceleração da OMS voltado a deter a obesidade.

Ainda não se sabe se o programa vai ter continuidade na gestão Lula III.

Ministério destruído

Durante a gestão Bolsonaro, funcionários relataram, em diversos momentos, destruição na pasta da Saúde, com o ministério entregue a quadros com muita ideologia e pouco conhecimento técnico e de gestão pública. Por essa razão, o foco na má gestão da pandemia pela equipe de transição foi compreensível.

Foi certeira ainda a avaliação sobre o aumento da fome e da desnutrição no país. O relatório apontou a expansão dos dois problemas no último ciclo governamental e as tentativas de distorção dos dados pelo governo Bolsonaro.

Alguns avanços decorrentes dos trabalhos técnicos, no entanto, teriam sido desconsiderados.

Em transições para governos com colorações ideológicas distintas, é comum que o grupo que chega desconsidere as políticas públicas da equipe anterior e veja a necessidade de imprimir a marca da nova gestão.

Outro lado 

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, que integrou o GT da Saúde na transição, foi procurada via assessoria, mas não respondeu o pedido de comentário feito pela reportagem.

O relator do GT da Saúde, ex-ministro José Gomes Temporão, enviou comentário à reportagem (leia a íntegra abaixo), no qual ponderou que não era propósito do grupo (pelo curto prazo e alto volume de trabalho) ouvir integralmente as equipes de todas as políticas. “Na maior parte do trabalho, a análise teve como base documentos oficiais, relatórios dos órgãos de controle, do Conselho Nacional de Saúde, Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] e Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde] e reuniões com a sociedade civil”, informou.

Temporão ainda pontuou não ter havido questionamento sobre o prêmio recebido, “que abrange apenas uma dimensão de questão complexa de saúde pública”, e manteve os termos e a análise do relatório final.

Leia abaixo, na íntegra, o comentário do relator do GT da Saúde:

“O Brasil, por sua alta e crescente prevalência de obesidade, não pode só fazer ações de promoção de comportamentos saudáveis. Há urgência de políticas de organização do cuidado para as pessoas que desejam reduzir o peso e controlar doenças associadas.

Também não cabe mais uma visão programática, na velha tradição da Nutrição em Saúde Pública. Impossível focalizar territorialmente ou para as fases do curso da vida. Precisamos retomar a proposta de linha de cuidado, com compromisso da integralidade para todos, como politica de saúde no SUS.

A obesidade como problema de saúde pública é um fenômeno complexo que não se resolve apenas no setor saúde. É preciso enfrentar de forma intersetorial e corajosa seus determinantes sociais e comerciais. O que não tira do SUS o compromisso de cuidar das pessoas que buscam os serviços de saúde.

A segurança alimentar e nutricional é uma área intersetorial atravessada por várias políticas públicas que foram descontinuadas, como por exemplo as condicionalidades do bolsa família e a extinção do Consea. Não é apenas atribuição do MS.

Os especialistas que fizeram a análise para o GT Saúde da transição estão entre os mais respeitados do país.

Em relação à alegação de que a equipe não foi ouvida, não era propósito do nosso GT (pelo curto prazo e alto volume de trabalho) ouvir todas as equipes de todas as políticas. Na maior parte do trabalho, a análise teve como base documentos oficiais, relatórios dos órgãos de controle, do conselho nacional de saúde, Conass e Conasems e reuniões com a sociedade civil.

Não houve questionamento do prêmio recebido que abrange apenas uma dimensão de questão complexa de saúde pública.

Em síntese, mantemos os termos e a análise do relatório final.”

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