O que é o conceito de racismo ambiental, usado por Anielle sobre o Rio
A ministra Anielle Franco associou a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro a racismo ambiental. Especialistas explicam o termo
atualizado
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Os temporais que atingiram a região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro (RJ), no último fim de semana, deixaram 12 mortos, um desaparecido e diversos prejuízos para a população. As fortes chuvas também aqueceram o debate sobre o chamado racismo ambiental. O termo foi usado pela ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, que atribuiu a tragédia das chuvas aos “efeitos do racismo ambiental e climático”.
“Estou acompanhando os efeitos da chuva de ontem nos municípios do Rio e o estado de alerta com as iminentes tragédias, fruto também dos efeitos do racismo ambiental e climático”, disse a ministra.
A fala reverberou e gerou críticas, sobretudo da oposição, que questionou o uso do termo. Após a repercussão, a ministra publicou um vídeo explicando a relação entre as chuvas e o racismo ambiental.
“Quando a gente olha os bairros e municípios que foram mais atingidos, a gente vê algo que eles todos têm em comum, que são áreas mais vulneráveis. Qual é a cor da maioria das pessoas que vivem nesses lugares?”, questiona Anielle.
“Isso acontece porque uma parte da cidade, do estado, não tem a mesma condição de moradia, de saneamento, de estrutura urbana do que a outra. Também não é natural que esses lugares tenham ali a maioria da sua população negra. Isso faz parte do que a gente chama e define de racismo ambiental e os seus efeitos nas grandes cidades”, explica.
Veja aqui o relato da ministra.
Vulnerabilidades
Estudiosos da área corroboram a explicação da ministra. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles afirmam que a expressão está relacionada à forma desigual a que os eventos climáticos impactam diferentes populações e causam maior dano àqueles que vivem em regiões periféricas.
“Reunindo raça e classe, é possível notarmos que as pessoas negras são as mais pobres no país. Neste sentido, são estas as pessoas que habitam as regiões mais vulneráveis das cidades. Deste modo, ao tratarmos de um racismo ambiental, estamos indicando que pessoas negras são aquelas que majoritariamente vivem em regiões vulneráveis e carentes de políticas públicas”, destaca Guilherme Marcondes, professor adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No mesmo sentido, o diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota, lembra que essas populações são maioria em áreas de risco, que estão mais suscetíveis a sofrer com enchentes, deslizamentos e outras tragédias naturais.
“Estamos dizendo que territórios como as periferias urbanas, como encostas, córregos, beiras de rios, na maioria das vezes, ocupados por essa população mais pobre e também racializada, são os territórios onde haverá menos capacidade das pessoas resistirem ou de se adaptarem ou de encontrarem soluções diante de eventos climáticos extremos. Então, existe um padrão de racialização, que impõe melhores condições às pessoas brancas no Brasil e piores condições às pessoas negras, indígenas, quilombolas ou povos e comunidades tradicionais”, avalia.
O especialista ressalta que há diversos fatores que dificultam a capacidade de resposta aos eventos climáticos extremos. “As pessoas racializadas no Brasil têm menos resiliência para lidar com os eventos ambientais, porque elas possuem menos poder aquisitivo, menor escolaridade, elas têm uma rede de apoio mais debilitada, elas não têm políticas públicas adequadas em seus territórios, do ponto de vista de defesa civil, habitação, saneamento básico”, pontua Frota.
Combate ao racismo ambiental
O pesquisador da UFRJ Guilherme Marcondes defende que, para mudar essa realidade, é preciso investimento em infraestrutura e em políticas públicas para a população mais vulnerável.
“Projetos voltados para as populações mais vulneráveis devem sair do papel e incluir a preocupação com a criação de uma infraestrutura que lhes permita acesso de qualidade à saúde, educação, transportes, como também devem contar com as limpezas dos rios, coleta regular de lixo, enfim, devem contar com o mínimo para que as pessoas possam ter uma vida de qualidade”, explica.
Henrique Frota defendeu uma mudança estrutural, que combata o racismo e as desigualdades como um todo. “É preciso ter políticas públicas reconhecendo que existe esse racismo estrutural e sistêmico no Brasil que faz com que as pessoas racializadas tenham piores condições de renda, de escolaridade, de acesso à saúde, de acesso ao território. Então, combater o racismo ambiental é, sobretudo, empreender políticas públicas que enfrentem essas estruturas”, reforça o diretor-executivo.
“O racismo ambiental não se combate com soluções paliativas. As soluções emergenciais de defesa civil, de atendimento diante do desastre, obviamente, elas são necessárias, mas elas não vão ser suficientes pra combater o racismo ambiental, porque ele é apenas uma faceta daquilo que a gente chama de racismo estrutural. Portanto, medidas que façam mudanças estruturais são necessárias”, diz.